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Senhorios já podem voltar a aumentar rendas no Luxemburgo. E agora?

O congelamento das rendas terminou no dia 31 de dezembro. A partir de agora, os senhorios podem voltar a aumentar os valores. Alguns não respeitaram a lei e aumentaram as rendas antes do fim do ano. O Governo não vai prolongar a medida, mas garante que os proprietários não vão poder aumentar "como quiserem". A associação de Defesa dos Inquilinos diz que medidas são "simbólicas" e "inúteis" e não resolvem problema da habitação.

Congelamento das rendas terminou no dia 31 de dezembro. A partir de agora, os senhorios podem voltar a aumentar os valores, mas com limites.

Congelamento das rendas terminou no dia 31 de dezembro. A partir de agora, os senhorios podem voltar a aumentar os valores, mas com limites. © Créditos: Shutterstock

Jornalista

Foi uma das medidas introduzidas pelo Governo durante a pandemia, em maio de 2020. Desde então, foi sendo prolongada sucessivas vezes, a última das quais em março do ano passado, para fazer face à subida dos preços resultante da guerra na Ucrânia e da crise energética. Até ao dia 31 de dezembro de 2022, todos os aumentos de rendas das casas no Luxemburgo estavam congelados. Um dos principais objetivos era evitar que outra das medidas, o aumento do subsídio de renda – numa média de 50% para todos os beneficiários –, fosse inviabilizada por aumentos de rendas. No entanto, esta proibição nem sempre foi respeitada. Alguns proprietários tentaram dar a volta à lei, deixando os inquilinos numa situação difícil.

Em julho do ano passado, apenas quatro meses após o anúncio da medida, surgiam as primeiras denúncias – pelo menos publicamente – sobre aumentos ilegais de rendas. Na altura, Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz, a associação de defesa dos direitos dos inquilinos, afirmou, numa entrevista de rádio, que nem todos os proprietários estavam a respeitar o congelamento das rendas. Mas estes abusos ficam muitas vezes no silêncio. São poucos os moradores que decidem levar os casos à justiça, com medo de represálias por parte dos senhorios e para evitar os despejos, que são possíveis quando os proprietários alegam precisar da habitação para "necessidades pessoais".

Ler mais:Preços das casas aumentaram 140% em mais de dez anos no Grão-Ducado

A crise da habitação continua a ser um dos grandes problemas do Grão-Ducado. Os preços das casas e das rendas têm aumentado de forma significativa nos últimos anos. Em 2021, os preços das habitações aumentaram 13,9% em comparação com 2020. No ano passado, nos meses de julho, agosto e setembro, subiram 11,1% em comparação com o período homólogo do ano anterior, segundo o último relatório do Observatório da Habitação. Já as rendas aumentaram 4,7% num ano. Em média, os residentes pagam 1.400 euros de renda por mês, mais 178 euros em contas. De acordo com uma sondagem da empresa de investimento e serviços imobiliários CBRE, estas pessoas ganham entre 20 mil e 80 mil euros por ano. Mais de 19 mil euros vão para a renda.

Agora que o congelamento das rendas chegou ao fim, o que é que isso significa para os inquilinos? Devem ficar ainda mais preocupados com os aumentos? Ao Contacto, fonte do Ministério da Habitação revelou que "não há planos" para prolongar o período de congelamento, mas assegurou que isso não irá permitir aos senhorios aumentar as rendas "como quiserem". Continua a haver regras: "Cada proprietário deve respeitar as disposições obrigatórias (e de ordem pública) relativas à fixação do arrendamento previstas na lei alterada de 21 de setembro de 2006 sobre os arrendamentos residenciais, que prevê, por conseguinte, regras de proteção para o arrendatário", lembra a mesma fonte.

Os inquilinos são regularmente sujeitos a aumentos de renda ilegais, quer na forma quer no montante, fora dos períodos de congelamento de renda.
Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz
Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz, a associação para a defesa dos inquilinos no Luxemburgo.

Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz, a associação para a defesa dos inquilinos no Luxemburgo. © Créditos: Anouk Antony

Isto significa que um aumento da renda só é possível se ainda não tiver havido um ajustamento da renda pelo senhorio durante pelo menos dois anos, o período mínimo entre cada alteração de valor. Além disso, recorda o ministério, "a renda anual nunca poderá exceder 5% do montante do capital investido pelo senhorio no alojamento alugado", que é o limite máximo legal. Por exemplo, se um proprietário pagou 800 mil euros por um apartamento, o valor anual da renda não poderá ultrapassar os 40 mil euros, enquanto o valor mensal terá de ser, no máximo, de 3333 euros.

No entanto, estas regras nem sempre são seguidas pelos senhorios. Para Jean-Michel Campanella, "não é novidade" que o congelamento das rendas não tenha sido respeitado por alguns proprietários. Até porque isso já acontecia antes da aplicação da medida, garante o presidente da Mieterschutz. "Os inquilinos são regularmente sujeitos a aumentos de renda ilegais, quer na forma quer no montante, fora dos períodos de congelamento de renda". O problema, aponta, é que os arrendatários "não estão realmente conscientes" de como funcionam os aumentos de rendas e, quando contactam a associação, "é muitas vezes demasiado tarde".

Denúncias de aumentos ilegais

Ao Contacto, uma mulher portuguesa de 42 anos, que não quis identificar-se, por medo de represálias, contou que viu a sua renda ser aumentada por duas vezes nos últimos dois anos. A família, composta por dois adultos, três crianças e um gato, vive num apartamento com três quartos em Ettelbruck. Em 2009, pagavam 900 euros. A renda foi aumentada em 2021 e em 2022. Agora, pagam 1150 euros por mês. O motivo apresentado pelo senhorio foi "a inflação". Mas estes aumentos foram ilegais, por duas razões: foram feitos durante o período de congelamento das rendas e não respeitaram o mínimo de dois anos entre cada alteração de valor.

Acredito que agora as rendas vão explodir. Muitos de nós vamos ser obrigados a procurar alojamento nas fronteiras.
Vítima de aumentos ilegais

A portuguesa, que vive no Luxemburgo há 18 anos e trabalha como camareira num hotel, com contrato sem termo, afirma que sabia que os aumentos eram ilegais. "Não estive de acordo e falei com uma assistente social e com a União Luxemburguesa dos Consumidores (ULC), mas de nada valeu", lamentou. A inquilina acredita que agora que o congelamento terminou, as rendas "vão explodir". "Muitos de nós vamos ser obrigados a procurar alojamento nas fronteiras. Isso é mais que certo. Estou à procura de nova habitação, porque sei que o proprietário vai voltar a aumentar a renda. Não sou contra o aumento, mas a casa precisa de obras".

O caso de Ana Cláudia é ligeiramente diferente. A portuguesa de 32 anos, que vive com o companheiro e os três filhos num apartamento de dois quartos em Echternach, também viu a sua renda aumentada durante o período de congelamento, mas já estava estipulado no contrato, assinado em 2019, que o valor seria aumentado em 50 euros a cada dois anos. Assim, a renda inicial de 1.000 euros aumentou 50 euros em agosto de 2021 e voltará a aumentar em agosto deste ano. A esse valor acrescem os 200 euros de encargos, que também tiveram um acréscimo de 75 euros em maio do ano passado, justificado pelo senhorio com a "inflação".

Se a minha renda vai voltar a ser aumentada em agosto, então prefiro dar 1.500 euros e ir para uma casa com melhores condições.
Ana Cláudia

Feitas as contas, a renda desta família de cinco pessoas num apartamento de dois quartos aumentou, em pouco mais de três anos, 125 euros, passando de 1.200 para 1.325. Por esse motivo, Ana, que vive no Luxemburgo há 29 anos e tem a dupla nacionalidade, considera mudar de habitação brevemente. "Se irei pagar 1.375 euros de renda a partir de agosto, então prefiro dar 1.500 euros e ir para uma casa com melhores condições", garante a enfermeira.

