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Há cada vez mais portugueses no Grão-Ducado

Os últimos indicadores revelam que, ao contrário do que se estimava, o número de portugueses no Luxemburgo continua a aumentar. A crise da pandemia reforçou a desigualdade no acesso à saúde.

Guillaume Osier, chefe da Unidade das Condições de Vida do Statec.

Guillaume Osier, chefe da Unidade das Condições de Vida do Statec. © Créditos: Gerry HubertyFoto: Gerry Huberty/Luxemburger Wort

O número de portugueses a trabalhar no Luxemburgo não pára de crescer. Ao todo são já 108.710 a residir no país, de acordo com os números revelados pelo instituto de estatística do Luxemburgo (Statec), ao Contacto. Neste universo cerca 14 mil já têm também nacionalidade luxemburguesa. Números a que se deve somar os milhares de portugueses transfronteiriços que vêm todos os dias trabalhar para o país e que é muito difícil de quantificar.

"Está a aumentar o número de portugueses que pedem nacionalidade luxemburguesa", revela Guillaume Osier, chefe da unidade das condições de vida do Statec.

Há um crescimento da percentagem da população estrangeira no Grão-Ducado que se pode explicar pela necessidade crescente de mão de obra "essencialmente no setor da construção, mas também no setor da saúde e outras áreas sociais", sublinha. "A comunidade portuguesa continua a ser essencial na população luxemburguesa, mas a percentagem de franceses a trabalhar no país tem crescido mais", adianta. Mas há desafios a resolver.

"A população da cidade do Luxemburgo duplica diariamente, com a entrada dos fronteiriços, o que tem implicações em termos de mobilidade e infraestruturas, o que implica que se faça uma reflexão global sobre a mobilidade no Grão-Ducado", adianta. Embora nesta equação tenha que se ter em conta o cada vez maior pelo do teletrabalho "uma prática que não vai voltar atrás e que deverá vai reforçar-se no futuro", sublinha este especialista.

O Luxemburgo já foi o país da União Europeia com a maior percentagem da população em teletrabalho no último ano e ainda há potencial para crescer.

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Estrangeiros com o dobro do risco de pobreza

Apesar do Luxemburgo manter níveis de crescimento económico, acima da média, a percentagem da população em risco de pobreza continua elevada (17,2%) no país com o salário mínimo mais alto de toda a União Europeia. Uma pessoa é considerada pobre no Luxemburgo quando vive com menos de 1892 euros por mês. Uma situação que era vivida por cerca de 103 mil residente no Grão – Ducado. "Mas as diferenças entre estrangeiros e luxemburgueses são muito significativas, Em 2020 a taxa de risco de pobreza dos estrangeiros que vivem no Luxemburgo era o dobro da dos nacionais (cerca de 23% contra 10,6%)", lê-se no relatório. Os indicadores revelam ainda que o risco de pobreza é maior entre as pessoas com baixas qualificações e entre os mais jovens.

Apesar de haver um crescimento económico, verifica-se também a manutenção das desigualdades e da pobreza.
Guillaume Osier, diretor da Unidade das Condições de Vida do Statec.

"Acredito que nos processos de desenvolvimento económico, há sempre os que ganham e os que perdem e o Luxemburgo não se afasta dessa regra. Apesar de haver um crescimento económico sustentado nos últimos anos, verifica-se também a manutenção das desigualdades e da pobreza. Podemos utilizar a analogia de uma parede de escalada em que uns sobem mais depressa que outros", descreve Guillaume Osier.

Para além de que, hoje, quando falamos de risco de pobreza "não falamos apenas da pobreza extrema, mas de pessoas, que por exemplo não conseguem pagar todos os seus créditos". Pela primeira vez, neste relatório do instituto de estatísticas do Luxemburgo apresenta-se um novo conceito: "o indicador de pobreza multidimensional que tem em conta o rendimento, mas também o consumo e o património. Neste parâmetro a taxa de pobreza baixa para 5,6% da população". Por pobreza em termos de consumo, considera-se alguém que gasta menos que 60% do consumo médio nacional.

