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Os portugueses de Dudelange. João, o presidente do Sporting

São os portugueses mais conhecidos da comuna. Brilharam nas suas áreas e deixaram um legado na cidade. A Inês do café, o Vítor da rádio, o Paulo do rancho, a Lídia do Benfica e o João do Sporting.

João Silva foi presidente do clube Sporting Etoile du Sud.

João Silva foi presidente do clube Sporting Etoile du Sud. © Créditos: António Pires

Jornalista

Ao contrário dos irmãos, João Silva não ficou conhecido pelo ciclismo. Na verdade, nunca gostou das bicicletas. Enquanto o Francisco, o Zé e o Acácio da Silva iam somando feitos nas corridas do Luxemburgo, França e arredores, João, que é o mais velho de sete irmãos, dedicou a vida ao trabalho e à sua paixão pelo Sporting.

Durante décadas, foi o presidente do clube de futebol Sporting Etoile du Sud, que celebrou os 45 anos, mas já não está ativo desde o fim da federação portuguesa no Grão-Ducado. Hoje, com 71 anos, está reformado, mas continua a frequentar o café que guarda algumas das taças como relíquias. É lá que gosta de recordar os bons velhos tempos.

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João deixou Montalegre a 9 de junho de 1968, com 16 anos, e chegou ao Luxemburgo no dia 12 de junho, com 17 anos celebrados pelo caminho. Viajou com os pais e os seis irmãos numa carrinha até França. De Paris para o Luxemburgo, a viagem foi uma aventura: 10 pessoas num BMW 2002, com um condutor e o pai nos lugares da frente, e a mãe com os sete filhos atrás. Mais a bagagem.

Chegaram às 5 horas da manhã e João só teve um dia para descansar. “Nessa noite, o meu pai disse-me que no dia a seguir ia trabalhar com ele na jardinagem. Estive lá seis anos a trabalhar 11 horas por dia”, recorda. Depois foi para outra empresa, onde trabalhou durante 34 anos a fazer produtos para uma fábrica de pneus. Trabalhou até aos 57 anos e reformou-se em 2008.

Pelo meio, encontrou a sua grande paixão: o Sporting. Em 1977, vários amigos juntaram-se no Café l'Etoile du Sud. Gostavam de dar uns toques na bola e tiveram a ideia de formar um clube. Como eram quase todos sportinguistas, fundaram o Sporting Etoile du Sud, no dia 1 de novembro. “Eu também gostava de jogar, mas não tinha jeito nenhum. Era só força, todos se desviavam quando eu passava”, lembra João, com uma gargalhada. Dois anos depois, o dono do café sugeriu-lhe que dirigisse o clube e ele aceitou. Foi presidente durante quase 30 anos.

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O clube está parado há cerca de 10 anos, quando a Federação das Associações Portuguesas do Luxemburgo terminou. Mas João e outros simpatizantes continuam a comemorar duas datas importantes: o aniversário, no dia 1 de novembro – no ano passado celebraram os 45 anos da fundação -, e o 1 de maio, porque nesse dia costumavam fazer um grande torneio de veteranos.

“Ainda temos algumas taças guardadas. Organizávamos um grande torneio anual e nos últimos três anos, quando os outros clubes começaram a enfraquecer, ganhamos alguns troféus”, conta o ex-dirigente, lembrando que houve uma altura em que havia 26 equipas na federação portuguesa.

Tínhamos os maiores torneios, o de veteranos e o nosso torneio anual. Eram os maiores troféus.

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Apesar do nome, o Sporting Etoile du Sud nunca esteve associado ao Sporting de Portugal. “Na altura em que nós tivemos essa ideia e estávamos a tentar preparar isso, outros clubes meteram-se à frente. Nunca chegamos a ser filial. Mas tínhamos os maiores torneios, o de veteranos e o nosso torneio anual. Eram os maiores troféus”.

Além disso, havia, tal como em Portugal, uma rivalidade com o Benfica. “Uma vez que podíamos ter sido campeões, depois de termos ganho o nosso jogo, o Benfica não apareceu no último jogo e foi desclassificado, então todos os resultados que tinham feito com eles foram anulados. A equipa que estava em segundo lugar acabou por ficar à nossa frente. Foi um campeonato desviado”, acusa João, ainda ressentido.

A mesma febre que tinha pelo futebol, não a teve pelo ciclismo, embora tenha visto três dos irmãos a correr. Primeiro foi o Francisco, que “era forte” e ganhou algumas corridas. “Na Volta ao Luxemburgo, ficou uma vez em quarto lugar. Numa das provas de subida, deixou o Bernard Hinault para trás, que no fim até disse que o Francisco era um ‘segundo [Joaquim] Agostinho’”, conta João.

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Depois foi o Zé e a seguir o Acácio. “Onde o Francisco e o Acácio fossem, ganhavam sempre alguma coisa. Os adversários perguntavam sempre antes das provas se eles iam competir”. Dos três, João acredita que Zé era o mais completo, mas depois de casar e de ter partido a clavícula numa prova, deixou o ciclismo.

Agora que já não tem o seu clube para dirigir, João tem passado o seu tempo em Dudelange, onde vive há já 55 anos. Voltar para Portugal será “difícil”, porque tem cá os irmãos e os dois filhos. “Também tenho uma neta que gosta de futebol e quer ser profissional. São dois gémeos, o rapaz diz que vai começar, mas a miúda com 13 anos já joga na seleção luxemburguesa de sub-15, como guarda-redes. É um espetáculo”, afirma, orgulhoso.

Vai a Portugal todos os anos no mês de agosto, para ver os primos e os amigos. Mas é no Luxemburgo que quer ficar. “Tenho aqui a minha casinha e os terrenos que tenho em Portugal um dia vou vender”.

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