Liz, filha de Felix Braz, entra na política
É candidata às autárquicas em Esch-sur-Alzette. Liz Braz tem um plano para homenagear os portugueses.
Liz e Felix Braz na casa da família em Esch. © Créditos: Foto. Gerry Huberty
O dia fez-se frio depois do almoço, mas Liz Braz chega afogueada ao pátio da escola do Brill, em Esch-sur-Alzette. É um daqueles lugares que toda a gente reconhece na cidade – tenha ou não estudado ali. “Dou aqui aulas alguns dias por semana e é uma coisa que gosto bastante de fazer.”, explica enquanto vai avançando pelo recreio. Apesar de ser jurista, de ter terminado o mestrado e de estar agora a preparar-se para os exames dos cursos complementares de Direito do Luxemburgo, há um par de anos que dá aulas de substituição a alunos do ensino primário. “A educação é um dos meus maiores interesses e, agora que estou por dentro do sistema, percebo que muita coisa vai mal. E também por isso que me candidato às eleições.”
Aos 26 anos, a filha do antigo ministro da justiça e vice-primeiro-ministro do Luxemburgo, Felix Braz, candidata-se pela primeira vez a umas eleições. É aliás a mais jovem candidata do LSAP às autárquicas em Esch-sur-Alzette. “Há um ano, comecei a ser contactada por vários partidos para integrar as listas. Em 2023 há eleições comunais e legislativas, é natural que as formações procurem sangue novo. E a verdade é que há algum tempo que tinha vontade de desenvolver atividade política, ajudar a construir uma sociedade melhor”, diz. Optou pelos socialistas. “São eles que defendem melhor as ideias com que me identifico. Não me revejo nos conservadores nem nos liberais e os Verdes estavam completamente fora de questão – por questões familiares e por achar que a proteção ambiental não pode sobrepor-se à proteção das pessoas.”
O déi Gréng era afinal o partido onde militava Felix Braz. Quando, em agosto de 2019, o político de ascendência portuguesa teve uma paragem cardíaca que o atirou para um coma, foi demitido do governo e substituído por outros colegas d’Os Verdes. Os Braz decidiram entretanto colocar um processo em tribunal contra o governo, colocando em causa a legalidade da exoneração do antigo vice-primeiro-ministro e a forma como este se viu entregue à sua sorte quando estava doente – e sem beneficiar de apoios do Estado por ter sido eleito para um cargo. “Isso dá-me a certeza de não querer ser uma política a tempo inteiro, que se dedique apenas a isto. Se for eleita, posso afastar-me da vida profissional durante uns tempos, mas não quero ficar nunca dependente da política. Não quero que a minha existência e sobrevivência estejam nunca dependente dos votos. Nem quero entrar numa bolha que me afaste da realidade – e dos reais problemas dos cidadãos,” diz.
Entrar na corrida em Esch-sur-Alzette parece-lhe o caminho mais natural. “Aquilo que mais adoro em Esch é que é crua. Não é uma cidade demasiado grande, por isso há uma grande proximidade entre as pessoas. Vivi aqui a minha vida toda e sempre achei que em Esch não havia tanto snobismo como na capital. As pessoas estão mais dispostas a partilhar, a ajudarem-se umas às outras”, explica. Mas também sabe que é um lugar onde sobra vulnerabilidade. “Temos muitas pessoas a passar dificuldades, a imagem que passamos para fora é que este é um lugar inseguro, onde não há grande coisa para fazer. E é isso que temos de mudar. E temos de mudar urgentemente.”
Uma mão cheia de ideias
Liz diz que ~´e preciso atrair gente à rue de l'Alzette. © Créditos: Gerry Huberty
Se a conversa é sobre transformar políticas, então a primeira coisa de que ela fala é de educação. “Estes anos a trabalhar no ensino fizeram-me perceber uma coisa. É que o sistema atual é altamente discriminatório. Reparo muito nisso com as crianças portuguesas e dos países de Leste. Têm menos oportunidades do que os alunos luxemburgueses. Num país onde metade da população é estrangeira isso não pode acontecer”, afirma. “Às vezes sinto que os miúdos de oito anos já têm o seu destino traçado. Que nunca vão poder avançar para o ensino clássico, ou aspirar a entrar na universidade. Estar constantemente a trocar a língua de aprendizagem faz com que muita gente comece a falhar quando podia progredir.”
