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Turcos no Luxemburgo "colados" ao computador para apoiar protestos

Desde que os protestos na Turquia começaram, na sexta-feira, os imigrantes turcos no Luxemburgo têm estado a usar o Twitter e o Facebook para enviar informações aos familiares e amigos.

Além de organizar manifestações de solidariedade, a comunidade turca no Luxemburgo está a usar as redes sociais para apoiar os protestos na Turquia

Além de organizar manifestações de solidariedade, a comunidade turca no Luxemburgo está a usar as redes sociais para apoiar os protestos na Turquia © Créditos: Filiz Isiksal

Filiz Isiksal tem dormido pouco mais que quatro horas por noite desde sexta-feira, o dia em que a violência policial começou em Istambul. A imigrante turca de 38 anos, a viver há nove no Luxemburgo, passa as noites a tentar ajudar os manifestantes através das redes sociais.

Contactos de médicos e advogados, ou os locais que disponibilizam internet gratuitamente aos manifestantes, depois das tentativas de bloqueio da rede pelo Governo, são algumas das informações que a executiva na Goodyear tem estado a enviar pelo Twitter e o Facebook aos familiares e amigos em Istambul, a cidade onde nasceu.

Foi ali que as manifestações começaram, na sexta-feira, quando a Polícia atacou manifestantes que protestavam contra a destruição de um parque público para construir um centro comercial. Mas o que começou como um protesto pacífico para impedir o abate de árvores alargou-se a todo o país, depois da intervenção violenta das forças policiais.

Gás lacrimogéneo, bastonadas, balas de borracha e jactos de água têm estado a ser usados contra os manifestantes, com uma violência que já fez 2.500 feridos, segundo a Ordem dos Médicos, e pelo menos três mortos, segundo números de hoje da agência Ansa.

No Luxemburgo, a pequena comunidade turca, que conta com cerca de 600 pessoas, assiste a tudo chocada mas com esperança na mudança.

"Tenho um irmão de 34 anos que tem participado nas manifestações à noite, depois do trabalho, e também tenho lá muitos amigos", conta Filiz ao CONTACTO, admitindo que está "preocupada" com a segurança dos familiares, mas que também se sente "extremamente orgulhosa" com o movimento, que se converteu num protesto contra as tentativas de islamização do país por Erdogan, o primeiro-ministro turco, à frente do conservador Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), no poder desde 2002.

"É um movimento pela liberdade, um movimento contra as leis aprovadas recentemente que visam proibir a venda de álcool, o aborto e as demonstrações públicas de afecto", explica Filiz, referindo-se aos avisos que têm sido emitidos nos transportes públicos quando um casal se beija.

Regras que contrariam os príncipios do Estado laico introduzidos por Kemal Atatürk, o fundador da República da Turquia, no início do séc. XX, e que violam as liberdades dos cidadãos, defende Filiz.

"Não queremos que o Governo possa decidir como devemos comportar-nos", explica a imigrante turca. "São comportamentos que fazem parte da nossa esfera pessoal, e limitá-los é limitar a nossa liberdade".

"OS MEUS PAIS NÃO SÃO RADICAIS E APOIAM O PROTESTO"

Filiz Isiksal garante que as manifestações que começaram sexta-feira na Turquia são apartidárias e reúnem pessoas de todos os quadrantes e idades.

"Os meus pais são um casal de classe média, uma típica família turca, não são radicais, e apoiam o movimento como podem: batendo com tachos e panelas à noite, acendendo e apagando as luzes, tal como o resto da população", conta ao CONTACTO.

"A minha mãe é dona de casa e o meu pai é electricista, e o meu irmão trabalha num banco. Não são radicais, são pessoas normais que estão a lutar pela liberdade", garante a jovem executiva.

Em Istambul e Ancara, a capital turca, e em dezenas de outras cidades, os manifestantes não desarmam, e têm estado a usar o Twitter e o Facebook para coordenar esforços e partilhar informação. E para protestar contra a censura das televisões nacionais. Enquanto as ruas se enchiam de gás lacrimogéneo e até os hotéis e escolas abriam as portas aos manifestantes, convertendo-se em hospitais improvisados, as televisões turcas, controladas pelo Governo, transmitiam concursos de beleza e programas sobre a natureza.

No Luxemburgo, a comunidade turca também usou a internet para protestar contra a censura nas televisões nacionais.

"Bombardeámos as televisões turcas com emails a protestar, porque não havia nada sobre as manifestações na televisão. Toda esta violência, e eles a mostrar pinguins!", insurge-se Filiz.

IMIGRANTES ORGANIZAM MANIFESTAÇÃO DE APOIO

No sábado, a pequena comunidade de expatriados turcos no Luxemburgo organizou uma manifestação de solidariedade na Place d'Armes, que reuniu cerca de 40 pessoas. Foi uma das dezenas de manifestações de apoio em todo o mundo. E planeiam nova manifestação de solidariedade para o próximo sábado, dia 8 de Junho, entre as 13h e as 15h, junto à Gëlle Fra, na Place Guillaume e na Place d'Armes.

"É uma manifestação de solidariedade aberta a todas as nacionalidades", explica Filiz, uma das organizadoras. "Ficaríamos muito reconhecidos se viessem apoiar-nos", apela.

Ontem à noite, milhares de pessoas manifestaram-se novamente em dezenas de cidades na Turquia, pelo quinto dia consecutivo, que ficou marcado por novos confrontos entre a polícia e os manifestantes. No Luxemburgo, os expatriados garantem que não vão baixar os braços.

"Erdogan tem de ouvir o povo. Ele pode ter tido 50 % de votos na última eleição, mas tem de ouvir as pessoas que saíram à rua", conclui Filiz Isiksal.

Paula Telo Alves

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