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ReportagemAlterações climáticas

Como a seca está a mudar o Luxemburgo

Este verão foi o mais seco dos últimos 100 anos no Grão-Ducado. E o segundo mais quente desde que há registos. Na floresta, riachos secaram e árvores morreram. Na cidade, jardins perderam a relva e o verde deu lugar ao castanho mais cedo do que o habitual. As reservas de água potável podem estar em risco em algumas comunas. Até a produção do vinho poderá mudar devido ao novo clima. Especialistas admitem que estes fenómenos vão continuar a acontecer nos próximos anos. E que vão mudar o Luxemburgo tal como o conhecemos.

Jornalista

Vídeos: Christophe Olinger

A morte da floresta

Enquanto conduz pela floresta dentro, Christophe Hissler vai apontando para algumas das árvores. Estão despidas de folhas, magras e sem cor. A morrer de sede. No meio de uma paisagem triste. Ele pára o carro no fundo do bosque, ao lado de um pequeno riacho que está completamente seco. Ali não há qualquer vestígio de água. Só se veem equipamentos e aparelhos espalhados por toda a parte. Estamos na bacia hidrográfica experimental de Weierbach, aquela que é a mais estudada e a que está mais equipada na bacia do rio Alzette, no noroeste do Luxemburgo, junto à fronteira com a Bélgica.

O trabalho de investigação naquela área de 450 mil metros quadrados – cerca de 50 hectares –, inteiramente coberta por floresta, começou há 22 anos, com o objetivo de melhor compreender o funcionamento dos sistemas hidrológicos. Por outras palavras, aqueles aparelhos medem o nível da água em cerca de vinte áreas de captação de quinze em quinze minutos. Isto permite aos investigadores do Instituto de Ciência e Tecnologia do Luxemburgo (LIST) desenvolver modelos relevantes em relação à evolução ou dinâmica hidrológica e perceber como estas bacias responderão a um clima não estacionário.

Christophe é um dos responsáveis do projeto. Para o geoquímico ambiental de 51 anos, aquele sítio experimental é "bastante único no mundo" em termos de parâmetros que podem medir continuamente. "Temos atualmente entre 100 e 150 sensores colocados em toda a área de captação que nos permitem monitorizar a quantidade de chuva que cai, o impacto no crescimento das árvores e no escoamento, ou seja, a chuva que é intercetada pelas árvores e depois cai no chão", explica. Desta forma, é quantificado o nível do lençol freático das águas subterrâneas até ao nível da água do rio.

Nos últimos anos, os investigadores assistiram a dois fenómenos. Um deles, admite Christophe, já era de esperar. "Desde 2015, temos tido secas sucessivas, exceto no ano passado, que foi um ano extremamente húmido. Vemos que no verão a quantidade de água no solo está a diminuir gradualmente. E assumimos que isto pode estar associado às sucessivas secas que têm cada vez mais esgotado o solo de água". O segundo fenómeno – e este eles não esperavam – é que também no período de inverno existe um efeito de seca.

Em anos normais, pode ver-se a água do riacho a fluir até ao Attert, um afluente do Alzette, durante o inverno. Mas, devido à seca, os cientistas têm observado a diminuição da altura do lençol freático. "Antes de 2015, tinha cerca de 4,20 metros de profundidade. Em 2019, atingiu 6,25 metros, o que significa que existe uma diferença de dois metros ao longo de cinco anos de monitorização", revela Christophe, enquanto caminha pelo riacho seco. É início de setembro e ele ainda não sabe as medidas deste ano, mas pode prever o pior. "Foi uma seca extremamente violenta. Não apenas para o solo, mas também para as árvores. Podemos esperar ver níveis de águas subterrâneas nunca antes atingidos nesta bacia hidrográfica".

O que também interessa aos investigadores é estudar a relação entre a saúde das árvores e o ciclo da água e compreender como é que estas são capazes ou não de sobreviver a eventos de seca. Enquanto Christophe fala das consequências que a falta de precipitação tem provocado no solo, o colega Stanislaus Schymanski, especialista em árvores do LIST, está a usar um dispositivo para observar as folhas. "Com este aparelho consigo medir a quantidade de água que as árvores perdem e quanto CO₂ (dióxido de carbono) retiram da atmosfera. É assim que elas crescem", diz o investigador de 48 anos, com um olhar fascinado pelo seu trabalho.

