Inspetor investiga caso de alunos castigados com proibição de ir à aula de português
O caso dos alunos castigados com a proibição de ir a uma aula de português, em Esch-sur-Alzette, vai ser discutido hoje. A queixa chegou ao inspetor das escolas daquela localidade, que vai ouvir a professora da escola primária da Grand-Rue que terá castigado os alunos e a docente de português daquela escola.
O caso aconteceu na escola primária da Grand-Rue, em Esch-sur-Alzette. © Créditos: Christophe Olinger
"Decidimos, em acordo com a Coordenação de Ensino de Português, organizar uma reunião de mediação entre todos os envolvidos", disse ao Contacto o inspetor Joa Baum. "Na quarta-feira saberemos se se tratou de um incidente ou de um mal entendido", acrescentou o inspetor.
O caso deu-se a 8 de novembro, numa turma do segundo ciclo da escola primária da Grand-Rue, em Esch-sur-Alzette. Naquele dia, a professora das crianças (uma funcionária luxemburguesa de origem portuguesa) terá impedido os cinco alunos daquela turma inscritos nos cursos integrados de língua portuguesa de assistir à aula. A razão? Alguns alunos não tinham feito os trabalhos de casa e a docente decidiu pôr a turma inteira de castigo.
O incidente foi denunciado há uma semana à Rádio Latina pelo representante da comissão de pais portugueses daquela escola, Pedro Ribeiro. Foram as crianças que contaram o caso aos pais, tendo estes apresentado queixa à comissão de pais.
O Contacto ouviu os encarregados de educação de algumas das crianças portuguesas envolvidas, que confirmam o caso. "Eles nesse dia iam ter a correção do teste de português que fizeram na semana anterior. Quando a minha filha chegou a casa, perguntei-lhe se tinha corrido bem, e ela disse-me: 'Hoje não fomos à aula, porque houve meninos que não tinham feito os trabalhos de casa, e como castigo ninguém foi à aula de português'", contou ao Contacto uma mãe que pediu para não ser identificada, por medo de represálias. Segundo a criança contou à mãe, "as duas professoras ralharam uma com a outra e a professora de português chorava". A cena terá sido presenciada por todos os alunos, que contaram o caso aos pais.
Naquela turma, há apenas cinco crianças inscritas nos cursos integrados de português. Foram todas impedidas de ir à aula de língua portuguesa, por alegadamente algumas não terem feito os trabalhos de casa. "Não era o caso da minha filha", contou a mesma mãe a este jornal. "Eu ando sempre em cima dela e ela tinha feito os trabalhos de casa, mas foi injustamente castigada".
A Comissão Escolar de Esch-sur-Alzette já veio defender a professora luxemburguesa. Em declarações à Rádio Latina, a responsável da Comissão Escolar, Chantal Schoettert, admite que as cinco crianças não foram nesse dia à aula de português, por decisão da professora luxemburguesa. Mas alega que a decisão foi tomada de comum acordo com a professora de português.
"Falámos com a docente acusada, e a professora, que de resto é de origem portuguesa, disse-nos que tinha chegado a acordo com a senhora que dá os COIP [cursos integrados de português] e que decidiu reter os cinco alunos por não terem feito os trabalhos de casa e por terem um atraso a recuperar". Mas várias mães que têm filhos naquela turma garantiram ao Contacto que não foi isso que as crianças contaram em casa – tanto mais que testemunharam que a professora de português, que foi à sala buscar os alunos para a aula, chorou em frente às crianças.
Esta não será a primeira vez que a professora daquela escola primária impede os alunos de frequentarem outras disciplinas. "A minha filha já me tinha dito que alguns meninos mais atrasados não iam à aula de ginástica, para ficarem a estudar", contou outra mãe ouvida pelo Contacto.