Na sua opinião, as escolas deveriam optar por um sistema de ensino numa única língua, do início ao fim da escolaridade. “Se cada criança puder escolher fazer os estudos todos em francês, alemão ou inglês no sistema público, estou certa de que começaremos a ter melhores resultados e um ambiente que dê oportunidades a todos”, afirma. Acredita que o luxemburguês é essencial – e por isso devia ser obrigatório em qualquer uma das três opções linguísticas, como segunda língua de formação. “Eu sei que esta é mais uma questão mais nacional que local, mas também é verdade que os primeiros anos de formação estão a cargo das comunas e essa altura é decisiva. Se começamos a educar uma criança com uma estrutura, devemos preservá-la. Esch, que tem uma enorme comunidade estrangeira, sofre muito com isto.”
No recreio da escola do Brill. © Créditos: Gerry Huberty
Na sua opinião, as escolas deveriam optar por um sistema de ensino numa única língua, do início ao fim da escolaridade. “Se cada criança puder escolher fazer os estudos todos em francês, alemão ou inglês no sistema público, estou certa de que começaremos a ter melhores resultados e um ambiente que dê oportunidades a todos”, afirma. Acredita que o luxemburguês é essencial – e por isso devia ser obrigatório em qualquer uma das três opções linguísticas, como segunda língua de formação. “Eu sei que esta é mais uma questão mais nacional que local, mas também é verdade que os primeiros anos de formação estão a cargo das comunas e essa altura é decisiva. Se começamos a educar uma criança com uma estrutura, devemos preservá-la. Esch, que tem uma enorme comunidade estrangeira, sofre muito com isto.”
Há mais assuntos que traz para cima da mesa. A habitação é um problema, em Esch como no resto do país. “Não há muito tempo tivemos manifestações na cidade porque a comuna queria impedir o co-aluguer das casas. Isto não faz sentido nenhum numa cidade que é simultaneamente universitária e operária”, critica. Se o sul do pais foi o lugar escolhido para acolher a universidade do Luxemburgo, então é preciso encontrar soluções para que os estudantes aqui possam permanecer. “Não há residências para toda a gente no campus de Belval, e os estudantes só podem ficar ali durante um espaço limitado de tempo. E não só os preços são exorbitantes, como muitos senhorios exigem contratos de trabalho para alugar as casas. Se os impedimos de partilhar apartamentos, estamos a tirar-lhes mais uma vez o tapete debaixo dos pés”, opina.
Tem ideias para mudar o estado das coisas. “Penso que devíamos seguir o mesmo modelo que a cidade de Viena criou. A autarquia começou a comprar ela própria casas e depois passou a alugá-las aos cidadãos a preços razoáveis. Com isso, os preços começaram a baixar de uma forma generalizada e o mercado tornou-se mais tolerável”, explica Liz Braz. A urgência de conter a bolha imobiliária não se explica apenas nas habitações. Pega no exemplo de Esch: “Quem hoje atravessa a rue do Alzette, que é a maior do país, vê que há cada vez mais lojas vazias, que ninguém aluga porque as rendas são demasiado caras. Esta devia ser uma cidade atrativa, onde as pessoas de fora pudessem vir fazer compras, e isso não está a acontecer. Temo-nos tornado ao longo dos anos num dormitório. Um dormitório é um dormitório, não é uma cidade. E nós temos todas as condições para ser uma cidade viva e próspera.”
Para fazer isso, diz Liz Braz, é preciso pensar na mobilidade. “É bastante incrível que, numa cidade com 35 mil habitantes, precisemos de 40 minutos e dois autocarros para ir de um bairro a outro. Isto acontece e impede a tal prosperidade de que Esch tanto precisa.” No único país do mundo com transportes públicos gratuitos, acredita ela, há que facilitar a vida aos cidadãos para que eles não precisem de pegar nos carros.
© Créditos: Gerry Huberty
Para fazer isso, diz Liz Braz, é preciso pensar na mobilidade. “É bastante incrível que, numa cidade com 35 mil habitantes, precisemos de 40 minutos e dois autocarros para ir de um bairro a outro. Isto acontece e impede a tal prosperidade de que Esch tanto precisa.” No único país do mundo com transportes públicos gratuitos, acredita ela, há que facilitar a vida aos cidadãos para que eles não precisem de pegar nos carros.
“Em 2022 Esch foi Capital Europeia da Cultura. E, se repararmos bem, durante uma série de fins de semana a circulação ferroviária entre a cidade e a capital foi interrompida para fazer obras de reparação. Eu sei que não cabe às comunas dizerem aos caminhos de ferro quando é que devem fazer os trabalhos na via. Mas devem pelo menos pressionar, perguntar se faz sentido adiar esse processo por uns meses, para que não se perca uma oportunidade histórica”, atira. Mas Liz Braz admite: não foi só o falhanço dos transportes a explicar a oportunidade perdida de Esch 2022. “Os eventos foram mal comunicados, a população e as comunidades não se integraram, ficou tudo reduzido a meia dúzia de pessoas. E que pena. Os habitantes de toda esta região mereciam melhor.”
