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Manifestação. "É suposto fazermos as casas, mas não conseguimos ter casa"

Centenas de manifestantes "invadiram", este sábado , as ruas do comércio de luxo e uma das zonas de maior investimento imobiliário da capital para dizer que não se constroem casas para a maioria da população que trabalha no Luxemburgo.

Nuno Ramos De Almeida

Os testemunhos das pessoas que participaram na manifestação nacional "O teto é um direito". Sobre um problema que toda a gente sabe que existe, mas que pouco foi feito para o resolver no Luxemburgo.

A manifestação atravessa o centro da capital

A manifestação atravessa o centro da capital © Créditos: Rui Oliveira

A manifestação nacional pela habitação passou pela o centro da cidade do Luxemburgo nas zonas nobres do comércio onde se concentram as lojas de luxo, com a curiosidade de alguns passeantes e a quase indiferença das pessoas que faziam fila para entrar em lojas griffe como a Louis Vuitton, em que os produtos vendidos poderiam pagar as rendas de algumas casas.

© Créditos: Rui Oliveira

Eram algumas centenas de pessoas que responderam ao apelo de dezenas de organizações para uma manifestação nacional para contestar a situação que se vive em termos de habitação no Grão-Ducado. A marcha começou em Glacis e seguiu pelos passeios, para não incomodar o trânsito, até à praça junto ao edifício dos correios em Hamilius.

Chegados a esta zona, onde vários prédios foram construídos recentemente, albergando comércio, empresas e habitação de luxo, os manifestantes escutaram várias intervenções. Tomaram a palavra membros das organizações promotoras, pessoas que deram o testemunho dos seus problemas de habitação e até a presidente de uma comuna de França, perto da fronteira do Luxemburgo. Durante a manifestação fomos falando com alguns dos participantes.

A sindicalista preocupada.

A sindicalista preocupada. © Créditos: Rui Oliveira

Dioh Anne Marie é sindicalista e trabalha no aeroporto. Está aqui porque milita na OGBL, mas está preocupada com a questão da habitação. “Eu habito em Howald, aí uma habitação com dois quartos custa mais de 2.000 euros por mês de aluguer. O preço da habitação é incomportável. As pessoas que têm salário mínimo e muita gente que trabalha não conseguem viver no Luxemburgo”, defende. Acha que é um problema que os governos pouco fizeram, mas pensa que é urgente haver medidas por parte do executivo de modo “a que não se deixa aos proprietários a determinação total dos preços”. “Gastar mais de 40% do rendimento em habitação é incomportável. Queremos uma vida decente e não se pode aceitar esta situação”.

O estudante que receia não conseguir arranjar casa no futuro.

O estudante que receia não conseguir arranjar casa no futuro. © Créditos: Rui Oliveira

Alex Rego é lusodescendente, estuda informática no liceu. Vive em casa dos pais e resolveu vir à manifestação devido à sua militância no déi Lénk, mas também porque vê o seu futuro ameaçado: “Quero um dia sair de casa dos meus pais e poder ter uma casa minha. Tal como isto está, parece-me muito difícil”. Para ele, o Governo tem de intervir no mercado de habitação para estabelecer limites à especulação imobiliária, ordenar valores máximos para as rendas e aumentar a oferta de habitação, para conseguir que as pessoas possam ter casa a preços controlados.

A reformada que é voluntária numa organização que ajuda os imigrantes

A reformada que é voluntária numa organização que ajuda os imigrantes © Créditos: Rui Oliveira

Francine Bixhain é reformada. Voluntária numa associação que presta apoio a estrangeiros e refugiados no norte do Luxemburgo, vem à manifestação porque a situação é para ela intolerável. “As pessoas não conseguem aceder à habitação”. O problema manifesta-se de uma forma mais dramática em relação aos imigrantes: “É muito bonito acolher as pessoas no nosso país, mas é preciso que tenham condições de vida digna, a habitação deve ser um direito. Não se pode viver decentemente sem isso”. Se nada for feito, Francine vê o problema alastrar-se. “Não são só os imigrantes que têm cada vez mais dificuldade em viver aqui, os artistas com rendimentos intermitentes, os jovens em início de carreira e até os reformados, como eu, têm cada vez mais dificuldades em conseguir viver no país”, garante.

Jean-Michel Campanella

Jean-Michel Campanella © Créditos: Rui Oliveira

O caminho da manifestação é curto. A praça escolhida foi uma das zonas da capital submetida a uma enorme e lucrativa operação imobiliária. Um sítio simbólico para as intervenções que criticam o atual estado de coisas em termos de habitação no Grão-Ducado. A primeira intervenção é de Jean-Michel Campanella, da organização Mieterschult, que inventaria a urgência em resolver a questão. “O problema da habitação agravou-se tanto que passou a ser de toda a gente”. Segundo o orador, a situação atingiu um descalabro tal, que já há proprietários com desplante de fazer contratos mensais. “Quais são as perspectivas de vida que uma pessoa que tem contratos a um mês?”, lança. “Os preços dos alugueres aumentam, mas os salários não acompanham”. A situação existente está a aumentar a pobreza de uma forma exponencial.

O orador anuncia que nas intervenções seguintes várias pessoas dariam o seu testemunho de situações anormais que se tornaram o novo normal do Luxemburgo moderno, em que a riqueza dos proprietários se junta à situação cada vez mais difícil para a maioria dos residentes. No entanto, Campanella garante que esta luta em que a manifestação se insere, “não é uma luta contra os proprietários, é uma luta de todos”. Conclui: “estamos fartos que quando tentamos conseguir casa, nos digam para ir para Thionville”, e outras localidades fora do Luxemburgo, “afirmando que algumas dessas terras são bem bonitas. São bonitas, mas não são na nossa terra, queremos ter a liberdade de lá ir quando quisermos e viver na nosso país”.

A ida das pessoas para França, Bélgica e Alemanha não se faz sem problemas. A presidente da comuna francesa de Auden-Le-Tiche, Viviane Fattorelli, realçou os problemas que esse êxodo cria nas zonas fronteiriças do Luxemburgo. Fazendo subir o preços das casas, tornando quase impossível para os residentes dessas terras que não ganham ordenados luxemburgueses conseguir acesso a habitação nessas zonas. Aumentando problemas de estacionamento, ordenamento urbano e até de segurança. E lembrou que nas próximas décadas a população transfronteiriça pode duplicar. A autarca apelou para que haja uma intervenção urgente a nível da grande região e do Luxemburgo para poder começar a resolver o problema.

Yara Fortes

Yara Fortes © Créditos: Rui Oliveira

A jovem Yara Fortes foi uma das pessoas que deu o testemunho da sua situação na tribuna. O proprietário resolveu “reabilitar” o edifício em que vivem várias famílias e em que ela habita com o marido e destinar o prédio para "habitação de luxo". Deram-lhe menos de três meses para sair de casa. Mas não consegue arranjar habitação. Teve um acidente de trabalho e o marido trabalha nas obras, mas sem um contrato sem termo. “Como não temos contratos permanentes não conseguimos alugar casa. Estamos no meio de uma crise económica e social mas o proprietário quer despejar os inquilinos, alguns com filhos pequenos”. Yara aponta para um prédio de luxo de habitação na praça em que parou a manifestação e diz, de dedo em riste, em forma de acusação: “o meu marido ajudou a construir aquele prédio. É suposto que ele possa fazer casas, mas não é suposto que ele possa ter uma casa. Estamos num país em que quem trabalha não tem direito a uma casa nem a uma vida digna”.

A manifestação acabou junto aos correios.

A manifestação acabou junto aos correios. © Créditos: Rui Oliveira