Não tem morada e pode perder o teto se pensão ilegal em Junglinster for encerrada
A portuguesa Indira Mota é uma das inquilinas de uma residência com vários estúdios que não cumpre os requisitos legais de habitabilidade. Por esse motivo, não consegue inscrever a sua morada na Comuna e tem de usar um endereço fictício. A assistência social e o município já estão a acompanhar o caso e lançaram um ultimato. Se a proprietária não resolver a situação até ao Verão, a pensão será encerrada e todos os moradores serão despejados.
A luso-cabo-verdiana Indira Mota, de 28 anos, nunca teve uma morada oficial desde que chegou ao Luxemburgo. Agora, pode vir a perder o seu teto. © Créditos: António Pires
Desde que chegou ao Luxemburgo, há quatro anos, Indira Mota nunca teve uma morada. Pelo menos oficial. Ou seja, esteve sempre registada com um endereço que não era o seu, numa comuna em que não residia. Primeiro viveu num quarto, numa casa partilhada com outras pessoas em Beggen, na capital. Sem possibilidade de se registar na Comuna com aquele endereço. Depois, em 2021, mudou-se para um estúdio em Junglinster. Até hoje, continua sem poder registar a sua morada naquele município. Em vez disso, tem um endereço fictício na capital. Viu-se no meio de um jogo de aproveitamentos e artimanhas na injusta luta do alojamento no Grão-Ducado. E decidiu denunciá-lo.
Indira nasceu na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, há 28 anos. Aos 14, mudou-se para Portugal, para ir ter com a mãe, e ficou com a nacionalidade portuguesa. Há cinco anos, emigrou para a Bélgica e, um ano depois, mudou-se para o Luxemburgo. Quando chegou, arranjou um quarto em Beggen, mas a casa era partilhada e “havia uma rapariga que estava sempre a arranjar confusão”, recorda. Por isso, decidiu procurar uma nova habitação. “Uma amiga disse-me que conhecia uma mulher portuguesa de uma agência que podia arranjar-me casa. Liguei-lhe e expliquei que precisava de um lugar para morar com uma renda de 1.000 a 1.200 euros. Era o máximo que podia pagar por um estúdio”.
Indira Mora é natural da ilha de São Vicente, Cabo Verde. Foi viver para Portugal aos 14 anos e também tem nacionalidade portuguesa. © Créditos: António Pires
Indira nasceu na ilha de São Vicente, em Cabo Verde, há 28 anos. Aos 14, mudou-se para Portugal, para ir ter com a mãe, e ficou com a nacionalidade portuguesa. Há cinco anos, emigrou para a Bélgica e, um ano depois, mudou-se para o Luxemburgo. Quando chegou, arranjou um quarto em Beggen, mas a casa era partilhada e “havia uma rapariga que estava sempre a arranjar confusão”, recorda. Por isso, decidiu procurar uma nova habitação. “Uma amiga disse-me que conhecia uma mulher portuguesa de uma agência que podia arranjar-me casa. Liguei-lhe e expliquei que precisava de um lugar para morar com uma renda de 1.000 a 1.200 euros. Era o máximo que podia pagar por um estúdio”.
Passados uns dias, a mulher ligou de volta e disse que tinha um estúdio em Junglinster por 1.000 euros. Indira perguntou-lhe se seria com registo de morada, a agente imobiliária respondeu que sim. A cabo-verdiana não hesitou. Entrou no estúdio no dia 5 de agosto de 2021. Antes teve de pagar quatro mil euros, três mil – correspondentes à primeira renda e dois meses de depósito – para a proprietária, que é dona de um restaurante asiático no rés-do-chão do mesmo edifício, e mil para a agência. Mas sem qualquer comprovativo. “A mulher da agência disse-me que se quisesse fatura tinha de pagar mais. Eu disse que não, porque já quase não tinha dinheiro”, conta.
A grande preocupação de Indira continuava a ser, no entanto, a falta do registo de morada. Uns dias depois de entrar no estúdio, voltou a mandar mensagem à mulher da agência a perguntar se já podia ir à Comuna para se registar. A agente respondeu que “havia um problema”, mas que seria resolvido até outubro. Nunca chegou a explicar qual era o problema. “Perguntei como é que fazia com a questão da morada e ela disse que me arranjava um endereço provisório na capital. Nunca soube de quem era a morada”, explica a inquilina. Em dezembro, a situação ainda não estava resolvida. “Voltei a mandar mensagem e ela respondeu que tinha de tratar de uma saída de emergência no edifício para que este pudesse ser considerado apto para habitação”.
