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Grande Entrevista publicada na integra

Novo embaixador de Portugal diz que há redes a aliciar portugueses para emigrarem para o Luxemburgo

O novo embaixador de Portugal chegou há cinco meses ao Luxemburgo e começa agora a pôr ordem na casa e a aprofundar os dossiers. Nesta grande entrevista ao jornal CONTACTO, que agora publicamos no site, o novo embaixador revela que há gente a ganhar dinheiro à conta da emigração para o Luxemburgo.

© Créditos: Manuel Dias

O novo embaixador de Portugal chegou há cinco meses ao Luxemburgo e começa agora a pôr ordem na casa e a aprofundar os dossiers. Nesta grande entrevista ao CONTACTO, o novo embaixador revela que há gente a ganhar dinheiro à conta da emigração para o Luxemburgo, indigna-se com o reduzido número de alunos portugueses que chegam à Universidade e regozija-se com a mudança de instalações do Centro Cultural Português no Luxemburgo, que está a negociar com Lisboa. O diplomata quer melhorar a imagem de Portugal no Luxemburgo.

Carlos Pereira Marques tem 52 anos, é casado e tem um filho. A família mudou-se toda para o Luxemburgo. O Grão-Ducado é o seu primeiro posto como embaixador.

CONTACTO – Senhor embaixador, ficou surpreendido com a notícia acerca da renúncia à nacionalidade portuguesa? O Luxemburgo é o terceiro país em número de pedidos, e o primeiro entre países que aceitam a dupla nacionalidade.

Embaixador – Não acho que seja muito relevante. O senhor secretário de Estado das Comunidades já comentou isso, e bem. São números muito pouco significativos. Que de cinco mil pessoas haja 12 que peçam a anulação da nacionalidade não acho que seja relevante, e isso é uma opção do foro pessoal das pessoas. Poderá também eventualmente haver um défice de informação, e as pessoas não terem consciência de que podem manter as duas nacionalidades. Acho que é irrelevante.

CONTACTO – No caso da Noruega, percebe-se. O país não permite a dupla nacionalidade. Mas no caso do Luxemburgo?

Embaixador – Pode ser por desconhecimento.

CONTACTO – A Embaixada ou o Consulado têm algum tipo de intervenção nestes casos?

Embaixador – O pedido pode ser feito em Lisboa, ou aqui através do Consulado, mas quando o pedido é feito, as pessoas não têm que dizer porquê, é um direito que lhes assiste e podem fazê-lo. Acho sobretudo que não é relevante. São números tão baixos que não é relevante, e como lhe disse não excluo que seja por desconhecimento, por não perceberem que as duas nacionalidades podem conviver perfeitamente, e que não se é menos português por ser luxemburguês, antes pelo contrário. Acho até que a convivência entre as duas nacionalidades deve aguçar mais o sentido da nacionalidade.

CONTACTO – Não lhe parece que seja para evitar as filas no Consulado?

Embaixador – Não, neste momento não há filas no Consulado.

CONTACTO – O senhor é o primeiro embaixador a poder fazer essa afirmação nos últimos anos.

Embaixador – Não, não há, constato. Quando cheguei, essa situação já estava ultrapassada. Todos os dias às nove horas da manhã estou no Consulado e constato que não há filas. É evidente que não quero meter a foice em seara alheia, isso é matéria da competência do meu colega Rui Monteiro, cônsul-geral, mas constato com satisfação que já não existem filas. Aliás, isso seria uma situação que muito me incomodaria.

CONTACTO – Está resolvido, portanto?

Embaixador – Sim, eu sou testemunha diária. O sistema do ’callcenter’ está a funcionar bem, as pessoas vêm com marcação e são atendidas.

CONTACTO – Sabe que a situação do Consulado foi tema de conversa entre alguns ministros luxemburgueses e o Governo português, tal era a situação?

Embaixador – Acho natural.

CONTACTO – O senhor chega ao Luxemburgo numa altura em que se discute o futuro do ensino integrado no de Português. Há um grupo de trabalho de avaliação do ensino integrado. Qual é o ponto da situação? O que é que está em discussão?

