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Os portugueses de Dudelange. Vítor, o fundador da rádio

São os portugueses mais conhecidos da comuna. Brilharam nas suas áreas e deixaram um legado na cidade. A Inês do café, o Vítor da rádio, o Paulo do rancho, a Lídia do Benfica e o João do Sporting.

Vítor Santos é fundador e locutor da Rádio Dudelange há 30 anos. Está reformado, mas continua a falar aos ouvintes da comuna.

Vítor Santos é fundador e locutor da Rádio Dudelange há 30 anos. Está reformado, mas continua a falar aos ouvintes da comuna. © Créditos: António Pires

Jornalista

Se a dona Inês tem a cara mais reconhecida entre a comunidade portuguesa da comuna, Vítor dos Santos tem a voz mais inconfundível. Há 30 anos que se faz ouvir através dos microfones da Rádio Dudelange, a qual ajudou a fundar. Curiosamente, Vítor e Inês estão ligados por família, porque ele é casado com a irmã dela. E pela Academia do Bacalhau, uma vez que Vítor é o presidente e o café de Inês é a sede.

Ambos deixaram a sua marca na cidade, em áreas diferentes, mas com a mesma paixão. Aos 58 anos, e apesar de estar reformado, o radialista ainda fala para os seus ouvintes. Quando deixar, não sabe o que vai acontecer à rádio, mas, por enquanto, quer continuar a entrar na casa das pessoas.

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Mesmo ali atrás do edifício da Comuna de Dudelange, aquele estúdio pode passar despercebido. Mas a rádio está no ar, Vítor vai preparando a lista das músicas. Ouve-se do fado à música popular, há “um pouco de tudo”, porque, diz o locutor, a comunidade portuguesa tanto gosta da “música pop como de rock”. “A minha política foi sempre dar a música que eles querem ouvir e de vez em quando propor outra coisa”, revela.

Está sentado com os auriculares na cabeça, em frente a dois monitores de computador e uma mesa de mistura. Vítor é um dos oito locutores voluntários ainda em ativo na Rádio Dudelange. São quatro portugueses e quatro luxemburgueses. “E já fomos 33 membros, mas com o tempo as pessoas foram deixando, tinham a sua vida profissional e casaram, deixaram de ter tempo ou tiveram outros interesses”.

Vítor é um dos resistentes. Já vive no Luxemburgo há 50 anos. Chegou de Baixa da Banheira, vila do município da Moita, com oito anos, no dia 8 de janeiro de 1973. Não esquece a data, porque se lembra bem da “neve até aos joelhos” que havia nesse dia, algo que ele nunca tinha visto. Lembra-se também da fábrica de ferro e do barulho dos comboios durante a noite, a cor do céu, com o vermelho entre as nuvens, que parecia “um filme de ficção científica”. O pai tinha vindo antes para trabalhar nos telhados, mas passado um ano foi buscar a mulher, Vítor e a irmã, três anos mais nova.

© Créditos: António Pires

Foi para a escola, mas não entendia a língua. Hoje já fala melhor o luxemburguês do que o português. Mais tarde, estudou na escola de hotelaria e, entre 48 cozinheiros, foi um dos três melhores. Trabalhou durante cinco anos na cozinha francesa. “Mas depois deixei. Ainda hoje gosto de comer e de cozinhar e lá em casa ralham comigo porque dizem que não dou a receita e não digo o que meto nos pratos”, conta, entre risos. Depois começou a trabalhar numa empresa de autocolantes, área que exerceu durante 33 anos. Pelo meio, foi conciliando a vida profissional com a paixão pela rádio, que surgiu há 35 anos.

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Na altura das rádios-piratas, foi criada uma naquela comuna, que se chamava Rádio Cultural Portuguesa de Dudelange. Foi lá que Vítor se iniciou com o microfone, sem qualquer experiência. “A rádio era a única forma que tínhamos de manter contacto com Portugal”, explica.

O dono dessa rádio teve de deixar a certo momento, então Vítor e os colegas compraram os aparelhos e passaram a fazer duas horas de rádio na cave da sua casa. “Passaram por lá muitos cantores, como Rui Veloso ou Sérgio Ferreira. Era uma rádio que ia até ao Norte do Luxemburgo, porque não havia limites na potência. De vez em quando vinha a polícia para levar os aparelhos”. Depois iam à Bélgica para comprar novo material, com o dinheiro que juntavam com os bailes que faziam.

São 30 anos disto. Parece que já fazemos parte da família e da vida das pessoas. Isso toca-nos.

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Em 1992, teve de fechar o estúdio que tinha construído atrás da sua casa. Vítor e os colegas foram à Comuna para concorrer para uma frequência oficial, propondo um projeto de uma rádio local em português e em luxemburguês. Foi assim que começou a Radio Diddeleng, ou Rádio Dudelange, em português, com a frequência 103.6.

A Comuna cedeu-lhes um espaço que antes servia como armazém para os camiões dos bombeiros e adaptaram-no para um estúdio de rádio, que continua o mesmo até hoje, apesar de ter sido modificado ao longo dos anos, com o avançar da tecnologia.

© Créditos: António Pires

A programação foi sempre dividida entre português e luxemburguês. Também há programas em francês e outro cabo-verdiano, que é feito a partir de Boston. Vítor já fez vários programas. O que tem atualmente é o “Olá domingo”, que é uma espécie de discos pedidos. “As pessoas podem ligar, mas cada vez há menos, porque já não têm aquela necessidade de telefonar para ouvir uma música. Mas algumas ainda ligam, porque querem mandar um olá”.

Tem também um programa dedicado ao fado e aos sábados faz um resumo dos espetáculos que vão decorrer no Luxemburgo, convidando algumas das associações da comuna. É uma programação multicultural, porque “hoje há rádios para todos os gostos, é completamente diferente”, justifica.

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Agora, Vítor vai fazendo rádio apenas para se entreter, porque ali o ordenado é “60 minutos à hora”, afirma, em jeito de brincadeira. O que o motiva são os ouvintes e a sua missão de lhes fazer companhia. “Hoje, quem ouve a Rádio Dudelange ao domingo, por exemplo, é porque quer estar connosco, porque tem aquela falta de conviver, de ter a rádio ligada e alguém a falar do outro lado. Há essa procura de companhia. Ao fim de 30 anos tornou-se um hábito, fazemos parte da vida das pessoas”, confidencia o radialista, que durante a emissão costuma dizer: “Obrigado por nos deixar entrar em sua casa”. “Porque é verdade. Poder partilhar com eles a hora de almoço do domingo é uma coisa que não tem explicação. É o bichinho da rádio”.

Agora que está reformado há dois anos, dedica-se à rádio, à Academia do Bacalhau, da qual é presidente, e à família. Tem uma filha de 32 anos, que também colabora na rádio, e um filho de 26. Quando pode gosta de ir a Portugal, pelo menos duas vezes por ano. Vai a Alcântara, onde tem família, à Costa da Caparica, à Quarteira, ao Porto e a Montalegre, a terra da sua mulher.

No entanto, imagina-se a ficar no Luxemburgo, por causa da família e dos amigos. E pela rádio. “Estamos a trabalhar para a modernizar, para tentar que daqui a uns anos não feche. Dudelange é uma cidade muito ativa, tem muitas associações, então uma rádio local é sempre útil. As grandes rádios são cada vez menos. Em contrapartida, as rádios locais vão ter sempre interesse se se dedicarem ao que é local”.

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