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Clientes pagam entre 22 e 45 euros pelo mesmo trajeto. Taxistas não se entendem sobre a lei atual

Depois de o ministro da Mobilidade e Transportes Públicos, François Bausch, ter revelado na semana passada as discrepâncias das bandeiradas, o Contacto foi para a rua falar com os trabalhadores do setor. Preços, fila única, zonas fixas e horários são alguns dos problemas apontados.

© Créditos: Guy Jallay/Luxemburger Wort

"Estou aqui há quase duas horas e acho que vou ficar mais uma hora à espera de algum cliente", começa por dizer Laid Fakchich, francês de Longwy e taxista há oito anos no Luxemburgo. O seu Mercedes Benz, pertencente a um pequeno empresário do setor, é o sexto de uma das duas filas da praça de táxis em frente à estação de comboios da cidade do Luxemburgo. "Já viu isto? O mais razoável é uma fila e não a vergonha das duas filas que temos aqui.

Às vezes há conflitos entre taxistas, porque o cliente chega, escolhe o táxi e diz que quer ir até Bonnevoie. Como é aqui ao lado, o taxista diz-lhe, 'apanhe o da frente'. Mas se o cliente vai para Esch, ele aceita. Isto abre a porta aos espertalhões", critica o taxista francês.

A paragem de táxis está cheia. Nos outros táxis, há quem esteja à espera também sozinho, a ouvir rádio. Outros, aproveitam o sol, enquanto conversam em pequenos grupos. Alfredo (nome fictício) está três carros atrás de Laid, com os vidros fechados a ver o tempo passar, também num Mercedes do patrão. Trocou a cidade da Maia pelo Luxemburgo em 2014. Era diretor de uma empresa no norte de Portugal e, com a crise, decidiu emigrar com a mulher. "Temos de trabalhar", diz Alfredo, que passou a ser taxista há cinco anos.

Do "pouco tempo" que leva no setor consegue ver o que está bem e o que está mal. "As mudanças permitiram tirar as pessoas que estavam com táxis ilegais, o que é bom, mas em contrapartida aumentou os legais. Antes [da nova lei de 2016] havia cerca de 150 táxis nesta zona e agora são perto de 400. Com isto, temos menos trabalho.

Além disso, enquanto uma pessoa vem para aqui às 7h da manhã à espera de fazer a sua corrida, chega outro às 8h ou às 9h e em cinco minutos carrega. E nós? Ficamos ainda à espera. Acho muito mal, porque todos trabalhamos para termos o nosso ordenado ao fim do mês. Devia respeitar-se a ordem de chegada, como antes", defende o imigrante português.

© Créditos: Pierre Matgé

"Não temos defesa"

A nova lei dos táxis entrou em vigor a 1 de setembro de 2016, com algumas novidades. Por exemplo, o cliente passou a poder escolher o táxi, passou a haver seis zonas no país, acabou-se com os táxis ilegais e o preço foi liberalizado. Mas nem todos os trabalhadores do setor estão contentes.

"O ministério [da Mobilidade e dos Transportes Públicos] devia mandar esta lei para o lixo, fazer uma lei justa para todos e não estar submetida aos dois grandes lobbies: a Emile Weber, com os webtáxis, e a Colux, do patrão da Federação dos Táxis, que deveria defender os nossos interesses. Como trabalhadores, não temos defesa, não temos sindicatos, não temos uma associação e acabamos por ser as vítimas", aponta Laid Fakchich.

Principais números de 2018.

Principais números de 2018.

"Veja o caso dos Webtaxis, aderentes à empresa Emile Weber. Eles vêm de outras zonas e não saem daqui, da capital, que é a zona 1. Alegam que vêm para fazer um trajeto com reserva, mas não regressam depois às respetivas zonas. Como não podem estacionar nas praças desta zona, andam a rodear com o pretexto de que fazem parte dos webtáxis. Nós, os táxis oficiais, estamos sempre a ser controlados, mas os outros nem por isso. Eles estão a tirar-nos o trabalho só porque são mais baratos" queixa-se.

"Mas há outros ainda mais baratos que os Webtaxi. Olhe, como aquele ali do outro lado da fila, os novos Taxiapp [uma espécie de Uber, mas com taxistas com licença]", diz Laid, apontando com o dedo, enquanto o motorista do Taxiapp carrega as malas de dois passageiros.

"Às vezes estamos à espera duas ou três horas e as pessoas preferem escolher esses mais baratos. As mudanças feitas foram negativas. Seria melhor e mais justo ter o mesmo preço para todos", defende o francês.

Alfredo também está descontente com a liberalização dos preços. "Não melhorou nada. A nível de preço, penso que devia haver um preço médio fixo, porque trabalhamos para o mesmo, mas como está livre, cada um faz o que quer. Há uma concorrência desleal. Preços diferentes criam até mais confusão para os clientes que, apanhando um táxi qualquer, podem pensar que estão a ser roubados. Neste trabalho há essa sensação", desabafa.

O ministério devia mandar esta lei para o lixo, fazer uma lei justa para todos e não submetida a lobbies.