Tal como nós, recorda, as árvores precisam de água para sobreviver. Se não quiserem perder água, têm de fechar as folhas e, assim, não conseguem absorver o CO₂ e não crescem. O que acontece é que, quando a procura de água é maior do que a oferta, elas entram em stress hídrico. "Porque fecham as folhas, mesmo que haja luz. Isso acontece tanto na floresta como na cidade. Mesmo com as chuvas esporádicas, demora algum tempo a reverter esta situação, porque a água precisa de chegar às raízes e leva vários dias até chegar às folhas. É um transporte muito lento", descreve Stanislaus.

Mais acima na floresta, os dois investigadores vão caminhando entre árvores da espécie Picea abies, popularmente conhecida como Espruce-da-Noruega. De cabeça erguida, eles comparam os diferentes exemplares e tocam nos troncos, espreitando por baixo da casca à procura dos escaravelhos negros que se alimentam das partes vivas. "Podemos ver que algumas folhas estão secas. A maior parte das árvores está a morrer. Os ramos estão completamente destruídos, já não têm folhas. Foram cinco anos de seca. É interessante ver como ao longo do tempo ficaram cada vez mais estreitas. Algumas já morreram este ano", comentam entre eles, num certo tom de melancolia.

Stanislaus e Christophe têm observado diferentes florestas para tentar compreender o que tem causado a morte das árvores. A hipótese mais provável, admitem, é que elas morrem porque secam. Mas pode haver outra justificação, sugere o especialista da área. "Já vi muitas provas de que é realmente o calor que mata as folhas. Quando o sol atinge a folha, aquece tanto que arde. Não é apenas a seca em si, mas a combinação entre as ondas de calor e a seca que realmente mata as árvores", afirma Schymanski.

Uma das técnicas que os cientistas utilizam para analisar o estado das árvores é colocar um equipamento ao redor do tronco que permite medir a cada 15 minutos quanto é que este estreitou ou aumentou, assim como a sua respiração. Stanislaus pára junto a um espruce para explicar esse processo. "Todos os dias devia transpirar, mas agora já não está viva. Quando está em stress hídrico, consome água do tronco e começa a emagrecer cada vez mais e não cresce, porque já não há água que venha do solo. Fica cada vez mais esmagada". Quando os vasos no interior se esvaziam de água, já não podem voltar a encher e a árvore morre. Mesmo se chover, a água já não pode ser transportada para cima.

Quando o sol atinge a folha, aquece tanto que arde. Não é apenas a seca em si, mas a combinação entre as ondas de calor e a seca que realmente mata as árvores.
Stanislaus Schymanski, investigador do LIST

A conclusão dos investigadores é clara: a floresta está a morrer. E a principal razão é a seca extrema que tem afetado o Luxemburgo e a Europa nos últimos anos. Christophe explica este fenómeno com base em quatro níveis. O primeiro é o que ele chama de seca meteorológica, quando a quantidade de água que cai do céu já não é suficiente. Isso irá gerar uma seca hídrica no solo, o que significa que este já não terá água suficiente para satisfazer as necessidades das plantas. O que vem a seguir é uma seca hidrológica, ou seja, as águas subterrâneas começam a diminuir e os cursos de água secam.

No quarto e último nível, temos uma seca socioeconómica. E esta afeta-nos a todos, reflete o cientista. "Toda a cadeia de secas terá um impacto direto nas atividades humanas. Neste caso, será principalmente a morte da floresta. Portanto, perda da qualidade da madeira, perda do crescimento das árvores e, claro, perda da biodiversidade. Porque, quando existe seca, muitos mecanismos dos ecossistemas deixam de funcionar". Para Christophe e Stanislaus, isto significa o fim deste tipo de floresta no Grão-Ducado.

Um país com febre

Os efeitos da seca deste ano não são apenas visíveis na floresta. O parque de Kinnekswiss, no coração da capital, é talvez o exemplo mais chocante dessa realidade. Um dos espaços verdes da cidade que mais se enchia de gente nos meses da primavera e no início do verão foi-se transformando num longo tapete castanho, feio, vazio de relva e de pessoas. Uma imagem dececionante para quem ali antes encontrava um local de bons momentos com a família e amigos nos dias de sol.