Caso provoca incómodo no Instituto Camões
O caso dos alunos castigados surge após o anúncio do fim dos cursos integrados de português em Esch-sur-Alzette a partir do próximo ano letivo. O incidente já chegou ao conhecimento da presidente do Instituto Camões e está a causar incómodo. Ana Paula Laborinho esteve reunida na sexta-feira com representantes do Ministério da Educação do Luxemburgo, para discutir alternativas para o ensino de português em Esch, e a palavra de ordem é não agitar as águas. "O mais importante, num clima de dúvida em relação à língua portuguesa, é estarmos serenos, sem prejuízo de continuarmos muito firmes nesta vontade de continuarmos a oferta do português, em articulação com as autoridades luxemburguesas", disse ao Contacto a responsável do IC. Ana Paula Laborinho diz que "há uma proposta em cima da mesa" que vai ser "melhor analisada pela parte luxemburguesa e que será objeto de uma reunião próxima em janeiro", para definir "os contornos técnicos da sua aplicabilidade". Laborinho recusa adiantar para já mais sobre a alternativa que está a ser discutida. Para já, garante apenas que "houve abertura e uma atitude construtiva" por parte do Ministério da Educação do Luxemburgo. "A reunião que tivemos leva-nos a pensar que vamos encontrar soluções" para o fim dos cursos em Esch-sur-Alzette.
Quanto ao caso da escola da Grand-Rue, é evidente o desconforto da responsável do Camões. "Temos de evitar este tipo de incidentes, que não são produtivos, e encontrar soluções", apelou.
A Coordenação de Ensino de Português afina pelo mesmo diapasão. O responsável, Joaquim Prazeres, vai estar na reunião desta quarta-feira com o inspetor das escolas e recusa adiantar mais informações sobre o caso. "O processo está em curso e não me quero antecipar às conclusões que possam sair daí", justifica. Mas sempre diz que tem "a máxima confiança" na professora, que "é uma excelente profissional e se tem dedicado aos alunos de uma forma extraordinária". E que, a confirmar-se o incidente, "é inadmissível". "Ninguém pode, por qualquer motivo, ser impedido de assistir aos cursos de português. É a mesma coisa que ter ginástica, ou ter qualquer outra disciplina, porque o curso de português faz parte integrante do sistema luxemburguês", defende.
Pais estão revoltados
Em Esch-sur-Alzette, os encarregados de educação estão revoltados com a situação. "Os pais não vão deixar passar isto impune", diz Pedro Ribeiro, representante da comissão formada recentemente para lutar contra o encerramento dos cursos de português em Esch. "Nós confiamos na professora de português, porque os nossos filhos chegam a casa e dizem que a adoram e que adoram ir para o português", conta.
No sábado, a festa de Natal dos cursos de português da escola da Grand-Rue e da escola de Soleuvre juntou mais de uma centena de crianças, e o fim das aulas no próximo ano era tema de muitas conversas. A comissão de pais está a organizar uma recolha de assinaturas para pedir à autarquia que não acabe com o ensino do português. Em apenas três dias, conseguiram mais de 300 assinaturas.
Em Esch, o movimento de pais portugueses elegeu um representante em cada uma das sete escolas afetadas pelo fim dos cursos de português. E garantem que "vão lutar para defender os direitos dos filhos".
João Simões é um dos encarregados de educação que faz parte da comissão formada na escola da Grand-Rue, e aponta a importância de os pais exercerem os seus direitos cívicos. "A gente não está inserida na sociedade luxemburguesa, porque não estamos recenseados e não vamos votar. Automaticamente, não temos direito de escolha", lamenta. O encarregado de educação admite que ele próprio não está ainda inscrito nas listas eleitorais, mas o fim anunciado do ensino integrado de português em Esch – uma decisão da autarquia que afeta 550 alunos – foi a gota de água que o fez mudar de ideias. "Vou recensear-me para poder votar contra as pessoas que tomaram esta decisão, e vou votar num partido que nos defenda", afirmou.
Paula Telo Alves