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Differdange: Quase metade dos alunos da primária e da "pré" são portugueses

Francisco tem dez anos e segunda-feira foi o seu primeiro dia de aulas na escola Fundamental do Centro, em Differdange. Chegou em Agosto ao Grão-Ducado, mas já saiu de Portugal, de Viseu, no ano passado. Primeiro esteve numa escola na Bélgica, em Athus, onde vivia, e agora começa uma vida nova no Luxemburgo.

Escola Fundamental do Centro, em Differdange. No pátio da escola, antes das oito da manhã, é em português que a gente se entende

Escola Fundamental do Centro, em Differdange. No pátio da escola, antes das oito da manhã, é em português que a gente se entende © Créditos: Domingos Martins

"Não estou muito nervoso. Já sei falar um bocadinho de francês. O que mais me custa é que em Portugal tinha muitos amigos e aqui não conheço ninguém. Mas hoje [na segunda-feira] já vi aqui na escola algumas caras conhecidas, porque jogam à bola comigo no Differdange. Mas ainda não deu tempo para fazer amizades, porque só fui a dois treinos".

Francisco está no quinto ano da escola Fundamental do Centro (antiga primária) em Differdange, mas foi no curso de acolhimento que o CONTACTO o encontrou.Como ele, há mais 22 alunos que têm cursos intensivos de francês e alemão. No máximo, os cursos de acolhimento podem prolongar-se até quatro anos, dois anos para cada língua.

"Nós aqui começamos pela língua que oferece menos dificuldade aos alunos. No caso dos portugueses é o francês. Queremos que eles aprendam, pelo menos, uma língua do país, para facilitar a sua integração", afirma ao CONTACTO Romine Pütz, uma das três professoras encarregadas do "cours d'accueil" da escola do Centro em Differdange.

Francisco e João Pedro (no canto esquerdo) são dois dos 23 alunos que este ano frequentam o curso de acolhimento na escola do Centro, em DifferdangeRegresso às aulas

Francisco e João Pedro (no canto esquerdo) são dois dos 23 alunos que este ano frequentam o curso de acolhimento na escola do Centro, em DifferdangeRegresso às aulas

"É preciso ver a evolução do aluno: há alunos que ao fim de alguns meses estão aptos; há outros que demoram mais tempo. Os que dominam correctamente a língua materna têm mais facilidade do que os outros", diz Pütz ao CONTACTO.

Francisco está sentado sozinho numa carteira da sala de aula. Na mesa ao lado está João Pedro, também português, mas do Fundão. Nem a partilha da mesma língua ajuda à conversa entre os dois alunos. Está cada um para o seu lado.

"Eu cheguei há dois anos ao Luxemburgo. Em Portugal fiz o quinto ano e quando cá cheguei fiquei outra vez no quinto. A escola aqui é muito diferente: os professores são mais rígidos e menos simpáticos do que em Portugal. Até agora tenho estado a estudar o francês. E não é fácil: há palavras que são muito difíceis", afirma João Pedro ao CONTACTO.

O Francisco e o Pedro engrossam a lista do número de alunos portugueses que frequentam as escolas da primária e pré-primária em Differdange. Num universo de 2.800 alunos, quase metade são portugueses (1.314). Um número que se reflecte na composição das salas de aula nas escolas de Differdange.

É o caso de uma turma do sexto ano da professora Viviane Habig: em 15 alunos, dez são portugueses. Depois há um cabo-verdiano, um senegalês, um servo-croata e dois luxemburgueses. "Este ano são dois". No ano passado, diz a professora, "tinha apenas um aluno de nacionalidade luxemburguesa".

"Eu exijo que dentro da sala de aula os alunos falem numa língua que seja comum a todos. Geralmente os alunos falam em luxemburguês. Se não fosse assim, a língua portuguesa seria maioritária aqui na sala. É importante que os miúdos aprendam bem uma língua, porque na medida em que e da dominam uma língua é-lhes mais fácil aprender outra".

Elsa tem 11 anos e já nasceu no Luxemburgo. É aluna do sexto ano da professora Habig. Ao contrário da maioria dos alunos portugueses, a miúda portuguesa gosta muito da língua de Goethe."Eu gosto de alemão. No ano passado, no quinto ano, senti algumas dificuldades, porque houve muitas matérias novas, mas de resto 'está-se bem'", diz a aluna ao CONTACTO.