Questionada sobre o estado do parque, a Comuna da Cidade do Luxemburgo justificou a deterioração do relvado pelo facto de este estar na sua maioria diretamente exposto ao sol, embora rodeado de árvores. Devido à seca contínua, o município não regou a relva e contava com a chuva para regenerar o tapete do Kinnekswiss. Além disso, a autarquia prometeu no final de agosto que, a fim de garantir a atratividade do parque, iria renovar o relvado num "futuro próximo".

Os alertas sobre os efeitos da seca prolongada repercutiram-se um pouco por todo o país durante o verão. No início de agosto, o Ministério do Ambiente e a Administração da Gestão da Água falavam de uma "situação crítica", em que os cursos de água tinham níveis extremamente baixos, alguns dos quais estavam já completamente secos. O norte do país era mais afetado do que a região sul, sendo que as trovoadas e as chuvas locais de nada serviam para mudar a situação.

No final desse mês, o Observatório Europeu da Seca estimava que esta fosse a pior seca em pelo menos 500 anos. Os investigadores descobriram que quase metade da Europa estava em risco de alerta, incluindo o Luxemburgo. Na altura, já tinham sido emitidos avisos de seca para 47% do território europeu, sendo que a situação era considerada alarmante em 17% da terra. Isto teve um forte impacto negativo nas colheitas de verão, sobretudo no milho, na soja e nos girassóis.

O alarme não se ficou por aqui. No início de setembro, o Ministério da Agricultura divulgou o balanço meteorológico dos três meses anteriores. A principal conclusão era arrebatadora: este foi o verão mais seco dos últimos 100 anos no Grão-Ducado. Os especialistas reuniram dados de uma "rede de 36 meteorológicas automáticas de todas as regiões do Luxemburgo" e comparam os valores de quatro delas com os valores médios do período entre 1991 e 2020, concluindo que este foi "o verão mais seco desde 1921 e o sétimo mais seco desde o início dos registos em 1845".

Para Andrew Ferrone, climatologista e diretor do serviço meteorológico da Administração dos Serviços Técnicos da Agricultura (ASTA), entidade responsável pelo dito relatório, o verão de 2022 foi de facto "excecional" no que diz respeito à seca. "Podemos mesmo dizer que é sem precedentes. Embora não seja inédito na temperatura. Na realidade, é apenas o segundo verão mais quente desde 1838, desde que temos registos. O verão de 2003 foi mais quente. Ainda assim, vemos uma acumulação de verões e de anos mais quentes", refere o perito.

Esta é uma indicação clara de que, de facto, as alterações climáticas estão a acontecer e também acontecem no Luxemburgo.
Andrew Ferrone, climatologista

Se dúvidas houvesse em relação à mudança do clima, Ferrone dissipa-as com o facto de que os dez anos mais quentes alguma vez registados no Grão-Ducado aconteceram todos nas últimas duas décadas. "Isto é uma indicação clara de que, de facto, as alterações climáticas estão a acontecer e também acontecem no Luxemburgo", garante o especialista, que é o representante do país na Organização Meteorológica Mundial da ONU. Além das ondas de calor, também houve uma precipitação muito baixa, não só durante o verão, como na primavera.

O facto de este ser apenas o sétimo verão mais seco desde 1845 e os outros seis terem acontecido há mais de 100 anos não significa, porém, que a situação fosse pior nessa altura do que agora. "O que é importante compreender é que naquela época, quando tínhamos verões com menos chuva ainda do que estes, as temperaturas não eram de longe tão altas como são hoje. Assim, ter o segundo verão mais quente desde que há registo e o verão mais seco desde há mais de 100 anos cria uma seca sem precedentes no Luxemburgo", afirma Ferrone.

Andrew Ferrone é climatologista e diretor do serviço meteorológico da Administração dos Serviços Técnicos da Agricultura.

Andrew Ferrone é climatologista e diretor do serviço meteorológico da Administração dos Serviços Técnicos da Agricultura. © Créditos: DR

O climatologista adverte, porém, que este é apenas um dos extremos que têm afetado o país nos últimos anos, dando o exemplo das cheias de julho do ano passado, que foram as piores da história do Grão-Ducado. "Podemos ver de facto os dois extremos do ciclo da água, que estão a aumentar no Luxemburgo. De um lado, temos a precipitação extrema. Nos últimos 60 anos, tivemos em média mais cinco dias por estação com fortes precipitações. Vemos que está a aumentar no inverno e a diminuir na primavera", analisa.