Casa portuguesa, com certeza
Liz gosta de cozinhar. “Foi uma das coisas que descobri na pandemia e que me dão real prazer”, conta. Então hoje é ela que vai fazer o petisco. É o pai que lhe pede um prato: “Faz amêijoas à Bulhão Pato, vá lá”, pede Felix Braz do balcão da cozinha. Bibi Debras, a mãe, olha para a cena com prudência e começa a gozar com a filha: “Deve ser verdade que és uma grande cozinheira. Safas-te numas coisinhas, mas depois quem tem trabalho a arrumar tudo sou eu”, atira-lhe. E desatam todos a rir.
Vai uma camada generosa de azeite para a panela, depois o alho. Liz põe-se a cortar tomates para uma salada e Bibi já tem crítica afiada: “Esqueceste-te do vinho branco.” O pai ajuda-a a cortar os legumes, e estão ali os dois a trocar piadas. Entram as conchas, e depois os coentros. E quando o prato chega à mesa começam todos a desfiar memórias da lusofonia. “Eu cresci sempre a comer comida portuguesa, porque a senhora que trabalhava cá em casa, e que tomava conta de nós, era de lá. Depois nas férias íamos sempre para o Algarve, e são esses os sabores da minha infância. Lembro-me de uma altura em que os pastéis de nata eram um segredo bem guardado, que só nós, os lusodescendentes, conhecíamos. Agora não há ninguém no Luxemburgo que não saiba o que são”, constata.
Felix pode ter origens algarvias, mas ela também teve oportunidade de descobrir Portugal por si. Fez o programa Erasmus em Lisboa – e ali viveu seis meses em 2018. “Morava no Marquês de Pombal e foram meses fantásticos os que passei ali. Achei sempre impressionante como me conseguia sentir tão segura numa capital tão grande. Há uma simpatia e uma amigabilidade nos portugueses que é natural, não poderia nunca ser feita para agradar. E isso deixa-me francamente orgulhosa nas minhas raízes”, diz.
No Luxemburgo, por outro lado, preocupa-a que a comunidade não seja ouvida. “Estas eleições comunais dão pela primeira vez a oportunidade a todos os residentes de votarem para escolher os seus representantes, independentemente de viverem aqui há cinco anos ou cinco meses. A única coisa que têm de fazer é registarem-se até 17 de abril. E eu espero muito, mesmo muito, que os portugueses adiram em massa e se pronunciem.” Diz que a comunidade lusófona, provavelmente por ser tão representativa no país, acaba ser quase autosuficiente – e com isso ficar arredada dos centros de decisão. “O Luxemburgo pertence a todos os que o habitam. Esch pertence a todos os que aqui vivem. E o envolvimento português é essencial, porque esta é a comuna do país onde vivem mais portugueses”, diz.
O papel lusófono na construção da cidade, e do próprio Grão-Ducado, merecem-lhe uma outra ideia. “Gostava de criar um grande debate público para dar a uma escola de Esch-sur-Alzette o nome de uma grande figura portuguesa”, diz Liz Braz. Diz que não lhe cabe escolher, mas sim incentivar o debate. “Este país tem uma dívida de gratidão com o povo português. Vieram reconstruir o Luxemburgo depois da guerra, vieram ajudar a desenvolver uma terra que durante muitos anos foi pobre, e penso que devia ser feito uma séria homenagem a esse esforço. Podemos dar nomes a ruas, ou instalar estátuas, mas eu prefiro que seja o nome de uma escola – porque há miúdos que vão crescer ali e reconhecer toda a vida a importância daquela pessoa”, diz. “E acho que não existe melhor lugar para fazer isso do que aqui, em Esch.”
O tempo da juventude
Com Steve Faltz, do LSAP, no café Pitcher, um dos poucos locais de encontro para a juventude da cidade. © Créditos: Gerry Huberty
Quando quer beber um copo com os amigos, Liz vai normalmente ao Pitcher, que é uma instituição da cidade. “Para mim é um verdadeiro símbolo de Esch. Se formos a ver bem, é um lugar cru, despojado e próximo – que é verdadeiro espírito deste lugar e desta parte do país”, diz ela. Hoje é dia de encontro com Steve Faltz, o cabeça de lista do LSAP às eleições em Esch. “Vamos falando todas as semanas por telefone e, pelo menos uma vez por mês, encontramo-nos aqui. Sempre aqui.”
