Jean Asselborn: "O Luxemburgo está do lado certo da História"
"Mais NATO e mais UE". Foi este o apelo claro feito pelo ministro dos Negócios Estrangeiros na sua declaração anual sobre política externa.
O ministro do LSAP fez, na terça-feira, aquele que foi "provavelmente o discurso mais difícil" desde que tomou posse. © Créditos: Anouk Antony/Luxemburger Wort
Desde 24 de fevereiro, tudo mudou. O fantasma que a agressão russa contra a Ucrânia tem projetado diariamente na ordem europeia do pós-guerra há muito penetrou na consciência coletiva: apesar de todos os esforços pela paz, a Europa do século XXI está a viver uma guerra no seu continente.
A mudança de paradigma que acompanha esta nova realidade foi o tema principal da tradicional declaração do chefe da diplomacia luxemburguesa, Jean Asselborn, que decorreu na terça-feira no Parlamento. Um discurso que o próprio ministro dos Negócios Estrangeiros descreveu como o mais difícil desde a sua tomada de posse.
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A situação internacional é de facto "tão turbulenta" que é mais importante do que nunca estar do lado certo da história", declarou Jean Asselborn. A fim de avaliar corretamente a situação de guerra, não pode haver "nenhuma neutralidade ou ambiguidade". Nenhum objetivo de guerra pode justificar as perdas sofridas pela população ucraniana, "não no campo de batalha, não na cabeça das pessoas e certamente não nos seus corações".
É por isso que o Luxemburgo está a entregar armas a uma zona de guerra pela primeira vez na sua história. Até agora, o Grão-Ducado gastou 16% do orçamento de defesa do país e 72 milhões de euros em equipamento e armas para apoiar a Ucrânia.
Contudo, esta ajuda militar não é motivo para estabelecer uma falsa equação, sublinha Asselborn: fornecer armas à Ucrânia não significa encorajar a guerra. "Esta é uma conclusão falsa que daria a Putin um cheque em branco para destruir a Ucrânia", adverte o ministro dos Negócios Estrangeiros, acrescentando que, sem ajuda militar para a Ucrânia, não haveria mais guerra, mas centenas de milhares de mortos ucranianos. Deixaria de haver Ucrânia.
Não negociamos com um país que se opõe ao direito internacional e aos direitos humanos de forma tão cínica e brutal.
Sanções contra a Rússia foram a única alternativa
Os oito pacotes de sanções impostas pela União Europeia (UE) à Rússia ajudaram a privar o Kremlin de meios para continuar a guerra. "Determinar sanções não é uma escolha, mas uma necessidade", salientou Jean Asselborn perante os deputados. Cerca de 17 mil milhões de euros de bens russos foram congelados na UE. Por outro lado, é esperada uma recessão entre 4,5 e 5,5% na Rússia em 2022, de acordo com o Banco Mundial. Olhando o cenário atual, as sanções deverão permanecer em vigor durante algum tempo, e já estão a ter efeito.
De acordo com Asselborn, com as sanções adotadas a UE provou que pode agir em tempo recorde "de forma decisiva e solidária para defender a segurança da União". O ministro lançou também um aviso aos que defendem alternativas às sanções russas: "Não negociamos com um país que se opõe ao direito internacional e aos direitos humanos de forma tão cínica e brutal."
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Devido às consequências das sanções contra a Rússia, o ministro dos Negócios Estrangeiros reforçou a necessidade de ajudar os cidadãos em tempos de inflação e aumento dos preços da energia. O mercado europeu da energia tem estado "virado do avesso" desde que a guerra começou.
Mas nem tudo será negativo para o ministro. "Dentro de alguns anos, olharemos para trás e veremos a transição energética na Europa terá realmente começado em 2022", estimou.
Há potencial a explorar no mercado interno da UE
Na sua declaração, o chefe da diplomacia luxemburguesa salientou ainda que a condição mais fundamental para a força da unidade europeia é o mercado interno europeu, que celebra este ano 30 anos de existência. Mas a verdade é que "o seu potencial ainda não foi totalmente explorado". Para um país como o Luxemburgo, onde 80% das exportações de mercadorias permanecem na UE, é tradição lutar pela harmonização e reconhecimento mútuo no mercado interno.
A determinação de sanções não é uma escolha, é uma necessidade.
No futuro, o bloco quer defender os seus interesses de forma mais confiante no âmbito da sua nova política comercial. Neste contexto, o controlo do investimento direto estrangeiro é um instrumento jurídico eficaz para a proteção contra medidas coercivas de países terceiros. A nível nacional, um projeto de lei correspondente já foi apresentado ao Conselho de Estado.
Porém, devido à situação geopolítica tensa, não basta assegurar cadeias de abastecimento mas é preciso também assegurar que os produtos são fabricados de forma sustentável e "de acordo com as regras, normas e valores" europeias. Uma diretiva comunitária sobre obrigações de sustentabilidade para as empresas está, portanto, em cima da mesa e as negociações sobre este assunto já estão em curso.
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Parceria entre UE e EUA continua a ser prioritária
Em relação ao processo de alargamento da UE, Jean Asselborn mencionou que o bloco está a assistir a "decisões históricas". O estatuto de candidato da Ucrânia e da Moldávia, bem como a perspetiva da Geórgia obter este estatuto, são marcos para o futuro da UE. Permitir à Ucrânia, em particular, ser candidata à adesão é um sinal justo e importante para a população do país, ressalvou o governante, que também apelou à Bósnia-Herzegovina para "dar um sinal claro" de que lhe deveria ser concedido o estatuto de candidato antes do final do ano.
No que toca às parcerias internacionais da UE, Asselborn salientou que as relações com os Estados Unidos foram normalizadas desde que Joe Biden tomou posse. A China continua também a ser um parceiro importante em muitas áreas, apesar dos desacordos sobre os direitos humanos. O Luxemburgo e a UE irão manter um "diálogo crítico e construtivo" com a China, mas o lema "América Primeiro" continuará a ser válido nas relações com os EUA e a China.
"Temos de investir mais no futuro para manter a paz"
No final do seu discurso, o ministro dos Negócios Estrangeiros salientou que a UE é autónoma e, por conseguinte, tem de encontrar soluções para vários conflitos internacionais. A guerra não está apenas no continente europeu, mas "em diferentes lugares do mundo". A situação no Mali, por exemplo, deteriorou-se desde a retirada das tropas francesas. O caos da insegurança entre grupos terroristas e tropas mercenárias mal organizadas provocou a fuga de quase meio milhão de malianos para os países vizinhos.
A guerra no norte da Etiópia, um golpe no Burkina Faso, uma crise humanitária no Corno de África, a tomada do poder pelos Taliban no Afeganistão, vou ainda violações dos direitos humanos no Irão. Segundo Asselborn, a UE deve envolver-se ativamente de novo nestas regiões e apoiar os processos de paz enquanto presta ajuda humanitária.
Só em conjunto os 27 podem desempenhar o papel no palco internacional que lhes cabe no século XXI. "Temos de investir mais no futuro para preservar a paz. Para nos protegermos a nós próprios. Os nossos cidadãos, o nosso modo de vida, os nossos valores e ideais de tolerância e respeito pelos nossos concidadãos", concluiu.
(Este artigo foi originalmente publicado no Luxemburger Wort e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)