Do outro lado, temos a seca extrema. Ferrone dá como exemplo o período 1961-1990, em que os meses em que se verificaram regularmente secas eram junho e julho. Em comparação com os últimos 30 anos, os especialistas verificaram que em quase todos os meses, exceto dezembro e janeiro, há períodos de seca no Luxemburgo. Portanto, em 10 dos 12 meses do ano, reforça. "Há uma evolução muito forte na situação de seca e isto deve-se principalmente ao facto de as temperaturas terem vindo a aumentar de forma bastante significativa".

Vemos mudanças climáticas claras no Luxemburgo. Pode não parecer muito, mas, se pensarmos na febre, estar com 38 ou 39,5 graus é muito diferente.
Andrew Ferrone, climatologista

Desde a época pré-industrial, as temperaturas subiram 1,5 graus no Grão-Ducado. Isto explica porque é que os solos agrícolas, mas também os solos em geral, estão a secar muito mais rapidamente quando não há chuva, como foi o caso este ano, reflete o perito, que compara esse aumento com uma febre. "Vemos mudanças climáticas claras no Luxemburgo. Pode não parecer muito, mas, se pensarmos na febre, estar com 38 ou 39,5 graus é muito diferente. Com 38 não é normalmente um grande problema. Talvez fiques em casa durante um ou dois dias. Mas se tiveres 39,5, torna-se uma situação de risco de vida".

Ferrone não tem dúvidas de que as temperaturas vão continuar a aumentar ao longo dos próximos 30 anos, pelo menos. Tanto a nível mundial como no Luxemburgo. Isto significa que a seca e a precipitação extremas também vão continuar a aumentar. O tempo de agir é agora. "O que acontece depois depende das ações que tomarmos agora. Se conseguirmos reduzir globalmente as emissões de gases com efeito de estufa em 50% até 2030 e chegarmos a zero emissões de CO₂ até 2050, que é a condição para atingir a meta de menos 1,5 graus a nível global, nesse caso a temperatura poderia parar de aumentar", estima.

Gerir a água e o vinho

Uma das maiores preocupações que a grave seca despertou – se não a maior – foi o possível impacto no abastecimento de água potável no Luxemburgo. Cerca de 50% da água potável do país provém das suas águas subterrâneas. A outra metade vem do lago Haute-Sûre, a qual é tratada na estação de tratamento de Eschdorf. Este fornecimento é garantido sem qualquer problema. No entanto, as águas subterrâneas só são recarregadas durante o período de Inverno. Assim, a situação pode tornar-se crítica em algumas regiões do país, uma vez que existem comunas que não estão ligadas a uma associação de água potável e dependem das suas águas subterrâneas para o abastecimento e distribuição.

Nas alturas em que o pico de consumo excede o que as infraestruturas subterrâneas dos municípios podem transportar, existem diferentes medidas que podem ser tomadas. "Como por exemplo a fase de sensibilização e de vigilância e depois as fases laranja e vermelha, que podem ser decretadas. Em cada fase, há uma gradação do que pode ou não ser feito para tentar reduzir o consumo e evitar chegar a uma situação em que não haja água potável suficiente disponível", explica Jean-Paul Lickes, diretor da Administração de Gestão da Água, que está sob a tutela do Ministério do Ambiente.

Cerca de 50% da água potável do país provém do lago Haute-Sûre, que é tratada na estação de tratamento de Eschdorf.

Cerca de 50% da água potável do país provém do lago Haute-Sûre, que é tratada na estação de tratamento de Eschdorf. © Créditos: Marc Wilwert

O responsável reconhece que foram decretadas, este ano, fases laranja a nível local. Um dos motivos pode ser, por exemplo, a atividade turística, como o campismo. "De repente, uma comuna tem mais 500 habitantes. Há um grande consumo de água e isso cria situações críticas no verão", justifica. O que a Administração tenta fazer é nivelar os picos de consumo para ter uma melhor gestão dos recursos disponíveis entre as comunas. A fase crítica é muitas vezes atingida antes das férias coletivas do setor da construção, porque é uma indústria que consome muita água.

Quando as férias começam, verifica-se uma queda acentuada no consumo, porque o número de habitantes diminui e a atividade económica também. "Mesmo que agosto seja muito quente, não é nesse mês que temos o maior consumo na rede de água potável. Em geral, é frequentemente o mês de julho o mais crítico", admite Lickes, lembrando que, com menos água, é necessário gerir o que se faz hoje com uma quantidade menor. O que realmente preocupa a Administração é o facto de a seca estar a diminuir a infiltração da água no subsolo e, em consequência, a afetar as águas subterrâneas, que, por sua vez, são "importantes para a saúde das nascentes".