A rua do Pitcher é um dos seus lugares preferidos, não apenas porque acolhe a cafetaria, mas porque mostra uma circunstância que ela vê cada vez mais rara. “Se reparares bem, há comércio em todos os cantos, há coisas cool a acontecer em toda a praça. É um reduto, ou um exemplo, daquilo que Esch deveria ser”, advoga, enquanto caminha apressada para dentro do bar. Chega ao balcão e pede o costume. O costume é um ice-tea sem gelo.
São cinco da tarde e a casa está a metade. Há um velhote português a ver a bola e dois rapazes que conversam sobre a saída do último sábado. Um casal mata o tempo num canto, e uma fila de gente alinha-se ao balcão para pedir cerveja. Depois entra Faltz e os dois companheiros de batalha abraçam-se. Têm de discutir o programa para Esch, perceber como vão chegar às pessoas, como vão criar a consciência de que podem realmente inverter o tabuleiro na segunda maior cidade do país.
“Nas últimas eleições tivemos uma verdadeira desilusão”, admite Faltz enquanto faz sinal ao empregado para que este lhe sirva uma água. Não precisa de explicar grande coisa. Os socialistas tinham estado muitos anos à frente do governo da comuna mas, nas últimas eleições locais, perderam a cadeira para o CSV, os democratas-cristãos. “Elegemos seis conselheiros comunais e esses mantêm-se nas listas. Mas há mais 13 nomes na lista e esses são todos novidade. Temos sangue novo. E temos ideias novas”, diz ele.
Faltz tem um par de elogios guardados para Liz Braz. “Ela é o rosto de uma nova geração de mulheres fortes, que precisamos para virar o jogo. Tem ideias, esforça-se e quer ganhar. Estamos num momento que pode mudar tudo e precisamos dela para isso”, diz à mesa. Liz não responde, mas o elogio há de ter sabido bem. E volta a conversa das políticas. Querem distribuir tablets pelos alunos das escolas do município. Querem encher o centro da cidade de vida. Dizem que estão dispostos a ir casa a casa convencer as pessoas a votar.
No fim a conversa volta a ser sobre o Pitcher e é Liz que lidera a conversa. “Este é um dos únicos lugares onde os jovens podem sair. Tens o Pitcher e a Kulturfabrik, pouco mais. Não faz sentido termos a universidade em Belval, aqui ao lado, e depois não oferecermos animação a toda a juventude que vive nesta região”, diz ela. Diz que no esforço de atrair comércio tem de estar contemplada a vida noturna, também. “A minha geração tem de ter alternativas que não sejam ir para a capital ao fim de semana”, atira.
Antes do fim da conversa, Liz Braz ainda tem um sítio para mostrar. “A maioria das pessoas pensa que Esch resume-se a uma cidade industrial, cinzenta. Mas o meu lugar preferido na cidade é este”, e abre os braços para mostrar a paisagem. Estamos no Galgenbierg, uma colina próxima ao centro e invisível à maioria dos olhares. “Este é um segredo bem guardado de Esch. Mas acredito que está na hora de devolvê-lo à cidade”, diz.
A aquecer nos bosques de Esch. Liz diz que há um verde desconhecido em Esch que é preciso reabilitar. © Créditos: Gerry Huberty
Primeiro entra no estádio do Fola, um dos dois grandes clubes da cidade. “Treinei aqui durante 12 anos”, conta, e começa a recordar os dias de atletismo. Corria os 100 e os 200 metros, tinha treinos cinco a seis vezes por semana, mais na véspera das competições. Dá uma volta à pista para recordar os tempos antigos e depois solta um suspiro. “Crescer aqui deu-me dinàmicas de grupo e a oportunidade de experimentar a natureza. Às vezes sinto que a única política que existe para os mais novos está dentro das paredes dos centros juvenis – e não na rua, junto aos elementos.”
Agora sim, começa a corrida. Liz faz o aquecimento e avança floresta dentro. Passa por um parque e pára para lamentar o abandono. “Já ninguém vem aqui passear. Há uns anos isto estava cheio de gente, havia até um festival de música onde uma vez veio tocar a Pink. E agora nada. Diz-me lá, o que é que os jovens de Esch têm para fazer na sua cidade? E o que é que somos nós se não lhes dermos alternativas?” E, nisto, desatou a correr em direção ao bosque.