O Ministério da Habitação reconhece que os inquilinos têm vindo a queixar-se, sobretudo por telefone, sobre os aumentos de rendas por vezes elevados exigidos pelos senhorios, "não só no ano passado, mas há muitos anos".

Também há queixas sobre a não devolução da caução, a não realização de trabalhos urgentes, por exemplo, em caso de bolor, ou o aumento regular da renda no caso de uma cláusula de indexação no contrato de arrendamento, como no caso de Ana.

"Como se trata de assuntos privados, não conhecemos todos os detalhes, mas tentamos nestes casos informar os arrendatários sobre os seus direitos", explica a fonte do ministério.

Basta invocar uma necessidade pessoal, que não tem de ser provada, para expulsar um inquilino.
Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz

Apesar de em muitas destas situações os arrendatários terem consciência de que os aumentos são ilegais, raramente decidem levar o caso à justiça, explica Jean-Michel Campanella. "Tal como acontece com todos os problemas dos inquilinos no Luxemburgo, existe também o travão de ir a tribunal". Isso acontece devido ao elevado valor das custas judiciais, ou devido ao complexo acesso à justiça, ou porque os inquilinos receiam que a sua ação acabe por levar ao despejo. "Basta invocar uma necessidade pessoal, que não tem de ser provada, para expulsar um inquilino", recorda o presidente da associação de defesa dos inquilinos.

Para proteger os arrendatários destas situações difíceis, o Parlamento aprovou em dezembro uma lei que estipula que não poderá haver despejos até 31 de março deste ano, mesmo que não consigam pagar a renda. Para beneficiar da medida, o inquilino que se encontra numa posição mais delicada tem de fazer um pedido ao juiz de paz, anexando os documentos que comprovam que se encontra numa situação financeira precária, sem meios para pagar a renda. Além disso, o Ministério da Habitação recorda que se encontra atualmente em processo legislativo uma lei "para modernizar/reformular as atuais disposições sobre o limite máximo legal da renda".

Ler mais:Inquilinos não podem ser despejados até 31 de março

A fim de evitar "aumentos descontrolados das rendas", esta nova lei prevê, por exemplo, que o senhorio seja obrigado a indicar no contrato de arrendamento o montante do capital revalorizado e descontado investido na habitação. "Portanto, se a lei fosse aprovada na sua forma atual, o arrendatário teria a possibilidade de controlar se o limite máximo legal da renda é respeitado ou não. Também se tornaria mais fácil para a Comissão de Aluguer controlar o limite máximo e, se necessário, recalcular o aluguer", explica a fonte do ministério.

Atualmente, relembra a mesma fonte, o inquilino pode, em caso de desacordo com o senhorio, solicitar à Comissão de Aluguer da comuna em que se situa o alojamento um ajustamento da renda, se houver dúvidas sobre a legalidade de um aumento da renda pelo senhorio, "especialmente se o aumento for muito elevado ou não razoável". No entanto, isto não tem sido suficiente para proteger os arrendatários, na opinião de Jean-Michel Campanella, que considera que as medidas atuais que o Governo propõe, como o congelamento das rendas ou a proibição dos despejos, são "na melhor das hipóteses apenas simbólicas e praticamente inúteis".

Rendas continuam a aumentar

O presidente da Mieterschutz dá como exemplo o período do congelamento das rendas, em que muitos senhorios tinham conhecimento da lei e mesmo assim "aumentavam as rendas antecipadamente ou simplesmente esperavam até que o congelamento acabasse" para o poder fazer. "Sim, muitos senhorios anunciaram estes aumentos durante esse período. Este congelamento não tem qualquer impacto prático nos inquilinos", garante Campanella, apontando que mesmo durante o curto período de seis meses desde a prorrogação da lei, as rendas "continuaram a aumentar".