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Aquele edifício tem, segundo Indira, 19 estúdios a arrendar. São mobiliados e, em alguns casos, servem de apartamentos para casais ou mesmo famílias com crianças. A portuguesa não sabe ao certo quantas pessoas lá vivem, mas estima que sejam mais de 30. No entanto, o edifício não cumpre todos os requisitos necessários para que seja considerado apto para fins residenciais, de acordo com a lei grã-ducal de 20 de dezembro de 2019. Por esse motivo, nenhum dos moradores pode estar registado na Comuna de Junglinster. O município já está a par da situação, assim como a assistência social. A proprietária foi notificada para que o imóvel reúna as condições legais, caso contrário a Comuna teria de intervir e o edifício poderia ser encerrado.
Burgomestre toma a decisão
O que diz a lei, exatamente? O documento de 2019 define o cumprimento mínimo de alguns critérios para arrendamento, tais como de saúde e higiene, que incluem requisitos relativos à superfície, humidade, ventilação, a nocividade das paredes e do ar e a saúde geral dos moradores; de segurança, prevendo o acesso, estabilidade, eletricidade, aquecimento, gás e prevenção de incêndios; e de habitabilidade, incluindo requisitos relacionados com a altura dos quartos de uma habitação ou divisão e com as instalações básicas que devem ter. Por exemplo, a superfície de um quarto não pode ser inferior a nove metros quadrados por ocupante.
Moradores também se queixam da falta de privacidade, devido às câmaras de vigilância instaladas fora e dentro do edifício. © Créditos: António Pires
O que diz a lei, exatamente? O documento de 2019 define o cumprimento mínimo de alguns critérios para arrendamento, tais como de saúde e higiene, que incluem requisitos relativos à superfície, humidade, ventilação, a nocividade das paredes e do ar e a saúde geral dos moradores; de segurança, prevendo o acesso, estabilidade, eletricidade, aquecimento, gás e prevenção de incêndios; e de habitabilidade, incluindo requisitos relacionados com a altura dos quartos de uma habitação ou divisão e com as instalações básicas que devem ter. Por exemplo, a superfície de um quarto não pode ser inferior a nove metros quadrados por ocupante.
A lei prevê ainda que qualquer proprietário que arrende um ou mais quartos é obrigado a declará-los previamente ao burgomestre da comuna, indicando o número máximo de pessoas que aí podem ser alojadas e anexando uma planta das instalações. O burgomestre tem o direito de inspecionar o alojamento e verificar o cumprimento dos critérios. No caso de estes não serem cumpridos pelo proprietário, o autarca pode ordenar a regularização do imóvel num prazo determinado por ele próprio ou, em último caso, mandar encerrar o edifício. Em caso de encerramento, cabe ao proprietário providenciar o realojamento dos moradores durante um período máximo de três meses. As violações são puníveis com uma multa de 251 a 125 mil euros e/ou com uma pena de prisão de oito dias a cinco anos.
Neste momento, Indira não sabe o que vai acontecer. A mulher da agência disse-lhe para “não se preocupar”, porque poderia manter o endereço provisório na capital “até ficar tudo resolvido”. Mas até hoje continua tudo igual. “Só me disseram que era preciso fazer uma saída de emergência, mas até agora nada. Já estou naquela casa há mais de um ano e ainda não vi obras”, afirma. A portuguesa de 28 anos trabalha como empregada de limpeza com dois part-times, quatro horas de manhã numa creche em Junglinster e outras quatro à tarde numa creche perto do aeroporto. À logística já complicada do dia a dia, junta-se o problema da correspondência. “Às vezes preciso de ir buscar umas cartas à morada que tenho na capital, mas a mulher da agência não me deixa. Então tenho de pagar 25 euros para o desvio”.
Fiquei assustada, porque não sei para onde ir. Já estou a poupar para ter um dinheiro extra e poder pagar outra casa.
