"Estupidez". Viagem de políticos luxemburgueses ao Brasil é criticada
Os bastidores do evento são surpreendentes.
© Créditos: dpa
Por Florian Javel
Uma evidência - foi assim que o deputado pirata Sven Clement, entre outros, considerou a viagem de cinco partidos luxemburgueses (CSV, LSAP, Déi Gréng, Pirata e ADR) ao Brasil para conhecer os luxemburgueses que lá vivem e de seu potencial eleitorado. “Quando recebemos o convite, parecia óbvio para nós irmos”, tinha declarado Sven Clement ao Virgule na semana passada.
Convidados pela associação dos luxemburgueses no Brasil (AcLux) a deslocarem-se a Florianópolis, capital do estado brasileiro de Santa Catarina, os partidos foram apresentar o funcionamento do Parlamento luxemburguês tendo como ponto de partida as eleições para a Câmara dos Deputados a 8 de outubro. O que ocorreu perante cerca de 600 cidadãos luxemburgueses.
Recorde-se que vivem no Brasil mais de 20 mil luxemburgueses [25.587 segundo os dados divulgados recentemente pela AcLux], dos quais cerca de 12 mil obtiveram a nacionalidade através do processo de reintegração.
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Então porque foi alvo de críticas a deslocação dos partidos políticos luxemburgueses ao Brasil?
Em causa estão, sobretudo, o impacto ambiental do meio de transporte usado e a própria utilidade da viagem em si.
Um voo para Florianópolis - situada a quase 10 mil quilómetros do Luxemburgo - não é considerado particularmente favorável à sustentabilidade climática, especialmente para participar num evento que durou apenas um fim de semana.
Na sua página de Twitter, o jornalista Laurent Schmidt contabilizou 3,5 e 4,9 toneladas de CO₂ para a viagem de ida e volta.
Nas últimos dias, os partidos tiveram de enfrentar várias críticas nas redes sociais.
"Estupidez", "hipocrisia", "dualidade de critérios"
No Twitter, várias personalidades apontaram o exemplo negativo dado pelos políticos relativamente ao respeito pelo clima. Entre essas figuras públicas, está Carole Reckinger, porta-voz política da Caritas: "Ótima ideia ir fazer campanha ao Brasil num contexto de crise climática".
Num outro tweet de uma conta satírica o Déi Gréng é acusado de “hipocrisia” e “estupidez”. Já Christophe Kemp, do Déi Lénk [partido que ficou de fora da comitiva], também teceu um comentário irónico sobre a viagem, deixando no ar a pergunta: “E quanto ao meio ambiente?”
Os críticos do impacto climático da viagem dos cinco partidos ao Brasil também tiveram resposta por parte dos políticos que viajaram para Santa Catarina. Marc Goergen, do partido Pirata, defendeu-se das acusações de Kemp no Twitter, afirmando: “Eles são cidadãos do nosso país, é normal informá-los sobre as eleições. Percorrer esta distância só é possível de avião”.
Kris Hansen, membro do Déi Jonk Gréng (a juventude d'Os Verdes), também respondeu às acusações: "Não é por a delegação ter ido ao Brasil que teríamos evitado a crise climática. Não é de admirar que não tenhamos podido evitar as crises climáticas se é esta, de facto, a base de argumentação da nossa sociedade."
Penso que fizemos bem em ir.
Piratas terão quebrado acordo
Outra das polémicas prende-se com o facto de uma proposta de videoconferência ter sido, aparentemente, recusada pelos organizadores da AcLux, conforme confirmado por diversas fontes e discutido pelos internautas no Twitter. Isso foi realmente verdade, como confessou ao Luxemburger Wort um político que quis manter o anonimato. Porém, as conversações com os membros da AcLux para esse fim teriam tido a interferência de uma das partes.
