Contacto
Educação

Uma escola onde se aprende a vida de todos os dias

Há cerca de um ano, a Escola Internacional de Mersch chegou a ter metade dos alunos vindos da Ucrânia. Um desafio de integração a que soube dar resposta.

Artur Shotkovskyi e Abdushukur KochKarov

Artur Shotkovskyi e Abdushukur KochKarov © Créditos: Foto: M.Q.

Os seus dedos percorrem as teclas do piano com uma destreza impressionante, enquanto toca uma música de um compositor da sua terra natal. Artur Shotkovskyi tem 12 anos e veio da cidade de Bila Tsercva na Ucrânia, há cerca de cinco meses. Hoje, frequenta a Escola Internacional Mersch Anne Beffort e já está inscrito no conservatório de Mersch. Diz sem hesitar que o Luxemburgo “é um país muito bom”. Quando falámos, a invasão da Ucrânia tinha começado exatamente há um ano. Um dia que não gosta de recordar. “Não queremos a guerra”, diz com convicção. Já Abdushukur KochKarov, ensaia uma música da viola. Também tem 12 anos e chegou há seis meses de Kiev.

Kim Miles olha deliciada para os seus alunos enquanto os ouve tocar os instrumentos.

Kim Miles, professora de música

Kim Miles, professora de música © Créditos: Foto: M.Q.

“A música é uma disciplina maravilhosa porque pode funcionar como terapia para os estudantes que sofreram histórias tristes. É importante que os estudantes ucranianos a possam aprender. Infelizmente eles nem sempre mostram os problemas, como o medo da guerra o receio em relação às famílias que ficaram para trás e com as quais muitas vezes não têm qualquer contacto. Penso que o Luxemburgo tem sido extraordinário dando-lhes a possibilidade de aprenderem música”, salienta esta professora que veio de Inglaterra. Ao todo, as escolas luxemburguesas já receberam 1.273 crianças ucranianas.

Ler mais:Escolas luxemburguesas já acolheram 1.273 crianças ucranianas

“Quando a guerra começou, fomos um dos liceus que mais acolheu alunos ucranianos e durante algumas semanas tivemos mais alunos ucranianos do que alunos aqui do Luxemburgo”, descreve Julie Suzanne Bausch, diretora da escola. “As escolas internacionais europeias foram as únicas no país a receber alunos ucranianos, embora com parceria com outros liceus”, acrescenta Julie Suzanne Bausch.

Julie Suzanne Bausch, diretora da Escola Internacional Mersch Anne Beffort 

Julie Suzanne Bausch, diretora da Escola Internacional Mersch Anne Beffort  © Créditos: Foto:M.Q.

"Há alunos ucranianos que fugiram do país e outros que já sentiram os efeitos da guerra. Os mais velhos tiveram aulas de inglês" afirma. "Não foi fácil, mas misturamos os alunos com os outros estudantes nas classes de acolhimento. No momento em que sentimos que estão preparados, passam para as turmas regulares, integrando-os o mais rapidamente possível", descreve. Mas nem sempre é fácil.

“É difícil. Estão sempre atentos ao telemóvel porque estão sempre à espera de más notícias sobre o seu país”, descreve. “Mas acho que encontraram uma certa segurança aqui e conseguimos integrá-los”, sublinha.

“Lembro que, no início, havia um helicóptero preto que por vezes sobrevoava a escola e estacionava no seu perímetro. E uma mãe e os dois filhos começaram a tremer porque vinham de uma das localidades que tinham sido bombardeadas por helicópteros russos. Rapidamente resolvemos o problema com a Comuna”, sublinha.

Uma escola onde também se aprende português

Marlene Silva tem duas turmas. Está há quatro anos no Luxemburgo e dá aulas na escola desde que esta abriu, há dois anos. "É um projeto muito novo onde há muita camaradagem e em que se aposta no acolhimento dos alunos e no seu acompanhamento para que tudo corra bem", salienta esta professora de português. A integração da comunidade de estudantes ucranianos, que no primeiro ano chegou a representar metade dos alunos da escola, na sua opinião, não podia estar a correr melhor. “A escola veio ajudar muito a integrar os alunos que acabam de chegar”, diz.

O português é lecionado como uma terceira língua.

“Chegamos a propor a criação de uma secção portuguesa, mas não tivemos alunos suficientes para a lançar”, revela Julie Suzanne Bausch, diretora da escola. Os pais preferem colocar os alunos na secção francesa, ou inglesa com aulas de português como língua estrangeira.

Quais as vantagens desta escola? “A escola tem todas as vantagem de estar no centro do país, chegamos em 20 minutos ao centro da Cidade do Luxemburgo, mas também estamos no campo. É um espaço rural, no bom sentido da palavra, estamos perto da terra e da verdura. É também um espaço muito familiar. Temos a oportunidade de ter 3 hectares de terreno e 40% são verdes. Os alunos aqui são calmos, existindo menos agressões do que na vida na cidade”, responde Julie Suzanne Bausch.

Aprender a vida de todos os dias

“Oferecemos aos alunos aprendizagens que eram óbvias para as gerações anteriores. Há uma aprendizagem da vida de todos os dias que se perdeu. Os dois pais trabalham a tempo inteiro, não tendo tempo para mostrar aos filhos como fazer um bolo ou como arranjar uma bicicleta, por exemplo”, descreve a diretora da escola.

“Queremos ainda que os alunos vivam a democracia e por isso implicamos o comité de alunos em todas as reuniões”, revela.

A escola existe para dar oportunidade a todos e não para excluir ninguém
Julie Suzanne Bausch
Diretora da Escola Internacional Mersch Anne Beffort

“O nosso conceito é fundado no indivíduo, o aluno e ele mesmo, o aluno e os outros e o aluno e a natureza. Porque a escola existe para dar oportunidade a todos e não para excluir”, conclui.