Lickes nota que essa infiltração já não é feita da mesma forma que era feita há vinte ou trinta anos. "Assim, é altamente improvável que consigamos manter uma mistura 50-50 de água potável. A dada altura, talvez sejam 60% de águas superficiais e 40% de águas subterrâneas". Isso provocará uma mudança, porque, segundo o responsável, além de termos de poupar água potável, também será necessário procurar outras fontes para o tratamento dessa água, o que pode ser um "problema".

A solução, revela o diretor da Administração, passará pela renaturalização dos cursos de água, que tornaria possível a sua capacidade de autotratamento. Isto porque os cursos de água podem tratar-se a si próprios e melhor do que qualquer outra forma. "Estamos a colocar muita esperança nisto. É realmente importante adotar uma abordagem muito mais sistemática dos cursos de água porque é a forma de poder avançar na direção certa para os tornar mais resistentes às alterações climáticas", conclui Lickes.

Além da gestão da água potável, a seca também gerou preocupação no setor da produção dos vinhos. O aumento das temperaturas durante os meses de verão levou os investigadores do LIST e do Instituto de Viticultura (IVV) a examinar o provável impacto nos viticultores da região do Moselle. Em Remich, existe uma vinha experimental com cerca de cinco hectares à volta do edifício do IVV, com 45 tipos de vinha diferentes que são testados para responder às perguntas dos produtores.

O que o investigador Daniel Molitor tem vindo a notar é que longos períodos sem chuva, como se verificou este verão, são um problema particular, uma vez que as videiras jovens necessitam de água para cultivar raízes longas para penetrar no solo. Entre as vinhas daquele sítio experimental em Remich, ele vai mostrando os efeitos da seca nas folhas, parando junto a uma das plantas. "Esta é bastante jovem. Penso que foi plantada em 2016. Nesta parte do campo, parece que as raízes não são suficientemente profundas para chegar à água e estes são os sintomas típicos do stress hídrico nas uvas. As folhas mais velhas já caíram", aponta, com algumas dessas folhas nas mãos.

Já as uvas continuam a ser mais pequenas e parcialmente duras. Isso acontece porque, sem o açúcar suficiente produzido pela fotossíntese, as uvas não ficam completamente maduras. E, nesse caso, já não podem ser utilizadas para a produção de vinho. "O maior problema da seca pode ser que não produzam a variedade normal de aroma", nota Molitor, garantindo, porém, que nem todas as vinhas estão com o mesmo aspeto do que aquela. "Não tenham medo de que não haja bom vinho. Haverá vinhos bastante bons este ano. Mas nas vinhas onde não há água suficiente, poderá ser um pouco mais problemático".

Uma das questões a que os investigadores têm que responder é como é que esse problema pode afetar a produção do vinho. Para Molitor, será um grande desafio, porque precisamos de estar preparados para verões secos, mas também para verões húmidos. "Não podemos prever. Existem algumas previsões sazonais, mas não são muito precisas. Não tenho uma solução para isto, por isso é um grande desafio ter o solo gerido onde é possível produzir uvas de alta qualidade, tanto em anos secos como húmidos", reflete o especialista de 43 anos, que trabalha no LIST há 13.

A região do Moselle construiu nos últimos anos uma reputação de excelentes vinhos brancos, mas as alterações climáticas tornam a preservação das uvas necessárias para esse tipo de vinho cada vez mais difícil. Poderá isso significar uma maior produção de vinho tinto? "Pode ser uma opção, mas não a solução para toda a região", esclarece o investigador, que acredita que se deve continuar a concentrar nas vinhas clássicas, adaptando ao terreno. "Não é uma solução para o problema da seca, mas poderia ser uma opção ter alguns vinhos de uvas com amadurecimento posterior, com condições um pouco mais frescas. Isto é normalmente bastante bom para os vinhos".