A questão da morada era a única preocupação de Indira até que um dia um outro inquilino, também português, lhe disse que o edifício poderia ser encerrado em breve. “Fiquei assustada, porque não sei para onde ir. Ele disse-me para ir falar com uma assistente social”, recorda. A jovem contactou Annick Neven, do Gabinete Social de Centrest – que inclui as comunas de Betzdorf, Junglinster e Niederanven – que lhe explicou a situação. A proprietária já tinha recebido um primeiro aviso para regularizar o imóvel durante seis meses e, como não cumpriu, tem agora uma segunda notificação, também de seis meses, “até junho ou julho”. “Se até lá a proprietária não resolver a situação, vão fechar o edifício”, prevê a inquilina.
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Questionada pelo Contacto, a assistente social Annick Neven confirmou que “existem irregularidades relativas ao edifício em Junglinster” e que tanto a proprietária como a “agência imobiliária” estão “bem cientes do pedido para que o imóvel seja posto em conformidade ordenado pela Comuna”. O Gabinete Social de Centrest, em consulta com o município, relatou a situação ao Ministério Público do Luxemburgo “em várias ocasiões”, acrescenta. Entretanto, os inquilinos que contactaram a assistência social foram encaminhados para a Mieterschutz, a associação de defesa dos inquilinos do Luxemburgo, “a fim de poderem contar com um apoio adequado na sua situação habitacional”.
Situação idêntica em Schifflange
Em relação ao número total de moradores no edifício, a assistente social não pôde precisar, uma vez que há inquilinos sem endereço legal que não são conhecidos da Comuna e o Gabinete Social também não está em contacto com todas as pessoas que vivem naquele endereço. “Transmiti a mensagem através de alguns inquilinos aos seus vizinhos de que deveriam contactar a assistência social, mas não creio que todos estivessem informados”, explicou Neven. Os moradores ainda não sabem a data exata em que o encerramento poderá ocorrer, mas foi-lhes dito que nesse dia estariam presentes o burgomestre, a polícia e os bombeiros. O Contacto também questionou a Comuna de Junglinster sobre o assunto, mas não obteve uma resposta em tempo útil.
A proprietária do edifício, bem como a 'agência imobiliária', estão bem cientes do pedido para que o imóvel seja posto em conformidade.
Este tipo de situações com pensões ilegais não é inédito. Algo semelhante aconteceu em julho do ano passado na comuna de Schifflange. Um edifício em que viviam seis agregados familiares, com um total de 13 pessoas, em condições ilegais e altamente exploratórias, foi encerrado pelo município porque também não cumpria nenhum dos requisitos para que fosse considerado apto para fins residenciais. Os inquilinos, que estavam registados noutras comunas, foram então realojados temporariamente durante um máximo de três meses até que encontrassem uma nova habitação. A Comuna disse aos moradores que não tinham de se preocupar com caução nem taxas de agência e só teriam de pagar a renda da nova casa.
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Apesar da possibilidade de vir a ficar sem o seu estúdio em breve, Indira não pensa em mudar-se para já. Prefere esperar para ver o que vai acontecer. “Já estou a começar a poupar para ter um dinheiro extra até junho e poder pagar outra casa. Para sair antes, tenho de dar um pré-aviso de três meses, com uma carta”, explica. Se saísse antes do fim dos três meses, teria de pagar as restantes rendas ou encontrar alguém para a substituir, caso contrário a proprietária fica com a caução. “Então para não perder os 2.000 euros prefiro ficar até ao fim, com o meu dinheiro e os meus planos”.
Entretanto, a portuguesa tem sido acompanhada pela assistência social e vai ajudando os vizinhos a informar-se sobre a situação. “Uma mulher que também vive no edifício com o marido nem sabia o que se estava a passar e quando lhe contei ficou um pouco assustada. Disse-lhe para contactar a assistente social para se informar”, conta Indira. Outra vizinha, que também já se tinha queixado de problemas de humidade e bolor em casa, pediu ajuda à assistência social e arranjaram-lhe uma nova casa na mesma rua. “Vai mudar-se já no dia 1 de fevereiro, com as crianças. Agora está melhor porque já pode ter morada em Junglinster. Antes tinha um endereço fictício na capital e precisava de acordar muito cedo, de madrugada, para ir levar os miúdos à escola e depois ir trabalhar”.