Foi buscar a família à Ucrânia. Agora, pede ajuda para cuidar de sete pessoas no Luxemburgo
Um francês que vive no Luxemburgo foi buscar a família da mulher à Ucrânia. Acolheu na sua casa os pais dela, a irmã e as duas sobrinhas. Agora são oito pessoas no mesmo apartamento, com apenas dois quartos. Enquanto aguardam pelo estatuto de refugiados e os apoios do Estado, pedem ajuda para encontrar trabalho para a mãe das crianças, para ajudar nas despesas.
O português Márcio Gomes, Patrick, Olena e a família desta que fugiu da Ucrânia: os pais, a irmã e as sobrinhas. © Créditos: Tiago Rodrigues
Patrick Breneur é francês, mas vive no Luxemburgo há cerca de 17 anos. É controlador de comboios da CFL. Há três anos, conheceu Olena, ucraniana que na altura trabalhava em Telavive, Israel. Mantiveram uma relação à distância, até ela decidir mudar-se para o Grão-Ducado, em 2020, já em plena pandemia. Casaram-se em setembro desse ano. Mais tarde veio o filho dela, com 17 anos, que Patrick “adotou” como seu. Pouco tempo antes, o francês tinha sido diagnosticado com cancro.
A luta de Patrick, hoje com 56 anos, tem sido longa e difícil. Primeiro foram os problemas em legalizar o casamento. Antes de se mudar para o Luxemburgo, Olena trabalhava num banco, mas teve dificuldades em conseguir emprego no novo país, sobretudo por causa da língua, porque só fala ucraniano e um pouco de inglês. Depois vieram os problemas para integrar Sasha, o filho dela. O jovem estudava Ciências da Computação na universidade na Ucrânia. Tinha muito boas notas e entrou na Universidade do Luxemburgo, em Belval, mas ao fim de dois meses o Ministério informou que não reconhecia o diploma dele e que tem de fazer mais dois anos no ensino secundário.
Entre todas estas burocracias e dores de cabeça, Patrick descobriu que estava doente. Em junho do ano passado, quando estava de férias na Ucrânia, sentiu dores numa perna. Quando voltou ao Luxemburgo, fez exames e soube que tinha cancro e que tinha de ser operado urgentemente. Teve de parar de trabalhar e começar os tratamentos. Passou a receber apenas um subsídio de doença, que é muito mais baixo do que um salário. Hoje, os médicos dizem que o cancro já saiu todo, mas que ainda é cedo para o francês voltar ao trabalho, mesmo que a meio tempo.
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Quando tudo parecia estar a melhorar, surgiu a guerra. No dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia, a 24 de fevereiro, Olena entrou em pânico. A família da mulher de 41 anos estava em Dnipro, no sudeste do país. Os pais, a irmã, o cunhado e as sobrinhas. Fugiram logo no primeiro dia para uma aldeia perto daquela cidade, a cerca de 30 quilómetros. Ficaram na casa de familiares do cunhado de Olena. Nos dias seguintes, Patrick decidiu ir buscar a família da mulher à Ucrânia. Combinou encontrar-se com os sogros, a cunhada e as duas filhas desta na fronteira com a Moldávia. A família partiu no dia 1 de março, de autocarro. O cunhado ficou lá, naquela aldeia perto de Dnipro, pronto a ser chamado a combater.
Patrick e um amigo alugaram uma carrinha de nove lugares e partiram do Luxemburgo no dia 3. Chegaram à fronteira moldava na noite de 4. “Fizemos a viagem sem paragens. Fomos buscá-los à fronteira durante a noite. Na manhã seguinte, quando as miúdas acordaram, a primeira coisa que fizemos foi parar cerca de 30 minutos na Roménia para eles comerem alguma coisa quente, porque passaram muitos dias sem comer mais do que umas sanduíches”, contou o francês. Ao todo, os dois condutores fizeram 4600 quilómetros de viagem, ida e volta. Chegaram ao Grão-Ducado no domingo, dia 6, à hora de almoço.
Ficaram todos em casa de Patrick, um apartamento com dois quartos em Howald. Os pais de Olena, Yurii e Liudmyla, ambos com 72 anos, ficaram num dos quartos. No outro está o filho dela, de 18. Na sala ficaram o casal e a irmã dela, Tetiana, 36 anos, e as sobrinhas, Mariia, 11, e Daria, 8. Mais o cão, que também as acompanhou na viagem. É uma casa pequena para oito pessoas, mas eles preferem ficar todos juntos para já, até pela questão da língua, uma vez que só falam ucraniano. A ajuda de uma família de acolhimento podia ser uma solução, mas eles entendem que essa oportunidade deve ser dada a outros refugiados que não têm família ou amigos no Luxemburgo.
À espera do apoio do Estado
Desde que a família chegou ao Grão-Ducado, há quase duas semanas, Patrick tem sido incansável no tratamento de toda a documentação necessária. “Agora estamos a tratar de todos os processos administrativos oficiais para eles obterem o estatuto de refugiados, para que possam receber apoios”, explicou. Sem essa ajuda, tem sido difícil lidar com questões mais urgentes, como a saúde dos idosos ou a educação das crianças. Logo no primeiro dia, a mãe de Olena teve de ir ao hospital porque teve uma trombose e uma embolia pulmonar, depois de uma viagem longa de quatro dias num autocarro até à fronteira moldava e mais dois dias na carrinha até ao Luxemburgo. Esteve uns dias internada e sem o registo de saúde foi difícil conseguir os medicamentos.
