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Trabalhadores recrutados em Portugal acabam explorados em obras no Luxemburgo

Há portugueses recrutados por empresas de construção em Portugal para trabalhar no Luxemburgo que acabam a ser explorados. Recebem salários muito abaixo do mínimo luxemburguês e trabalham domingos e feriados. Sem conhecerem o país nem a língua, são poucos os que apresentam queixa, diz o 
sindicato LCGB.

João (nome fictício) está no Luxemburgo há um mês e tem 25 euros no bolso, o único dinheiro que lhe resta. O electricista, de 53 anos, foi contratado por uma empresa de construção no Norte de Portugal para trabalhar durante dois meses numa obra no Luxemburgo, mas ao fim de menos de um mês o patrão dispensou-o e não lhe pagou o combinado. O contrato estabelecia um salário mensal de 540 euros, mas o electricista deveria receber 1.500, "pagos a negro".

Durante um mês, o português de origem cabo-verdiana, que ficou alojado numa casa da empresa, numa aldeia no Nordeste do Luxemburgo, trabalhou todos os dias "sem descanso", incluindo sábados e domingos, numa obra numa casa privada. Foram 200 horas de trabalho, mas no final o patrão disse-lhe que ia receber apenas 1.200 euros – um valor muito inferior ao salário mínimo no Luxemburgo, que ronda os 1.922 euros para trabalhadores não qualificados e 2.307 para qualificados, além de não cobrir as horas extraordinárias.

"Ele desconta o preço das ferramentas, luvas, botas, tudo. Até o cobertor tive que trazer", diz o electricista.

No dia 20 de Fevereiro, um dos responsáveis da empresa disse-lhe que o trabalho tinha acabado e mandou-o regressar a Portugal. "Disse-me para eu pagar o bilhete [de autocarro] do meu bolso e que o salário ia ser pago em Portugal, mas eu não tenho dinheiro. Paguei do meu bolso o transporte de autocarro para vir, 122 euros, era suposto ele pagar a viagem. Se eu tivesse dinheiro, já me tinha ido embora", contou na sexta-feira o electricista ao CONTACTO.

Na mesma situação estão mais dois portugueses contratados pela mesma empresa, um dos quais não recebe desde Dezembro. A empresa tem também empreitadas em França, onde João chegou a trabalhar no ano passado, tal como pelo menos mais 17 portugueses. Mas apesar de conhecer as condições de trabalho, o electricista diz que não há alternativas. "Portugal está na situação em que está, senão eu não vinha. Eu estava desempregado, tenho mulher e dois filhos e uma renda para pagar", diz João.

ABANDONADOS 
NO LUXEMBURGO

Ao sindicato luxemburguês LCGB chegaram já vários casos como o do electricista português, que pediu anonimato, por medo de represálias.

"Há situações catastróficas. As pessoas vêm com contratos negociados em Portugal que não respeitam a legislação luxemburguesa, e quando pedimos informação dizem que descontam o alojamento, o material, tudo", alertou o secretário sindical Paul de Araújo, do LCGB, durante a conferência de informação para imigrantes recém-chegados organizada pelo Centro de Apoio Social e Associativo (CASA), na sexta-feira.

Em alguns casos, os trabalhadores "são abandonados no Luxemburgo, porque os salários não são pagos, e as pessoas ficam sem dinheiro nem meios financeiros para ficar ou voltar", frisa o sindicalista.

Em causa estão "pequenas empresas de construção portuguesas", diz Liliana Bento, responsável pelo sector da construção no LCGB. Sem falar a língua nem conhecer o país, são poucos os que apresentam queixa: o sindicato registou "três ou quatro casos" no último ano, mas receia que haja mais.

"Eles chegam aqui, nunca estiveram no Luxemburgo, ficam alojados em quartos por cima de cafés, e depois há um chefe que os vai buscar de manhã e os leva de volta ao final do dia. Os salários são pagos numa conta em Portugal e alguns não têm sequer dinheiro de bolso", explica. "Quando eles começam a perceber que aqui os salários são mais altos e começam a reclamar, arranjam logo maneira de os mandar embora e de trazer outros novos, e o ciclo recomeça".

A situação viola a directiva europeia sobre o destacamento de trabalhadores, sublinha a secretária sindical. "Desde que estejam a trabalhar em território luxemburguês, os trabalhadores têm direito ao salário mínimo no Luxemburgo, ou mesmo a um valor mais alto, de acordo com a sua experiência e formação, segundo o previsto nas convenções colectivas".

Estes não são os primeiros casos de exploração de trabalhadores portugueses no sector da construção no Luxemburgo. Em Março de 2013, a empresa portuguesa Açomonta foi acusada pelo sindicato OGB-L de praticar "escravatura moderna", através de subempreiteiros que enviavam portugueses e imigrantes em Portugal para trabalhar no Luxemburgo por conta da empresa. Recebiam entre 300 a 700 euros por mês e chegavam a trabalhar 12 horas por dia, sete dias por semana.

João teve sorte. Depois de mais de uma semana à espera de ser pago, sem dinheiro para voltar para Portugal, recebeu finalmente o pagamento, após ameaçar contar o caso aos jornais. O electricista, que pediu ajuda ao CASA e chegou a
 fazer o currículo em francês com 
a ajuda da associação, para procurar trabalho no Luxemburgo, deveria regressar esta semana a Portugal.

Paula Telo Alves