O 25 de Abril tarda em chegar ao Luxemburgo
Este silêncio das autoridades portuguesas no Luxemburgo não poderá acontecer no próximo ano, quando a mais bela das revoluções celebrar 50 anos.
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Desde que cheguei ao Luxemburgo, impus a mim mesmo um ritual. Já que não posso estar em Lisboa para descer a Avenida da Liberdade no 25 de abril, compro um ramo de cravos vermelhos e desço a Avenue de la Liberté, na capital do Grão-Ducado. Levo o telemóvel na mão, abro o Spotify e deixo tocar uma playlist com as cantigas que embalaram essa madrugada que Portugal esperava. Tive a sorte de nascer quando o meu país era já uma democracia, mas arrepio-me sempre com a celebração do momento em que ele se tornou livre.
Antes de 1974, eu não poderia ser jornalista. Nenhum de nós poderia dizer mal dos políticos que nos governam, ou sequer reunirmo-nos em grupo para discutir ideias para o país. Havia uma polícia política que perseguia quem ousasse pensar diferente. Mas o regime fazia tudo para que ninguém sequer pensasse. As pessoas eram pobres. Aliás, eram miseráveis. Nos anos setenta, menos de metade das casas tinham água canalizada e só havia esgotos para 60 por cento da população. A taxa de analfabetismo era de 25 por cento para os homens, 31 por cento para as mulheres. Elas não podiam votar ou estudar. Eles tinham de lutar na guerra colonial.
A primeira vaga de emigrantes portugueses que chegaram ao Luxemburgo fugia da ditadura, da miséria e da guerra. Podemos lamentar que muitos sonhos de Abril tenham ficado por concretizar, podemos duvidar das motivações dos políticos que nos governam, mas o vento de liberdade que soprou em Portugal há 49 anos é um ponto de viragem radical na vida do país. Todos os indicadores mostram que a vida melhorou. Todos.
O 25 de Abril foi também um momento de uma beleza poética ímpar, com o povo a sair à rua para acompanhar a investida dos militares, e cravos a serem enfiados nos canos das espingardas, e quase nenhum sangue – não fosse a PIDE ter disparado sobre quatro populares incapazes de conter a alegria. Os portugueses deram nesse dia uma lição ao mundo e fizeram uma revolução com flores e música e poemas. Não é da esquerda nem é da direita. A liberdade é de toda a gente e para toda a gente.
E é por isso que não percebo este silêncio que há no Luxemburgo na altura de cantar “o dia inicial, inteiro e limpo”, como disse Sophia de Mello Breyner Andresen. Num país com tamanha comunidade portuguesa, seria o mínimo que a Embaixada de Portugal e o Instituto Camões impregnassem este país com o odor dos cravos. Sei que, antes de aqui chegar, houve uma associação de amigos a criar eventos para celebrar a data, mas todas as iniciativas diplomáticas são tímidas. E isso é lamentável – nada deve ser tímido quando se exalta a liberdade de falar, de ser e de sentir.
Portugal tem um novo embaixador desde o início do ano. E, compreensivelmente, talvez lhe tenha faltado tempo para trazer o espírito de Abril ao Grão-Ducado, ainda que ele seja determinante para a história desta comunidade portuguesa. O que é certo é que esse silêncio não poderá acontecer no próximo ano, quando a mais bela das revoluções celebrar 50 anos. Há já um grupo de civis a reunir-se esta terça-feira para pensar e preparar uma invasão de cravos no próximo 25 de Abril. Se falham as autoridades, venha o povo. Foi o que aconteceu há 49 anos, também. Viva a Liberdade.