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A família já está registada na comuna de Hesperange há quase duas semanas, mas ainda não tem o estatuto de refugiados. “Antes de ir para a Ucrânia, no dia 2 de março, falei com o Governo e disse que ia buscar a família. Eles mandaram-me o formulário para preencher com os dados de cada pessoa. Depois enviei para o Ministério [da Imigração] e eles deram o meu e-mail à embaixada em Praga, porque é responsável pelos ucranianos cá. Mandaram-me outros documentos para preencher e no dia 7 contactaram-me para saber se estava tudo bem e perguntaram como tinha corrido a viagem”, revelou Patrick.
Depois disso, o francês foi à comuna para os registar como residentes na sua casa. “Fiz tudo como devia ser feito, legalizei tudo, com o Ministério, a comuna, o proprietário da casa. Tenho ligado ao Ministério por causa do estatuto de refugiados, mas ninguém me responde. Estão legais, estão registados, mas ainda não têm qualquer apoio do Governo”, lamentou. Segundo o Ministério, já foram realizados cerca de três mil pedidos de proteção temporária de refugiados ucranianos no Luxemburgo. Os requerentes têm direito a 200 euros por mês e por pessoa, independentemente se estão numa estrutura do Estado ou numa família de acolhimento.
É por isso importante para a família de Olena receber este apoio o quanto antes, para que possam ajudar Patrick nas despesas da casa. “E para poderem avançar, ter os documentos, algum dinheiro, conseguirem trabalhar. Se elas saírem daqui de casa, sem dinheiro, o que é que vão comer? Elas sozinhas não conseguiam desenrascar-se”, desabafou o francês. Até agora, a ajuda que foram recebendo foi sobretudo dos colegas de trabalho dele, entre os quais o português Márcio Gomes, condutor de comboios. “Foram às compras, deram dinheiro para comida, roupas e brinquedos para as crianças. Foi uma grande ajuda”, reconheceu.
Enquanto aguardam pelo estatuto de refugiados, a grande prioridade é encontrar um trabalho para Tetiana. Na Ucrânia, a irmã de Olena trabalhava como farmacêutica e agora, apesar das dificuldades com as línguas, quer arranjar um part-time, para poder ganhar algum dinheiro para ajudar Patrick e também ter tempo para cuidar das crianças e organizar a sua vida. Para as crianças, é necessário pô-las na escola assim que possível, para que “possam sair de casa e estar com outras crianças”, disse o francês. E voltar à ginástica, modalidade que elas praticavam a alto nível na Ucrânia.
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Quando enviaram a Patrick os formulários para fornecer os dados de cada membro da família, os responsáveis disseram que ele podia registar as duas meninas na mesma folha. Depois teve de ir a Ettelbruck para as inscrever na escola e foi informado de que a mais pequena afinal não estava registada. “A maior vai fazer exames e a mais pequena será registada depois”, afirmou, lamentando que eles estejam a viver em Howald e tenham de ir até Ettelbruck para tratar dos assuntos da escola. O francês disse ainda que foi chamado para uma entrevista no dia 22, no centro de refugiados.
Por enquanto, a família vai continuar em casa de Patrick. Outra solução seria encontrar um outro espaço, disponibilizado pelo Estado, o mais perto possível, por causa da integração. Mas a intenção não é ficar e fazer uma vida no Luxemburgo. A ideia deles é ficar temporariamente e depois voltar à Ucrânia, porque ainda têm lá familiares e amigos. Tetiana telefona todos os dias para o marido para saber se ele ainda está vivo. “Têm medo que lhe aconteça alguma coisa. Eles querem voltar. Quando lhe perguntaram se as crianças queriam aprender alguma língua, a mãe perguntou porquê, se elas vão voltar. Têm tudo na Ucrânia. Tudo ficou lá”, lembrou o francês.
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Na verdade, “eles não sabem como está aquilo lá agora, não sabem se têm casa ou não, porque começaram a atacar a cidade deles”, apontou Patrick. O marido de Tetiana ainda está de reserva, à espera para ser chamado para a guerra, mas outros amigos da família já estão na linha da frente. Agora resta esperar. “Não sabemos o que vai acontecer. O pai da Olena não quer voltar se a Ucrânia for tomada pela Rússia. Nenhum deles quer”, disse ele, enquanto a mulher acrescenta: “Ucrânia é Ucrânia”.
Ainda é difícil para Patrick conseguir ver a luz ao fundo do túnel. Ter de assistir todos os dias às notícias dos ataques russos ao país da sua mulher deixa-o destroçado. “Tenho uma ligação especial com a Ucrânia. Esta é a minha família, por isso agora também é o meu país. Já estive lá três vezes. Era um país novo, que estava a crescer, a construir novos apartamentos, parques, estradas, estavam a modernizar tudo. Quando vemos o que está a acontecer é um pesadelo, porque está tudo destruído. Agora têm de recomeçar do zero outra vez…” Com a mesma resiliência de alguém que não desiste de lutar contra um cancro.