Embaixador – Houve um acordo entre as autoridades de Portugal e do Luxemburgo quanto ao facto de o sistema, tal qual ele funciona neste momento, não ser bom, está longe de ser o sistema ideal. E a prova disso é que o número de inscrições no sistema integrado são muito baixas e o facto de os alunos serem inscritos no sistema integrado e depois os pais os tirarem. Manifestamente, o sistema não funciona. E os números comprovam-no. Há esse reconhecimento do lado luxemburguês e do lado português de que o sistema terá de ser alterado. O próprio facto de os alunos portugueses serem separados dos outros para terem as suas aulas de Geografia ou de História, com um professor de português, e em português, não me parece que seja uma abordagem muito positiva, porque no fundo isso só vai acentuar o sentimento de exclusão, de diferença desses alunos em relação aos outros, e por isso não nos parece que seja a abordagem mais certa. E portanto neste momento estamos numa fase prévia, há esse reconhecimento comum, e estamos a tentar fazer um levantamento para termos um retrato exacto da situação, para depois vermos qual será o novo modelo a adoptar.

CONTACTO – Qual é o modelo que prefere?

Embaixador – A nossa posição, ainda que não seja uma posição oficial, o nosso sentimento, seria que se deveria caminhar, cada vez mais, para um modelo em que o português fosse oferecido a todos os alunos, e não exclusivamente aos alunos portugueses. O português é uma grande língua, é uma das línguas mais faladas no mundo, uma mais-valia, e que não é de interesse exclusivo dos alunos portugueses. No fundo, queremos tentar evitar a ligação de que “a língua portuguesa é só para ser ensinada aos portugueses”, “a língua portuguesa é apenas do interesse dos portugueses”. Não. A língua portuguesa interessa certamente também a um aluno luxemburguês ou de qualquer outra nacionalidade.

CONTACTO – Acredita que isso possa vir a acontecer no Luxemburgo, a oferta da aprendizagem da língua portuguesa nas escolas luxemburguesas?

Embaixador – Acredito. Já há este projecto da escola europeia de Differdange que caminha nesse sentido. A escola começará em 2016, há duas linhas: uma opção francófona e outra anglófona, e depois como línguas opcionais os alunos vão ter o português ou o alemão. Nessa escola europeia de Differdange, o português já vai ser oferecido como língua estrangeira a todos os alunos, e não só aos portugueses. Isso já é um bom modelo.

CONTACTO – E pensa que esse modelo pode ser alargado à escola pública luxemburguesa?

Embaixador – Não penso...

CONTACTO – Mas desejava que isso acontecesse?

Embaixador – Desejava, claro que sim, seria obviamente muito positivo.

CONTACTO – Mas para já parece-lhe impossível?

Embaixador – Não sei se é impossível. Neste momento estamos na fase de fazer o retrato exacto da situação, para depois tirar as conclusões e ver como se poderá evoluir.

CONTACTO – Mas o ensino integrado é para acabar?

Embaixador – Não sei se é para acabar. É certamente para reformular, readaptar, e neste momento todas as possibilidades estão abertas.

CONTACTO – Sabe que este ano, em Differdange, das três escolas que habitualmente tinham essa possibilidade, o ensino integrado abriu apenas numa escola?

Embaixador – Eu sei. Daí a nossa preocupação, porque se tornou por demais evidente que o modelo está longe de ser o modelo ideal.

CONTACTO – E os encontros entre as delegações luxemburguesas e portuguesas são para continuar?

Embaixador – Nem houve muitos encontros. Houve uma reunião na qual eu participei em Dezembro, e que para mim foi muito proveitosa. Depois houve uma delegação portuguesa que veio cá. E por fim houve depois uma delegação luxemburguesa que foi a Portugal. Agora, em Março, haverá uma terceira reunião entre as delegações.

CONTACTO – E vai ser a última reunião?

Embaixador – Não, não.

CONTACTO – Está para durar?

Embaixador – Ainda a procissão vai no adro. Isto não é coisa quese faça assim... Tem de ser feita de forma séria, fundamentada.

CONTACTO – O senhor embaixador reconhece que o tema da educação põe alguma areia na engrenagem das relações entre Portugal e o Luxemburgo?

Embaixador – Não me parece que ponha areia, porque há um entendimento perfeito entre as autoridades dos dois países, mas é um tema complexo.

CONTACTO – O senhor embaixador conhece a taxa de insucesso escolar dos alunos portugueses no Luxemburgo...

Embaixador – Eu sei, e aliás não tenho deixado de o referir sempre que tenho oportunidade.

CONTACTO – O que é que diz exactamente?