Mas a situação seria muito mais dramática sem os apoios sociais que são dados pelo Estado luxemburguês. O Grão-Ducado tem um "sistema de redistribuição, através da de apoios sociais dos mais desenvolvidos da Europa, que permite às famílias em caso de necessidade conseguirem melhorar a sua situação financeira e garantirem que a sua vida quotidiana não seja tão difícil", acrescenta. "Se não existissem estas transferências sociais a percentagem de população em risco de pobreza seria dez pontos superior", estima.

Se não existissem estas transferências sociais a percentagem de população em risco de pobreza seria dez pontos superior.

"O Luxemburgo regista como em todos os países da Europa um aumento das desigualdades que são mitigadas graças a um sistema de redistribuição muito potente e que durante a pandemia garantiu ajudas e que permitiram atenuar o impacto social da crise", sublinha Guillaume Osier.

Os últimos indicadores do Relatório do Trabalho e Coesão Social do Statec mostram de facto que "as desigualdades de rendimento se mantiveram inalteráveis apesar da crise da covid-19. Houve até um ligeiro aumento do rendimento líquido mediano para os 3.236 euros por mês".

Mas há uma parte da população, que por dificuldades financeiras não tem acesso a certos bens e serviços, que são importantes para "permitir uma boa inserção na sociedade". "Por exemplo 35% das famílias declaram ter dificuldades financeiras, para conseguir pagar uma semana de férias, fora de casa", lê-se no relatório. Depois há 22% dos agregados que têm dificuldade em comer carne ou peixe, todos os dias, por falta de dinheiro. Há ainda cerca de 12% das famílias que "têm dificuldade em chegar ao final do mês", segundo este estudo.

Mas afinal quanto se ganha no Luxemburgo?

O relatório revela que o rendimento familiar médio no Luxemburgo foi de 5.884 euros por agregado familiar, por mês, em 2020. O que representa um aumento de 2,1% face ao ano anterior. Também a proporção da população nos diferentes níveis de rendimento não sofreu grandes alterações. Cerca de 29% das famílias ganhavam menos de 3.500 euros por mês, o que representa uma subida de um ponto relativamente a 2009. Depois cerca de 25% tem um rendimento entre os 1.500 e os 3.500 euros. Já 4,1% recebem menos que 1500 euros.

Na outra extremidade temos cerca de 6,3% das famílias que têm um rendimento igual ou superior a 12.000 euros por mês. Se os rendimentos da grande maioria da população não foram afetados, há alguns setores profissionais que viram os seus rendimentos diminuir drasticamente.

Falamos dos trabalhadores independentes. Mas também dos trabalhadores em desemprego parcial, com salários mais baixos, em que a perda de parte do rendimento "pode ter tido consequências graves". O setor da restauração terá sido um dos mais afetados.¨

"Os agregados familiares com um nível de vida mais baixo, têm uma maior probabilidade de hospitalizações ligadas ao covid-19". Relatório do Statec

Reforço da desigualdade no acesso à saúde

O relatório revela uma nova desigualdade alarmante que se re- forçou com a pandemia: a desigualdade no acesso à saúde. Os indicadores mostram que "os agregados familiares com um nível de vida mais baixo, têm uma maior probabilidade de hospitalizações ligadas ao covid-19 e que os beneficiários do rendimento mínimo social têm mais probabilidade de infeção e de ser hospitalizados", escreve-se na nota divulgada pelo Statec.

Os custos da habitação continuam a ser a principal dor de cabeça. Cerca de 78% das famílias que residem no Luxemburgo consideram que a carga financeira do alojamento "é preocupante e a busca de habitação acessível desesperante."

Cresce o desemprego de longa duração

Segundo o estudo, "o mercado de emprego resistiu bem à crise sanitária". Mas os verdadeiros efeitos da pandemia ainda não podem ser contabilizados por causa do "recurso massivo ao desemprego parcial". Preocupante é a subida de 36% da taxa de desempregados de longa duração, nos últimos dois anos. As mulheres e as pessoas com escolaridade elevada, surpreendentemente surgem nestes indicadores como as novas vítima do desemprego.

O pior pode estar ainda para vir?

Os resultados deste vasto inquérito às condições sociais da população mostram que "para já não são visíveis consequências desastrosas no rendimento das famílias". Mas o pior pode ainda estar para vir. Porque "também nas crises anteriores o aumento das desigualdades foi visível nos períodos da retoma depois da crise e não durante a crise". Por isso as verdadeira "consequências desta crise sanitária nos diferentes grupos da população são ainda incertas".