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As casas vão ficar "mais baratas" no Luxemburgo. Mas pelas piores razões

O forte aumento das taxas de juros está a afetar o mercado da habitação e, em breve, o preço das casas irá cair. A "bolha imobiliária vai rebentar", mas haverá menos pessoas a poder comprar casa.

© Créditos: Luxemburger Wort

Na região sul do Luxemburgo as casas novas estão mais baratas: sofreram uma quebra nos preços de 2,7% em relação a igual período em 2021. Por enquanto, as descidas foram apenas nesta região e ainda a oeste, onde o preço do imobiliário novo decresceu apenas 0,1%, mas o forte aumento das taxas de juro já está a abalar o mercado, como revela o estudo da AtHome recentemente divulgado.

De acordo com esta empresa, o abrandamento expectável de preços em 2022 está a concretizar-se, embora o mercado esteja "a resistir".

Pode resistir, mas não por muito tempo, como vaticina Luís Macedo, dono da agência imobiliária Immo-Macedo, no Luxemburgo, contando que desde fevereiro passado, com o início da guerra na Ucrânia e da crise, já temia este cenário.

"A bolha imobiliária vai rebentar e os preços vão baixar, algo que não acontece desde a crise financeira de 2008", lembra ao Contacto. E a queda será maior ou menor, consoante o aumento das taxas de juro, estima este português há quase meio século no Luxemburgo, não poupando nas palavras para explicar a grave situação que irá afetar o país.

"Se o pânico ou uma necessidade urgente se instalar, com muitas famílias a serem obrigadas a colocar o seu imóvel venda por não conseguirem suportar o aumento dos juros mais os custos energéticos e o aumento do custo de vida devido à crise, poderemos assistir a uma catástrofe". Haverá uma explosão de placas 'vende-se' no Luxemburgo, acredita Luís Macedo. E quando a oferta é excessiva, os preços "obrigatoriamente caem e os compradores aproveitam-se da concorrência".

Atualmente, já há casas novas a serem vendidas ao preço de imóveis usados e a "situação irá agravar-se porque os promotores terão que baixar os preços para não irem à falência", frisa o agente imobiliário.

Um cenário completamente oposto ao de junho passado, onde a subida a pique dos preços imobiliários tornaram-no o "momento ideal" para vender e lucrar com o investimento realizado. Nessa altura, houve quem tivesse vendido casas que tinham adquirido há dois anos atrás com uma valorização quase de 100%. Já então Luís Macedo, em entrevista ao Contacto, e outros especialistas alertavam para os ventos de mudança que se anunciavam, o do abrandamento da subida de preços, ou mesmo da sua quebra. Isso mesmo está a acontecer.

Este agente imobiliário aponta o dedo à banca que "não aprendeu nada com a crise de 2008 e emprestou dinheiro a pessoas a quem exigiu uma grande taxa de esforço". Nos últimos anos, os juros baixos de empréstimos bancários para habitação eram muito atrativos, com a "banca a conceder empréstimos a muita gente, sem se preocupar seriamente com o futuro".

Luís Macedo dá o exemplo: "um empréstimo de um milhão de euros a 4% dá quatro mil, agora subirá para sete ou oito mil euros. Muitas famílias não terão como pagar, sobretudo quando a taxa de esforço para a habitação já é de um quarto do rendimento". Também o Governo tem culpas no cartório, diz Luís Macedo, porque "não soube agilizar a oferta racional do mercado imobiliário, nomeadamente no arrendamento de imóveis, com alugueres exorbitantes". "O próximo ano vai ser muito difícil", acredita este português.

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Um travão para novos empréstimos

O investigador Julien Licheron, do Liser (Instituto Luxemburguês de Investigação Socioeconómica), considera também a diminuição do preço das casas um cenário provável: "Na minha opinião existem duas situações possíveis: o regresso a um aumento dos preços mais moderado, provavelmente inferior à inflação, ou mesmo a queda dos preços".

"O aumento das taxas de juro será provavelmente um grande travão à procura de habitação nos próximos meses", diz Julien Licheron.

"O aumento das taxas de juro será provavelmente um grande travão à procura de habitação nos próximos meses", diz Julien Licheron.

Se por um lado haverá mais casas à venda, por outro haverá menos compradores. "O aumento das taxas de juro será provavelmente um grande travão à procura de habitação nos próximos meses" e aos "novos empréstimos", prevê Julien Licheron. E justifica: "O aumento das taxas fixas desde março/abril de 2022 (e hoje em dia das taxas variáveis) já teve um efeito muito significativo na capacidade de endividamento dos agregados familiares. Especialmente porque a duração dos empréstimos já é muito longa, o prazo de 30 anos é quase uma norma, e não será possível prolongá-lo ainda mais".

A dificuldade existe, mas apenas para os novos empréstimos, sendo o "risco menor" para as pessoas que "contraíram empréstimos nos últimos três ou quatro anos", considera este investigador do departamento de Desenvolvimento Urbano e da Mobilidade do Liser. É que, como explica, "a grande maioria destes empréstimos foi contraída com taxas fixas (pelo menos para 50% do montante total), quando as taxas fixas eram quase idênticas à taxa variável. Assim, o aumento das taxas não terá qualquer efeito, ou quase nenhum efeito, na maioria dos casos".

Ao contrário de Luís Macedo, Julien Licheron considera que os bancos foram "cautelosos" prevendo já um aumento das taxas de juro a médio prazo. "A subida das taxas de juro foi mais rápida do que o esperado, mas os bancos tinham tido em conta o risco de subida das taxas a 3% ou 4% nos seus empréstimos, pelo que os efeitos deverão ser limitados nos empréstimos existentes", diz.

A verdade é que a queda dos preços ou o abrandamento do aumento das casas será o iniciar de um novo ciclo no mercado da habitação no Luxemburgo, mas não será para ficar. "Basta lembrar que o aumento dos preços excedeu os 50% cumulativamente nos últimos quatro anos. Além disso, a médio e longo prazo, o mercado recuperará porque os fundamentos são sólidos: a necessidade de habitação permanece elevada e estamos muito longe de uma superprodução de novos imóveis".