Embaixador – Digo que é um percurso que tem de ser feito dos dois lados – estamos a falar da língua portuguesa e do ensino –, e eu acho que deverá haver um maior esforço do lado dos portugueses no sentido de aprenderem mais as línguas nacionais. Muitas vezes há uma certa tendência para seguir o facilitismo, porque as pessoas vivem em meios portugueses, e depois acabam por falar só português entre eles, o que faz com que depois haja uma grande percentagem dos nossos compatriotas que vivem aqui há muitos anos e não falam nenhuma das línguas nacionais. Nisso acho que devia haver um grande esforço da nossa parte para começar a falar as línguas nacionais...Acho também, e isso é reconhecido por muitos luxemburgueses com quem eu falo desde que cheguei, que há uma barreira psicológica, há algo que não funciona, que impede que os portugueses ascendam aos patamares superiores da educação, ao ensino superior, e os números não batem certo. E estamos a falar daqueles muitas vezes que já nasceram cá e tiveram uma educação como qualquer criança luxemburguesa. Porque é que os portugueses não chegam a esses patamares superiores da educação?

CONTACTO – Porquê?

Embaixador – Porque há uma barreira qualquer que impede que isso aconteça. E não sou eu que o digo. Tenho falado com muitos luxemburgueses, e eles próprios reconhecem isso. Obviamente que há também um factor a ter em consideração, e isso também acontece no nosso país, o facto de o meio social de onde vêm muitos desses alunos também influir. São meios desfavorecidos, em que não há apoio em casa, em que as crianças não são acompanhadas, e isso reflecte-se nos resultados escolares. Em Portugal isso também acontece. As famílias que têm mais dificuldades obviamente têm um insucesso escolar muito elevado. Nós sabemos que muitos dos nossos compatriotas vivem em condições muito difíceis e chegam a casa e não vão fazer os trabalhos de casa com as crianças, e depois isso reflecte-se nos resultados escolares. Isso é uma explicação, mas não é a única.

CONTACTO – E o que é que pode ser feito para que os portugueses cheguem às Universidades (a que como sabe não chegam), e para mudar o facto de também serem só encaminhados para o ensino técnico e não chegarem ao clássico?

Embaixador – Eu acho que as coisas não se resolvem se não se falar delas, e por isso eu falo desse assunto sem qualquer pejo, porque acho que é um fenómeno que é real. E portanto, se nós começarmos a falar dele, talvez o consigamos ultrapassar. Já falei com muitos luxemburgueses que têm consciência disso. Isso é uma barreira psicológica, que impede no fundo… O que pode por vezes suceder é que há a noção de que este menino é filho de um pedreiro português, portanto...

CONTACTO – Vai ser pedreiro, é isso? Há um estudo feito aqui no Luxemburgo que mostra que por exemplo os filhos dos italianos descolaram completamente das profissões que os pais tinham, mas os filhos dos portugueses não descolam. Os portugueses filhos de pedreiros continuam a ser filhos de pedreiros.

Embaixador – Há uma certa barreira psicológica que tem de ser ultrapassada.

CONTACTO – Preconceito? O que é que chama a essa barreira psicológica?

Embaixador – Eu não gosto muito de fazer juízos de valor...

CONTACTO – Mas o senhor embaixador já utilizou duas ou três vezes a palavra barreira psicológica.

Embaixador – Que ela existe, existe. As coisas só evoluem se falarem delas, se as pessoas procurarem ultrapassar esses obstáculos, mas como eu lhe disse, não são só as condições sociais, em muitos casos mais desfavoráveis, que justificam o insucesso escolar.

CONTACTO – E ainda voltando à língua portuguesa: é difícil defender a língua portuguesa e ensinar português a miúdos que vivem aqui, quando o governo português tem uma propina de 100 euros para quem quer transmitir a língua aos seus filhos.

Embaixador – Está a falar do ensino paralelo.

CONTACTO – Sim. É aceitável essa quantia?

Embaixador – Não, não acho que seja essa a barreira. Se houver vontade isso é ultrapassável. Não me parece que seja esse o motivo. Se houver uma vontade real de aprender o português, e eu acho que é um investimento muito importante, não me parece que seja o factor pecuniário que impedirá essas crianças de aprender o português.

CONTACTO – Como o senhor embaixador acabou de dizer, muitas dessas crianças vêm de meios sociais desfavoráveis...

Embaixador – O que nem sempre se traduz na falta de dinheiro.

CONTACTO – Deixemos a educação e a língua, e falemos do desemprego dos portugueses. O Luxemburgo nunca teve uma taxa tão elevada de desemprego, os portugueses são uma grande parte dos desempregados no país, e ainda assim continuam a chegar portugueses ao Grão-Ducado. Está preocupado com esta situação?