Outra das queixas é o horário de trabalho. Laid diz conhecer casos de colegas que fazem 16 horas por dia, aumentado a "concorrência desleal". "Terminam lá para as 23h ou meia-noite no aeroporto, quando há o último voo, e depois vêm aqui para a gare, onde estamos. Eu faço o meu horário normal, mas essas pessoas, depois das suas oito horas legais vêm ainda tirar-me clientes no meu horário de trabalho. É trabalho 'a negro' e também com gente reformada, com pessoas que estão a receber o subsídio de desemprego", acusa Laid Fakchich, desafiando as autoridades a fazer "mais fiscalizações".

© Créditos: Guy Jallay

"O Webtaxi dá-me clientes a toda a hora"

Jorge P. é um dos visados pelos "taxistas oficiais". Está no setor "há um ano e tal" e conduz um dos sete táxis elétricos, cor de laranja e branco, pertencente a um patrão que aderiu ao serviço da empresa Emile Weber. Tem um salário base, que "está no limite para pagar as contas", mas consegue um salário "confortável" ao fim do mês, graças às comissões. "Como estou motivado e não paro, consigo uma comissão razoável ao fim do mês, o que me deixa tranquilo", revela.

Isto porque Jorge está "sempre" na capital, zona 1, apesar de o seu táxi pertencer à zona 2, dos cantões de Capellen e Esch-sur-Alzette. "Tenho as minhas reservas e ando mais nessa zona porque é onde há mais trabalho. Como não posso estacionar nas paragens de táxi da zona 1, ando às voltas", conta.

"O Webtaxi dá-me clientes a toda a hora. Desde que eu tenha uma reserva ou chamada, posso estar em qualquer zona. Os outros taxistas já sabem que o sistema é assim e às vezes reclamam. Mas no meu caso, trabalho com uma aplicação no telemóvel que regista tudo, desde a hora que é para apanhar o cliente ao destino. A 'douane' [agentes alfandegários] pode fazer controlo disso e eu já fui controlado por eles uma vez. Tinha a minha reserva no telefone, mostrei e foi tudo. Agora, se eu não tivesse reserva, poderia ter de pagar uma multa a partir dos 250 euros", garante.

Jorge trabalha com um dos táxis 'Eco', com preço médio a 29,50 euros por dez quilómetros. Apesar das diferenças com respeito aos "taxistas oficiais", Jorge também gostaria de ver introduzida "uma regra com um preço fixo para todos", para evitar os "exageros que chegam a quarenta e tal euros".

© Créditos: Guy Jallay

20 bandeiradas diferentes

De acordo com o ministro que tutela os transportes, François Bausch, desde a mudança da lei, passou a haver 20 diferentes bandeiradas no setor dos táxis. Em resposta a uma questão parlamentar apresentada pelo deputado Fernand Kartheiser (do ADR), que pediu esclarecimentos sobre a reforma da lei dos táxis, o ministro fez referência a um trajeto de dez quilómetros, com 20 preços que podem variar entre 22,50 euros e 45 euros. Ainda nesse período de tempo, o aumento dos preços foi de 6,6%, segundo dados do Statec enviados ao Contacto.

"Houve um aumento nos preços (...), mas isso foi comum a todos os setores", revelou o conselheiro do Ministério da Mobilidade, Dany Frank. Sobre a discrepância das tarifas, "as mais baixas são praticadas nas zonas 2 [cantão Esch-Capellen] e 5 [cantão Diekirch-Wiltz], enquanto na zona 1 [capital], situam-se em média entre 35 e 45 euros", acrescenta.

Apesar do aumento dos preços, "o balanço é positivo", diz Dany Frank. Justificação? "A nova lei deu uma estrutura ao setor, os clientes têm a possibilidade de se dirigir ao centro de reclamação nacional [Service des Taxis], os profissionais do setor têm apenas um interlocutor para os procedimentos administrativos e as fiscalizações das autoridades têm sido construtivas".

Em janeiro deste ano a União Luxemburguesa dos Consumidores (ULC) dava conta de que o preço da bandeirada dos táxis aumentou 11,2% entre julho de 2017 e dezembro de 2018 e criticava a liberalização do setor que conduziu a um aumento dos preços e não a uma descida, como previsto pelo governo aquando da introdução da nova lei em 2016.

Para o presidente da Federação dos Táxis, o cenário é apenas de "concorrência". "O cliente pode escolher o seu táxi. Quanto aos taxistas e patrões, cada um faz o seu plano de negócios e organiza-se da melhor maneira que pode", indica Olivier Gallé, que justifica o aumento dos preços com o "aumento do número de táxis", como "foi demonstrado noutros países que liberalizaram completamente o setor".

A Federação dos Táxis e o Ministério da Mobilidade estiveram reunidos no início do mês para um primeiro contacto sobre uma possível reforma da lei. Em abril, as duas partes vão voltar a reunir para "rever a lei, artigo a artigo, ver que pontos podem ser melhorados, o que pode ser suprimido ou acrescentado", explica Olivier Gallé, que insta os taxistas a respeitar a lei em vigor e os patrões a "não incitar os motoristas a fazer coisas que não estão na lei".

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