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Inicialmente, havia um acordo entre os partidos para não se realizar a viagem e haver antes o compromisso de se fazer uma videoconferência. Os Piratas, contudo, não terão cumprido esse acordo. “O Sven Clement tinha reservado a passagem aérea há muito tempo. Ele conhecia os organizadores porque já tinha estado lá no ano passado”. Ou seja, os Piratas já teriam decidido viajar para o Brasil independentemente do acordo, segundo a mesma fonte.
Além disso, numa reunião prévia, por videoconferência, entre os partidos e os organizadores, a AcLux terá feito pressão para que o evento ocorresse no Brasil. “Quase parecia uma aliança entre os Piratas e a AcLux”.
Durante essa reunião, os restantes partidos - Déi Gréng, CSV, LSAP e ADR - terão cedido e decidido seguir os Piratas, aceitando fazer a viagem. “Toda a gente foi atrás porque tinha receio de perder alguma coisa, uma vez que os Piratas iriam estar lá presencialmente”, explica a fonte anónima ouvida pelo Luxemburger Wort.
Esta versão dos factos foi entretanto negada pelo partido Pirata ao mesmo jornal . “Os Piratas não foram convidados a participar de nenhum acordo de oposição à viagem. Pelo contrário, tivemos a impressão de que os grandes partidos estavam a pressionar-nos para cancelarmos a nossa participação ”, explica Sven Clement numa mensagem ao Luxemburger Wort. Segundo o deputado, é "fundamentalmente errado" afirmar que os Piratas quebraram algum acordo.
"Os restantes elementos só precisam de ser suficientemente corajosos para admitir que não queriam a viagem, mas que voaram de qualquer maneira por medo de ficarem para trás."
Tivemos a impressão de que os grandes partidos estavam a pressionar-nos para cancelarmos a nossa participação.
O que surpreende é que o DP, juntamente com o primeiro-ministro Xavier Bettel, participaram no evento por videoconferência, como confirmaram os liberais por email ao jornal há uma semana e, entretanto, também no Twitter. Esta possibilidade não terá sido apresentada aos restantes partidos.
Num e-mail enviado na quarta-feira passada, Roberta Zuge especifica que o primeiro-ministro "só participou na cerimónia de abertura", à distância e que "o DP não fez nenhuma apresentação partidária, nem participou do debate (...) Só poderia participar online quem tivesse representante no Brasil (foi o CSV que o solicitou durante a apresentação)”.
Djuna Bernard: "Não me arrependo de ter feito a viagem"
No regresso de Florianopolis ao Luxemburgo, a copresidente do Déi Gréng, Djuna Bernard, também falou sobre a polémica. "É importante que as pessoas que votam em nós tenham um mínimo de informação à sua disposição e possam trocar impressões com os políticos", afirmou a deputada d'Os Verdes ao Luxemburger Wort.
Segundo Djuna Bernard, a realização da viagem justifica-se, uma vez que foi muito além dos limites da campanha eleitoral, tratando-se, sobretudo, de uma sensibilização para a política do país. "Temos de olhar para ela de uma forma mais abrangente".
Djuna Bernard (Déi Gréng) considera que a viagem dos partidos ao Brasil se justificou. © Créditos: Steve Eastwood
O facto é que o salão de Florianopolis, que acolheu o evento no dia 1 de abril, esteve lotado, com quase 600 participantes. "São pessoas que podem votar, que estão interessadas na política e que têm reivindicações a fazer ao Luxemburgo. Elas sentem uma ligação com o Grão-Ducado de que não tínhamos conhecimento."
Djuna Bernard não se arrepende, por isso, da viagem que fez ao Brasil. "Penso que fizemos bem em ir". Embora se tivesse falado em organizar o evento por videoconferência, "os organizadores insistiram para que o mesmo se realizasse em Santa Catarina", defende. "Era importante para eles procurarem o contacto direto connosco".
A copresidente d'Os Verdes acrescenta ainda o facto de ter "compensado" o voo de regresso do Brasil ao Luxemburgo, pagando a respetiva contribuição de compensação. "Nesse sentido, não me arrependo de ter feito esta viagem."
Artigo publicado originalmente no Luxemburger Wort e adaptado para o Contacto por Ana Tomás.