Embaixador – Aqui há também uma consonância entre autoridades portuguesas e luxemburguesas. As preocupações são comuns. Nos contactos que tenho tido com as autoridades luxemburguesas, isso tem sido referido como uma preocupação. Aí é sobretudo um trabalho de sensibilização, porque obviamente não podemos impedir as pessoas de vir, graças à livre circulação no espaço europeu, mas devem fazê-lo com um mínimo de responsabilidade, e não virem na convicção ou na ilusão de que chegam aqui e facilmente encontram trabalho, porque a situação é muito diferente de há uns anos. E se as taxas de desemprego são apesar de tudo inferiores às de Portugal... No encontro que tive com o primeiro-ministro Bettel ele dizia-me que infelizmente o Luxemburgo já não é o “eldorado” de outros tempos. E não é. Há uns anos os portugueses chegavam à estação e tinham pessoas à espera deles a oferecerem-lhes contratos de trabalho. Hoje em dia não é assim. Aquilo que nós podemos fazer é sensibilizar as pessoas no sentido de não partirem à aventura, de não virem antes de terem um contrato de trabalho seguro. Como eu dizia no outro dia, se as pessoas não vão para o Brasil, ou para Angola ou Moçambique, sem terem um contrato de trabalho, o mesmo devia acontecer em países como o Luxemburgo. Bem sei que é mais fácil chegar ao Luxemburgo do que a Angola ou ao Brasil ou ao México, mas no fundo, esse sentido de responsabilização deveria ser igual.

CONTACTO – Numa altura em que um terço dos desempregados são portugueses.

Embaixador – É uma situação que obviamente nos preocupa. Um terço dos desempregados do Luxemburgo são portugueses, e é preocupante. Temos que evitar que as pessoas partam, de uma forma inconsciente, sem saber ao que vão, e muitas vezes partem com as famílias. Temos relatos de que já existirão algumas redes que aliciam as pessoas para virem com contratos de trabalho que depois não se concretizam. Tudo isso é motivo de preocupação.

CONTACTO – Está a falar de redes que trazem pessoas em troca de dinheiro?

Embaixador – Sim. Aparentemente começa a haver. Como sempre acontece nestas situações, contactam os nossos compatriotas que estão em Portugal e induzem-nos em erro, dizendo que têm já um trabalho assegurado, e depois chegam aqui e não têm nada.

CONTACTO – Tudo a troco de dinheiro?

Embaixador – Claro.

CONTACTO – Mas isso que está a contar parte de um conhecimento factual ou é apenas de ouvir dizer?

Embaixador – A informação que nós temos é que sim, que estas situações ocorrem. Não sei referir números, mas sei que sim.

CONTACTO – Como classifica as relações entre Portugal e o Luxemburgo?

Embaixador – Excelentes. E a prova é que o primeiro-ministro Bettel, pouco depois de tomar posse, uma das primeiras visitas que realizou foi a Portugal, em Março do ano passado, e agora em Outubro esteve cá o senhor primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Tem havido várias viagens nos dois sentidos. Há um diálogo com total abertura e transparência com as autoridades luxemburguesas. Eu, como embaixador, que estou cá há apenas cinco meses, já estive com um número significativo de membros do governo e com o primeiro-ministro.

CONTACTO – Porque está num país em que 20 por cento da população fala português...

Embaixador – Sim, mas, e isso surpreende-me, desde que cheguei que tenho notado uma grande abertura e um grande interesse em relação ao nosso país. Basta ver os jornais. Há todos os dias notícias de Portugal. Do ponto de vista cultural foi uma surpresa total ver que há manifestações portuguesas de enorme qualidade organizadas pelos luxemburgueses, que não são coisas nossas. Eu até me sinto um pouco ultrapassado. Quando nós vemos a Philharmonie, que é uma sala com padrões de qualidade altíssimos, ter regularmente artistas portugueses – teve a Luísa Sobral pouco tempo depois de eu ter chegado, vai agora em Maio ter a Cristina Branco, a Marisa, a Maria João Pires... Têm recorrentemente na sua programação artistas portugueses. O mesmo acontece no MUDAM, que é um bom museu em qualquer parte do mundo, e que acolhe uma exposição do Rui Moreira. É um facto que há uma apetência por tudo o que é português e por manifestações de elevada qualidade, o que para mim é muito gratificante.

CONTACTO – E que o ultrapassam, como acabou de dizer?