Medidas são apenas simbólicas. Infelizmente, os inquilinos não são considerados como cidadãos de pleno direito.
Jean-Michel Campanella, presidente da Mieterschutz

Enquanto a medida do congelamento das rendas chega agora ao fim, a situação que justificou a sua implementação, reforça o responsável, ainda não terminou. "Muito pelo contrário. Inflação explosiva, perda de poder de compra, aumento drástico dos encargos de aluguer... Infelizmente, os inquilinos não são considerados como cidadãos de pleno direito. As medidas de solidariedade dizem-lhes respeito, como no caso do congelamento da renda, apenas simbolicamente". A associação de defesa dos direitos dos inquilinos também considerou, em outubro passado, que a reforma da lei sobre as rendas apresentada pelo ministro da Habitação, Henri Kox, é "enganadora".

Os principais objetivos dessa reforma são, segundo o ministro, garantir uma melhor proteção dos inquilinos e assegurar uma maior transparência dos preços das rendas. Para isso, o limite máximo da renda anual ficará estabelecido em 3,5% do capital investido – em vez dos 5% atuais – para as casas com boa eficiência energética (A a E). Já para as habitações de baixa eficiência energética (F a I), o limite será de 3%. Para a associação de defesa dos inquilinos, em vez de limitar os preços das rendas, a reforma poderá ter o efeito contrário, porque embora reduza a renda para as construções mais recentes, a situação poderá inverter-se para as habitações com mais de dez anos.

Há muitos anos que os inquilinos têm vindo a queixar-se sobre os aumentos de renda por vezes elevados.
Ministério da Habitação

A lei prevê um novo modelo de cálculo para determinar o capital investido, tendo em conta a altura da construção ou da compra, assim como os investimentos feitos ao longo dos anos. A organização fez o cálculo e chegou à conclusão de que para uma habitação comprada em 1980 por 170 mil euros, e renovada por 50 mil em 2010, a renda pode atingir 3.900 euros com a nova reforma, enquanto com a lei atual a renda é de 1.870 euros. Por esse motivo, a Mieterschutz exige que o ministro da Habitação reveja o projeto de reforma, considerando inaceitável que os limites ultrapassem o valor das rendas atuais.

Apesar das divergências sobre o tema, a organização sem fins lucrativos e o Ministério da Habitação assinaram em dezembro um acordo, com apoio financeiro do Governo, para o projeto-piloto "Serviço de informação e ajuda aos inquilinos", daquela associação, a fim de tornar os inquilinos mais conscientes dos seus direitos e obrigações. Além disso, o ministro Henri Kox lembrou que o Estado concedeu mais de 37 mil milhões de euros em ajudas individuais diretas para habitação em 2021, destacando ajudas como "prémios de aquisição/construção", "bonificações e bonificações de juros" ou "bónus para instalações especiais".

Ler mais:Pedidos de subsídio de arrendamento subiram mais de 100%

As famílias com baixos rendimentos que não podem pagar a casa própria, mas que também têm dificuldades em encontrar casas de rendas acessíveis, são assistidas sob a forma de um Subsídio de Arrendamento: no ano passado, foi pago um montante total de 10 milhões de euros para ajudar mais de oito mil famílias. Em agosto do ano passado, os subsídios mensais aumentaram de 187 euros para 260 euros em média por agregado familiar beneficiário. O número de candidaturas para este subsídio aumentou significativamente nesse mês, em 111% (582), e novamente em setembro (714).

Em outubro do ano passado, uma luso-luxemburguesa decidiu lançar uma petição pública para baixar as rendas das casas no Luxemburgo. Catarina Rodrigues, que vive sozinha com os dois filhos numa casa perto de Esch, pedia "justiça" no mercado de arrendamento. A mulher de 37 anos paga uma renda de 1.400 euros, com um salário de 1.900. A par com a descida das rendas, defende também que sejam os proprietários a suportar os custos das agências imobiliárias e a diminuir para um mês, em vez dos atuais três, as cauções de arrendamento. A petição necessitaria de pelo menos 4.500 assinaturas para ir a debate no parlamento, mas conseguiu apenas 1.466.