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A única prenda que elas querem este Natal é a paz na Ucrânia

Ksenia, a mãe e a filha fugiram da Ucrânia no início da guerra e foram acolhidas por uma família portuguesa no Luxemburgo. Nove meses depois, continuam a viver todos juntos. Para as ucranianas, este Natal será um misto de emoções – entre a dor de estar longe do seu país e a esperança de que a paz lhes permita um dia regressar a casa.

Jornalista

A família de Ksenia foi uma das primeiras a chegar ao Luxemburgo. A ucraniana de 30 anos tinha fugido da sua cidade, Zaporíjia, com a mãe, de 53, e a filha, de apenas cinco anos. Partiram no dia 24 de fevereiro, assim que souberam dos primeiros bombardeamentos, durante a madrugada, que anunciavam o início da invasão russa da Ucrânia. Percorreram mais de mil quilómetros, a pé e de transportes, até à fronteira polaca. Para trás ficaram o pai e o irmão de Ksenia, chamados para lutar. Da Polónia viajaram até ao Grão-Ducado à boleia de um voluntário. Na altura, o Contacto contou a história da sua viagem de sete dias e mais de 2.600 quilómetros.

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Quando chegaram ao destino, no dia 3 de março, as três ucranianas tinham à sua espera uma família de acolhimento. Foram recebidas na casa de Liliana e Ioan Grigor, em Rumelange. Ela é portuguesa, 31 anos, e ele é romeno, 34. Têm três filhos, um menino, de oito anos, e duas meninas, de cinco e três anos. O casal voluntariou-se num grupo do Facebook para acolher refugiados da guerra. Ksenia, a mãe e a filha – mais o gato – ficaram a dormir num quarto da casa com três andares. Passaram a ser oito pessoas a morar debaixo do mesmo teto. Hoje, mais de nove meses depois, continuam a viver todos juntos e vão passar o Natal como uma só grande família.

As ucranianas fazem parte das mais de 4.600 pessoas que conseguiram o estatuto de proteção temporária no Luxemburgo, desde o início do conflito. Quase dez meses depois, numa altura em que a guerra se intensifica, com contínuos ataques por parte do exército russo e a retaliação das tropas lideradas por Zelensky, um regresso a casa parece ainda muito distante para a família de Ksenia. Além disso, a cidade de Zaporíjia, no leste ucraniano, é onde está instalada a maior central nuclear da Ucrânia, que está sob ocupação russa. Por isso, a partir de janeiro as refugiadas vão ter o estatuto de proteção prolongado por mais um ano.

Por enquanto, vão continuar a viver na casa de Liliana e Ioan, mas em breve querem ter o seu próprio espaço. “Concordámos que seria por um certo período de tempo e em breve chegará ao fim. Estamos à procura de outro lugar para viver”, revela Ksenia. Durante estes nove meses a residir no Grão-Ducado, as ucranianas conseguiram adaptar-se e criar uma rotina. A criança vai à escola, a mãe e a avó estão a aprender o francês e continuam à procura de trabalho. A maior dificuldade tem sido a barreira linguística. “As pessoas estudam e praticam a língua durante anos para falar corretamente. Durante nove meses, é impossível ultrapassar um tal abismo”.

Apesar de ainda não conseguir falar francês, Ksenia já vai compreendendo algumas palavras, por exemplo, quando um funcionário de uma loja lhe pergunta algo. “Mas só posso responder em inglês, que acaba por sair automaticamente”, admite. A ucraniana garante que já fala melhor inglês do que falava em março, quando chegou ao Luxemburgo, mas acaba por não ser suficiente para tratar dos assuntos sozinha. “Quando é necessário resolver algum problema, tenho de perturbar a Liliana, distraí-la do trabalho e de outros assuntos importantes. Isto acontece principalmente quando é necessário telefonar para algum lado e falar francês”.

Além de dificultar as tarefas do dia a dia, a falta da língua francesa também tem sido um dos principais fatores para que Ksenia e a mãe não consigam encontrar emprego no país. As ucranianas estão registadas na Agência de Desenvolvimento do Emprego (ADEM) desde o Verão e todos os meses têm reuniões com um assistente, mas até hoje não conseguiram trabalho. “Para ser honesta, estas reuniões são tensas. Os assistentes respondem que não podem ajudar de forma alguma, porque não temos línguas ao nível adequado. E que devemos aprender… Como se nós não o fizéssemos”, desabafa, afirmando que recebem poucas cartas com vagas. “Este mês não houve nenhuma”.

Sem oportunidades da ADEM, as ucranianas têm procurado outras vagas através das redes sociais e várias plataformas. Vão enviando currículos e até já foram a algumas entrevistas. Numa dessas vezes, Ksenia foi chamada por uma escola que precisava de assistentes para trabalhar com crianças ucranianas. “Gostaram que eu fosse uma ex-atleta profissional de natação, que tivesse experiência em web design, uma educação artística, que estivesse interessada em psicologia e que tivesse um certificado na Ucrânia. Que pudesse fazer muitos trabalhos manuais e ter experiência com crianças. A entrevista foi em inglês e correu muito bem. No entanto, não foi suficiente. Enviaram-me uma carta com a resposta de que tinham escolhido um candidato mais adequado”, recorda.