Embaixador – Para quem acaba de chegar, sim, ultrapassa, mas não quer dizer que eu não tencione fazer coisas nesse campo, porque tenciono, e porque acho que é muito importante. É um campo essencial para mudar a percepção e a imagem que as pessoas têm de Portugal. O primeiro passo que vamos tomar nesse sentido, e eu acho que se impunha, e em princípio a coisa está bem encaminhada, é mudar as instalações do Centro Cultural Português. Em princípio já tivemos concordância da parte de Lisboa, e em princípio isso vai acontecer.

CONTACTO – E quem vai pagar a renda do novo Centro Cultural Português? O governo luxemburguês?

Embaixador – Mantém-se o mesmo sistema. Neste momento os encargos são partilhados. O sistema vai manter-se, mas vamos para outro local, mais acessível, um local virado para o exterior, com outra imagem, uma coisa com uma visibilidade maior.

CONTACTO – E já há localização?

Embaixador – Sim.

CONTACTO – Onde?

Embaixador – É num bairro novo, em Belair, nas antigas instalações da Luxlait, perto do Conservatório. É um sítio central, de espaço aberto, de construção nova, mais virado para o público luxemburguês.

CONTACTO – E para quando é que está prevista a mudança?

Embaixador – O ideal seria fazer a mudança até ao Verão. Vamos ver se é possível. Isto é um primeiro passo, depois gostaria de ter uma programação mais virada para o público luxemburguês e deixar de ter uma programação centrada na comunidade portuguesa e nos portugueses...

CONTACTO – A actual programação do centro cultural português é muito pobre.

Embaixador – Sim. Eu acho que é preciso...

CONTACTO – Mas também é impossível fazer omeletes sem ovos. Não havendo dinheiro...

Embaixador – Sim, o dinheiro conta, mas é sempre possível fazer alguma coisa, e acho que o primeiro passo era mudar o local, para depois apostar na qualidade. O espaço é muito importante, mas o critério tem de ser a qualidade. Obviamente que não podemos limitar a nossa acção cultural externa ao Centro Cultural, porque há inúmeras coisas que se podem fazer com outras instituições luxemburguesas. Com museus – há este projecto magnífico entre o Museu de Arte Antiga em Lisboa e o Museu de História de Arte do Luxemburgo, e vamos ter em 2016 uma mega-exposição do Museu de Arte Antiga [sobre os Descobrimentos] e explorar hipóteses de colaboração com outras entidades. A cultura ajuda, certamente, a mudar a imagem de Portugal, porque as pessoas têm ideia do Portugal tradicional, antigo.

CONTACTO – É isso que tem constatado? É essa a ideia que o Luxemburgo tem de Portugal?

Embaixador – Ainda, mas isso é em todo o lado. Há sempre aquela imagética ligada a Portugal, os azulejos, os quadros com a chegada do Vasco da Gama à Índia...O passado de um país é importante, fundamental, mas nós não vivemos de passado. O passado é importante, temos as nossas referências, a nossa história, de que muito nos orgulhamos, mas não vivemos disso. A nossa aposta é no presente e no futuro.

Outro sector que me causou algum espanto, pela negativa, é o facto de haver poucos luxemburgueses a passar férias em Portugal. Quem vai passar férias a Portugal são os portugueses que vivem aqui.

CONTACTO – E como pretende alterar a situação?

Embaixador – Os luxemburgueses vão a Espanha... Eu fui à feira Vakanz, andei a ver todos os circuitos da Europa, e Portugal não fazia parte. Havia umas banquinhas da Luxair que tinham alguma publicidade a Portugal, mas mais nada.

CONTACTO – Porque o mercado luxemburguês não é fundamental para o Turismo de Portugal. Há alguns anos, o delegado do Turismo de Portugal em Bruxelas disse ao CONTACTO, a propósito da ausência de Portugal deste salão, que o mercado do Luxemburgo não era uma prioridade para Portugal.

Embaixador – O mercado luxemburguês pode ser muito pequeno, mas é um mercado com muito poder de compra. Ter uma representação na Vakanz, e eu dei-me ao trabalho de saber quanto custa um stand e tudo, é irrisório. O stand de Espanha tinha 5 m2, cheio de folhetos, e estava cheio de gente. Penso que o país não ia à ruína se tivéssemos um stand idêntico.

CONTACTO – Está portanto apostado em mudar a imagem de Portugal no Luxemburgo?

Embaixador – Certamente. Mudar não, melhorar. Isto porque a imagem não é má, porque com tudo isto que se está a passar, não é má, é uma boa imagem, mas penso que é sempre possível melhorar.

CONTACTO – E no campo económico? O que é que Portugal pode ainda exportar para o Luxemburgo?