Outra opção para combater as alterações climáticas é adotar novas vinhas que foram testadas naquele sítio experimental e que são resistentes contra doenças fúngicas e se podem pulverizar menos. "Esta é, para mim, talvez a estratégia de adaptação mais interessante", revela Molitor, defendendo a aposta na produção tradicional da região. "A vantagem para os vinhos do Moselle é que eles têm esta leveza, frescura e frutuosidade que não pode ser produzida em regiões muito mais quentes. Devemos concentrar-nos na adaptação que torna possível manter esta tipicidade no futuro".

A luta contra o tempo

Os efeitos que a seca extrema provocou não só no Luxemburgo, como em toda a Europa, são evidentes. As previsões para o futuro não são risonhas. Os especialistas falam numa urgência climática e temem uma luta contra o tempo para reverter a situação. Andrew Ferrone acredita que, a fim de limitar o impacto das alterações climáticas, é necessário, em primeiro lugar, uma "forte mitigação" das mesmas. "Isto significa que temos de reduzir as nossas emissões de gases com efeito de estufa e especialmente de CO₂ o mais rapidamente possível", alerta o climatologista.

O que a lei luxemburguesa sobre o clima diz é que temos de reduzir as emissões de gases em 55% até 2030 e tornarmo-nos neutros para o clima até 2050. Para alcançar esse objetivo, as ações do comum cidadão são "muito importantes", garante Ferrone. "Todos podem contribuir para isso. Foi demonstrado que 50 a 70% das reduções necessárias podem vir do lado humano. Isto inclui, por exemplo, mudanças comportamentais". Um dos exemplos mais óbvios, diz, é o dos transportes, que são um grande fator de emissão de gases no Luxemburgo. "Uma mudança para um transporte público poderia ajudar muito, assim como a mudança para um carro elétrico".

Existe também a questão da habitação, "outro grande fator de emissão" no Grão-Ducado. Neste caso, explica o perito, uma das possibilidades para reduzir as emissões seria optar por uma habitação com um "aquecimento mais eficiente", especialmente se forem à base de combustíveis não fósseis. No setor agrícola, as mudanças de dieta também podem ajudar, a fim de reduzir o consumo de carne. "Não temos de nos tornar todos vegetarianos, mas reduzir o consumo de carne também pode ajudar a enfrentar a mudança climática", assegura.

Todos podem contribuir para isso. Foi demonstrado que 50 a 70% das reduções necessárias podem vir do lado humano. Isto inclui, por exemplo, mudanças comportamentais.
Andrew Ferrone, climatologista

Este é o lado da mitigação, mas, para Ferrone, é também essencial que nos adaptemos às mudanças que já estão a acontecer e que continuarão a acontecer no futuro. Numa base individual, um bom ponto de partida, sugere o especialista, é, por exemplo, o isolamento das casas, que pode ajudar durante as ondas de calor. Outra solução interessante é também a ecologização dos jardins, porque "ajuda a combater as alterações climáticas, retirando o CO₂ da atmosfera, mas, ao mesmo tempo, permite reduzir a temperatura à volta da casa".

Estes são apenas alguns exemplos de que todos podem realmente contribuir para ajudar a mitigar e adaptar às alterações climáticas. No caso da água potável, também há ações que podemos tomar para evitar o desperdício. Jean-Paul Lickes afirma que essa mudança começa pela sensibilização. "Tentamos sensibilizar as pessoas para a necessidade de poupar água potável através de gestos muitas vezes simples e ao mesmo tempo muito mais sensíveis agora do que há dez ou quinze anos, em relação à água em geral, mas também em relação à água potável".

O diretor da Administração de Gestão da Água acredita que as pessoas estão mais sensíveis a esta questão devido a uma espécie de pressão a que ele chama de "pressão do vizinho". Por exemplo, quando alguém deixa de regar o relvado do jardim ou passa a regá-lo à noite à mão, de modo a que a relva continue verde, se o seu vizinho vir isso, vai pensar duas vezes. "Penso que existe uma certa dose de solidariedade. Quando dizemos que entramos numa fase crítica do ponto de vista do recurso de água potável, existe uma consciencialização e as pessoas são mais cuidadosas", salienta.

Essa gestão não depende, no entanto, apenas do comportamento do cidadão comum. As autoridades governamentais e as instituições também têm um papel importante a cumprir. Lickes refere a parte educacional, lembrando que existe uma ação nas escolas primárias e secundárias para falar sobre a água, como se pode poupá-la e o que se pode fazer para não a poluir. Depois, há também o trabalho em conjunto com os municípios. "Esse está mais relacionado com a resiliência do próprio sistema técnico que não devemos perder de vista. E em que temos de investir, porque estamos bem cientes de que este país ainda está a desenvolver-se", admite o responsável.