Construir uma nova vida

A mãe também já recebeu várias cartas com ofertas, mas não conseguiu emprego. A mulher de 53 anos é engenheira por formação e na Ucrânia trabalhava numa fábrica, empenhada no desenvolvimento e produção, reparação e manutenção de motores de turbinas a gás para aeronaves. “Por alguma razão, ela desistiu e não trabalhou durante vários anos. Aqui oferecem-lhe trabalho relacionado com a cozinha, jardinagem, empregada doméstica e outros”, conta a filha. Como ainda não têm trabalho, continuam a receber o mesmo apoio do Estado: os refugiados ucranianos têm direito a 200 euros por mês e por pessoa, independentemente se estão numa estrutura do Estado ou numa família de acolhimento.

Quanto à filha de Ksenia, tem ido à escola e “gosta”, mas a mãe admite que “os efeitos do stress são agora visíveis”. A menina de cinco anos chora por vezes e tem “frequentes oscilações de humor”. “Soube através da professora que também chora na escola. É assim que o stress acumulado se manifesta. Não nos apercebemos antes de como era realmente difícil para ela. Estamos a trabalhar nisso. Mas leva algum tempo”, explica a mãe. Apesar de não conhecer a língua, a menina está a dar-se bem na escola e tem sido elogiada pela professora por estar a adaptar-se.

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Em casa da família portuguesa, a criança também está bem e gosta de estar com os filhos de Liliana e Ioan, apesar de ter saudades das suas coisas. “Apareceu um hamster e as crianças brincam com ele. Ela adora-o, mas sente falta do seu quarto, da sua cama, dos seus brinquedos, dos seus livros. Como todos nós, ela precisa do seu próprio espaço, é natural. Ainda somos hóspedes aqui e é claro que há uma diferença quando se vive na nossa própria casa e quando se vive com outras pessoas”, afirma Ksenia, que diz estar muito agradecida à família de acolhimento. “Precisávamos de um lugar seguro onde pudéssemos viver durante algum tempo. Estamos gratos por tudo e não temos nada de que nos queixar”.

As duas famílias vão passar este Natal juntas, mas Ksenia ainda não sabe quais são os planos, porque é a primeira vez que experimentam a época longe de casa, com diferentes tradições. Na Ucrânia, celebram as festividades em dias diferentes. “Por exemplo, o dia de São Nicolau é a 19 de dezembro e o dia de Natal é a 7 de janeiro. Mas o feriado mais brilhante é o do Ano Novo. Aqui aprendi que o principal é o do dia 25 de dezembro”, reflete, prevendo que o Natal deste ano será uma “surpresa e improvisação”. Embora em circunstâncias mais tristes, as ucranianas pensam apenas em “divertir-se”, porque para elas estas celebrações são meramente “simbólicas”.

Por outro lado, Ksenia admite que para a família de Liliana e Ioan o Natal tem um significado completamente diferente. “Acreditamos em Deus, mas não somos religiosas. Eles aqui vão à igreja, mantêm tradições. Por conseguinte, não sabemos como vai ser a nossa aventura de Natal”, reflete. As ucranianas ainda não sabem se a consoada será um prato típico português, como o bacalhau, mas contam que já provaram alguns desses pratos que a Liliana preparou. “Gostámos da batata com peixe, parece a nossa caçarola”, recorda Ksenia, que também ainda não decidiu se irá preparar algo típico da Ucrânia para a noite de Natal. “Temos de discutir isso primeiro”.

Depois do Natal e com o início do novo ano, as ucranianas vão procurar um apartamento só para as três e o gato. Porém, Ksenia reconhece que será uma tarefa difícil. “Inicialmente, pensei que o único problema era não ter contrato de trabalho e que, assim que conseguíssemos, poderíamos mudar-nos imediatamente. Mas é tudo muito mais complicado. Descobri que se recusam a alugar casa se houver crianças e animais. Ainda não sei como resolver esta questão”, lamenta a jovem, assumindo que agora não podem “voltar atrás”. “Encontramo-nos numa espécie de armadilha. Porque mais cedo ou mais tarde precisaremos de nos mudar para algum lugar”.

Um regresso à Ucrânia num futuro próximo também está fora de questão, porque, além da guerra, há também agora um desastre de energia. “Não há luz, água, calor. Tudo funciona de forma intermitente. Se em Kiev estão a tentar estabilizar a situação de alguma forma, no Leste a situação é crítica. As pessoas que estão a tentar viver lá agora são verdadeiros heróis”, afirma Ksenia. A ucraniana admite que neste momento é difícil prever “o quer que seja” e que o mais provável é que fiquem no Luxemburgo ou noutro país. “A situação na Ucrânia é complicada e, de acordo com várias previsões, a guerra pode ser prolongada. Ninguém sabe como vai ser no futuro. Há demasiadas variáveis nesta equação”.