O sexto ano da escola Fundamental é a altura crítica na vida dos alunos no Luxemburgo. É no final do sexto ano que a escola decide qual a via de ensino – secundário clássico, ou secundário técnico – que o aluno vai seguir. Para Elsa, a escolha está feita.

"Eu gostava de ser enfermeira, estudar inglês e ir para o ensino clássico. Eu sei que para ser enfermeira basta ir para o técnico, mas o meu pai está sempre a dizer que é melhor ir para o clássico porque se consegue arranjar melhores empregos. Este ano vou fazer tudo por tudo para ser escolhida para ir para o ensino clássico".

Uma tarefa que não é fácil. Este ano, dos 40.875 alunos inscritos no ensino secundário nas escolas públicas e privadas do Luxemburgo, apenas 13.007 vão para o ensino clássico. Os outros 27.868 vão para o ensino técnico.

"Não são só os portugueses que vão para o técnico", afirma a professora do sexto ano ao CONTACTO. "A maior parte dos alunos luxemburgueses também vão. A verdade é que o ensino clássico é muito teórico e exige um domínio muito grande da língua alemã. E este é o maior obstáculo à entrada dos alunos na via clássica", diz Viviane Habig ao CONTACTO.

Marcelo tem doze anos e também faz parte dos dez portugueses que frequentam as aulas da professora Habig. O rapaz de 12 anos, que chegou aos três ao Luxemburgo, só tem uma certeza: apesar de não haver Sol, o "Luxemburgo é melhor do que Portugal".

"Eu ainda não sei o que quero estudar. Tenho de decidir no final deste ano, mas ainda não pensei nisso", diz Marcelo ao CONTACTO.E o alemão? "Ah! É difícil. Alguns gostam", garante o rapaz ao CONTACTO.

NOITE MAL DORMIDA

Às sete e meia da manhã, as ruas de Differdange começam a encher-se de cor. De chapéus-de-chuva abertos, carregados de sacos recicláveis cheios de material para o ano inteiro, e vestidos com anoraques coloridos que os protegem da chuva, pais e alunos caminham pelos passeios da cidade em direcção à escola.

O recreio da escola do Centro começa a encher à medida que o toque das oito da manhã se aproxima. É a altura para pôr a conversa em dia no reencontro com os colegas do ano passado. As conversas fazem-se, maioritariamente, em português.

A verdade é que são os pais quem mais conversa. Os alunos estão encolhidos, não só pelo frio, mas também pela ansiedade que um primeiro dia de aulas provoca nos mais novos.

"Ele dormiu muito mal. Já tem oito anos, mas é sempre assim. A véspera do regresso às aulas é sempre complicada", explica uma mãe de um menino de oito anos, carregada de sacos cheios de material escolar, ao CONTACTO.

A mesma história é contada pela mãe de Melissa Costa. A menina de seis anos de idade vai entrar este ano para o primeiro ano da primária. Apesar de a menina ter um sorriso nos lábios, a noite foi para esquecer.

"Ela não dormiu nada com a excitação da entrada na escola. A minha filha já cá esteve nesta escola, mas na pré-primária. Agora a música é outra", diz a mãe de Melissa ao CONTACTO.

Oito horas. O toque dá o sinal para a entrada. Pais e alunos entram nos edifícios que abrigam as salas de aulas. A entrada é lenta. A chuva que não pára veio complicar a "rentrée": é preciso fechar os guarda-chuvas, dar espaço aos carrinhos de bebés. Tudo na maior das calmas.

Os pais e os alunos são recebidos pela professora. Uma reunião que dura pouco mais de dez minutos.No regresso são as mães portuguesas que se juntam para falarem da escola, dos problemas da escola, das professoras, etc.

"Esta escola não tem grande protecção porque está situada na rua principal da cidade e não há um portão, por exemplo, que impeça as crianças de saírem. Durante os recreios os miúdos saem da escola e atravessam a estrada para irem ao café. Até agora ainda não houve notícia de acidentes, mas eu acho que a situação devia ser alterada. A escola de Rodange, por exemplo, tem mais segurança", diz Elizabete Vieira ao CONTACTO.

E os professores? "Até agora não tem havido problema. Há dez anos que tenho filhos a estudar aqui nesta escola e elas são correctas. Também com a percentagem de portugueses que aqui há, elas não nos podem tratar mal. Somos a maior parte. Somos todos portugueses. O meu sonho era que o português se tornasse uma das línguas oficiais neste país. Mas isso vai ser difícil", remata Elizabete Vieira ao CONTACTO.

Domingos Martins

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