Embaixador – Em termos económicos há sobretudo que diversificar. As nossas exportações estão muito ligadas ao mercado da saudade, à parte alimentar, os vinhos, e temos aí uma série de domínios novos que são do interesse do Luxemburgo e que temos todo o interesse em alargar. Temos planeadas algumas missões cá.

CONTACTO – Quando?

Embaixador- Temos organizadas duas missões económicas de empresários portugueses cá, uma em Março e outra em Abril, e depois em Junho uma coisa mais sectorial, uma missão de arquitectos luxemburgueses a Portugal na área da construção. Na vertente económica podemos fazer mais, sobretudo diversificar, apostar nas novas tecnologias, nas energias renováveis, onde temos grande experiência, no turismo – há uma série de novas áreas que se poderão explorar.

CONTACTO – O referendo de 7 de Junho sobre o direito de voto dos estrangeiros nas legislativas está aí a chegar. Acha que o sim vai ganhar?

Embaixador – Acho que é uma oportunidade muito importante, sobretudo para os estrangeiros em geral, e para os portugueses que aqui se encontram, e é um passo da parte do governo luxemburguês, embora a aprovação do referendo seja do Parlamento, mas penso que é um passo muito importante e que abre muitas portas. O referendo deve ser um motivo de satisfação para todos os portugueses que aqui residem. No fundo, os portugueses que vivem cá passam a ter duas opções, ou duas portas para se integrarem de forma plena: a nacionalidade, para aqueles que optam pela dupla nacionalidade, e que desde 2008 se tornou mais fácil, e tudo leva a crer que haverá ainda uma maior flexibilização da lei da nacionalidade; e a possibilidade, se a resposta do referendo for positiva, de passarem a votar nas eleições, e isso é uma oportunidade de ouro. Vai ser algo que se conquista, porque como sabe não é um direito automático. Se o referendo passar, para os estrangeiros votarem têm de residir há pelos menos dez anos e já terem votado nas eleições autárquicas ou europeias. Se a resposta do referendo for positiva, isso vai ser excepcional. É certo também que a presença de portugueses neste país é excepcional, por ser muito significativa. Que eu saiba há apenas dois países no mundo onde os estrangeiros podem votar, no Uruguai e na Austrália. Se isso avançar, é algo de muito positivo.

CONTACTO – Segundo as contas do CONTACTO, apenas vinte por cento da comunidade portuguesa no país preenche uma das condições para poder votar nas legislativas, ter votado em eleições anteriores.

Embaixador – Sim, eu li. O nosso interesse é que haja uma maior integração dos portugueses. Eu não gosto que se fale em comunidade portuguesa. Os portugueses que aqui vivem são residentes no Luxemburgo, são de nacionalidade portuguesa; a ideia de haver um nicho, uma entidade à parte chamada “comunidade portuguesa”, não faz sentido. Aliás, é nesse sentido que aponta esta proposta do referendo. O Luxemburgo gostará que no futuro toda a população participe activamente nos destinos do país, sendo que neste momento 30 a 40% da população activa do país não participa. Porquê? Porque não é luxemburguesa.

CONTACTO – Está cá há quase cinco meses. Qual tem sido a sua experiência no contacto com as múltiplas associações e com os portugueses?

Embaixador- Boa, claro. Para mim é sempre muito gratificante estar num país onde há uma comunidade portuguesa importante, é sempre muito bom, e portanto só posso manifestar a minha satisfação.

CONTACTO – E com as associações?

Embaixador – Já conheço algumas. Sempre que sou solicitado vou, mas longe de mim impor a minha presença às associações. Quando me convidam, vou com o maior gosto.

CONTACTO – É o seu primeiro posto como embaixador. Sente que tem energia suficiente para acompanhar o ritmo de uma comunidade tão activa?

Embaixador – Claro....

CONTACTO – O Luxemburgo não é um posto para descansar?

Embaixador – Mas eu não gosto de postos para descansar...

CONTACTO – Em Marrocos talvez se descanse mais...

Embaixador- Huummm... Não, não. Não há dois postos iguais, cada posto tem a sua....

CONTACTO – Mas o Luxemburgo não é para descansar?

Embaixador – Mas não foi para descansar que eu vim para cá [risos]. Não sou pessoa para descansar, antes pelo contrário. Não foi para isso que eu vim para cá, para a reforma, não.

(A entrevista que agora publicamos na integra saiu ontem, quarta-feira, 4 de Março, no jornal CONTACTO).