Quando dizemos que entramos numa fase crítica do ponto de vista do recurso de água potável, existe uma consciencialização e as pessoas são mais cuidadosas.
Jean-Paul Lickes, diretor da Administração de Gestão da Água

A Administração tem também um "plano muito ambicioso" para os novos grandes complexos habitacionais a fim de reduzir o consumo per capita por dia. A ideia passa por reutilizar a água que nos chega a casa pelo menos "duas ou mesmo três vezes", antes de esta ir para a estação de tratamento. "Por exemplo, posso consumir água que é de qualidade potável, mas, se tomar um banho, também posso tratar rapidamente esta água e utilizá-la para a descarga". Desta forma, observa Lickes, poupa-se água, mas também dinheiro. "Porque o preço da água irá provavelmente aumentar nos próximos anos ou décadas. É uma forma de respeitar mais este produto e de ter esta ideia de economia circular".

A grande mudança deve acontecer, porém, na floresta. Uma das vias a considerar, na opinião de Christophe Hissler, é pensar em ter maior diversidade e uma gestão florestal diferente, com misturas de espécies de árvores de várias idades, que permitirão o acesso a diferentes recursos hídricos para melhor distribuir a água por cada árvore. "Se olharmos agora para o risco de eventos de seca como este, que é certamente o mais intenso alguma vez registado neste tipo de ecossistema, a primeira sensação que temos ao olhar para os nossos dados é que para algumas das espécies arbóreas pode ser bastante interessante", nota o especialista.

Iremos certamente atingir níveis de adaptação das árvores ou níveis de conteúdo de água que vão além da capacidade de adaptação de um grande número de espécies.
Christophe Hissler, investigador do LIST

Ali na bacia hidrográfica experimental de Weierbach, apesar do riacho estar seco, ainda existe um reservatório de água suficientemente próximo da superfície do qual as raízes ainda poderiam extrair recursos. No entanto, se nos deslocarmos mais para sul, a questão surgirá de forma diferente. "Nessas áreas mais desenvolvidas em solos argilosos e extremamente secos, a reserva de água é limitada. Por outras palavras, iremos certamente atingir níveis de adaptação das árvores ou níveis de conteúdo de água que vão além da capacidade de adaptação de um grande número de espécies", prevê Christophe.

Naquele local onde os espruces estão a morrer, o que vai acontecer é que a floresta vai ser cortada e vão plantar outra coisa, afirma Stanislaus Schymanski. No entanto, ele reconhece que vai ser difícil plantar novas árvores ali, porque começar do zero é sempre mais complicado do que deixar a floresta crescer naturalmente. "Não sei o que vão plantar, mas certamente não serão espruces. Irá provavelmente mudar para uma floresta de faias ou de carvalhos. Metade destas árvores estão mortas e nas florestas de faias não se vê um grande efeito da seca".

O cientista não acredita que aquele tipo de floresta volte a existir naquela parte do Luxemburgo, porque as secas são muito frequentes. "Se olharmos para Espanha ou Portugal, vemos que plantaram eucaliptos em muitos sítios e saíram-se bastante bem. Vai haver uma transição. Menos água não significa que não possa haver floresta. Mas este tipo de floresta não é adequado para o tipo de clima que parece termos agora", analisa Schymanski. O problema é que o solo é desenvolvido juntamente com a floresta, mas demora muito mais tempo. "Levaria provavelmente 100 anos para que o solo se ajustasse a uma nova floresta. Temos de ter muito cuidado quando mudamos de um tipo de floresta para outro".

Por se tratar de uma floresta plantada, não é autossustentável e provavelmente não se rejuvenescerá, afirma o especialista. Agora resta decidir para onde queremos ir. "Se deixarmos as coisas como estão, é muito incerto o que irá acontecer, porque durante o tempo até que as novas árvores se estabeleçam, podemos apanhar erosões e as coisas podem ir de uma forma descontrolada", alerta. Além disso, é também importante pensar no valor social destes espaços. "Queremos ser capazes de vir à floresta e desfrutar. Penso que há uma forma de encontrar um equilíbrio". Agora que o verão chegou ao fim, o Luxemburgo pode respirar de alívio. Mas a luta contra a seca está apenas no início.