A guerreira pela integração
Liudmila Vanira Branca é a primeira guineense a surgir numa lista de candidatos dos Verdes às Comunais. Concorre na Cidade do Luxemburgo.
© Créditos: Sandra Packard
Quando Liudmila Vanira Branca recebeu o convite para integrar a lista dos Verdes (déi Gréng) nem pensou duas vezes. E também nunca esqueceu esse momento. Estava numa festa da Rádio Latina onde conheceu Eduarda Macedo, portuguesa que é atualmente conselheira comunal da Cidade do Luxemburgo. Foi ela quem lhe lançou o desafio. Era a oportunidade que esperava para defender os interesses da comunidade da Guiné-Bissau no Grão-Ducado e dos restantes africanos.
Nascida na Guiné, aos 14 anos mudou-se com a mãe para Portugal. Foi em Lisboa que estudou e se licenciou em Gestão de Marketing. Depois foi trabalhar para a Irlanda do Norte, onde se casou e teve a primeira filha. Esteve ainda cerca de um ano e meio em Viena de Áustria.
"Decidimos vir viver para o Luxemburgo porque é um país de grandes oportunidades e também porque tem uma comunidade portuguesa muito importante. Assim sendo era mais fácil para mim em termos linguísticos, porque estava a ser muito difícil conseguir um emprego na Áustria por causa do alemão", relata. Agora, com 43 anos, vive no Luxemburgo desde 2011.
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Um país acolhedor, mas onde a informação não circula
"A adaptação no início não foi fácil, porque o Luxemburgo é um país muito acolhedor, mas onde a informação não circula. Um imigrante quando chega não sabe onde obter a informação", diz Liudmila, mãe de três filhas, com 15, 12 e quatro anos. "Quando chegaram cá eram muito pequeninas e a adaptação foi fácil. O Luxemburgo é o país delas", salienta.
É assistente executiva na consultora AON, mas o bichinho da política sempre esteve presente. "Sou uma pessoa curiosa que gosta de se informar e vê os jornais da RTL e da televisão portuguesa, também acompanho as informações sobre a emigração e as políticas de integração no resto do mundo", sublinha. Percebe luxemburguês, fala francês e alemão e também crioulo da Guiné-Bissau, a sua língua materna. E sim, reconhece que o "luxemburguês é difícil".
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O seu lema é integrar-se, e onde quer que vá gosta de saber o que se passa no país que agora também é o seu. Mas "tem amigos e familiares cujos filhos quando chegaram [ao Grão-Ducado] passaram por muitas dificuldades, porque o sistema escolar no país é completamente diferente de Portugal, e os pais sentiam-se perdidos", conta.
Por isso, considera que "há muita coisa a fazer no sistema escolar, como começar o acompanhamento logo quando o imigrante se vai registar para que não se sinta perdido". Algo que o seu partido quer mudar, ao propor a criação de um agente de acolhimento, para "apoiar e orientar os recém-chegados para que o migrante não se sinta perdido e desorientado", sublinha.
Outro ponto que a fez entrar na política foi a habitação. "Quando cheguei estive a viver dez anos numa casa em que pagava 1.400 euros por mês. Depois inscrevi-me na Société Nationale des Habitations à Bon Marché, mas tive que esperar oito anos para conseguir uma casa", revela.
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"Vou-me embora porque não consigo mais"
"Houve momentos em que desesperei e pensei: 'vou-me embora porque não consigo mais'", desabafa. Hoje vive em Kirchberg num apartamento rodeado de verde por todos os lados.
"O Luxemburgo é um país que nos dá tudo, mas tem muitas regras e leis que têm que ser respeitadas e cumpridas para podermos sentir-nos em casa. Quando respeitamos e aceitamos esses pressupostos, somos facilmente aceites e integrados na comunidade. É verdade que a vida é extremamente cara", mas com uma boa organização e planificação das nossas vidas, é um país onde se pode viver muito bem", admite.
Outra das motivações da sua intervenção política é lutar pela própria comunidade. "A minha comunidade guineense, infelizmente, até agora não está integrada no Luxemburgo. Está muito isolada", denuncia. E reconhece que a "falta de informação e motivação" faz com que a maioria das pessoas não saiba como funciona o sistema e o aparelho administrativo do país. "Um imigrante para conseguir vingar num país que não é seu, precisa de ter muita força de vontade e motivação", sublinha.
Um imigrante para conseguir vingar num país que não é seu precisa de ter muita força de vontade e motivação.
"Não pode estar num país apenas para ganhar a vida e daqui a dois três anos pensar que se vai embora. Não pode estar pensar só no dia a dia, sem se interessar e inteirar das mutações do país do qual, quer queiramos ou não, fazemos parte. Acho que temos a obrigação moral de participar", considera.
Esta mentalidade predomina na comunidade guineense. Exemplo disso mesmo foi o que testemunhou no período da campanha de sensibilização "Eu posso votar!".
"Na comunidade lusófona e na francófona notou-se que as pessoas não tinham muito interesse [nas eleições]. O que dificulta a integração", afirma. Por isso, deixa o apelo: "As pessoas deviam participar muito mais, porque estão a contribuir para o desenvolvimento económico e social do país. E os filhos que já cresceram aqui já têm a mentalidade mais luxemburguesa, e temos esse dever enquanto pais de orientar os nossos filhos", sublinha. "A minha luta é esta!", enfatiza.
Dar a conhecer a comunidade guineense é outra das prioridades de Liudmila Branca. No último ano decidiu fazer a proposta à Rádio Latina para criar um programa para a comunidade guineense. E assim nasceu o Guinendadi, um programa emitido todos os sábados das 8h às 9h. Uma forma de "dar visibilidade a uma comunidade que está a contribuir para o Luxemburgo, mas que precisa de se integrar e ter mais visibilidade", reitera.
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"A força motora do Luxemburgo são os imigrantes"
Até porque "o Luxemburgo é um país que quer ver as pessoas integrarem-se, porque é um país pequeno, mas com mais de 180 nacionalidades e precisa das pessoas", afirma. E considera por isso que "a força motora do Luxemburgo são os imigrantes". Os dados comprovam-no: só na Cidade do Luxemburgo, cerca de 70% da população é imigrante.
Já há vários anos que fazia parte dos Verdes e participava nas reuniões da sua antiga comuna, Bettembourg. Em paralelo, ainda fazia parte de um grupo de trabalho da integração.
Mas porquê os Verdes? Liudmila entrou no déi Gréng "por convite do David Foca, porque o partido precisava de representação de mais imigrantes", recorda. "Há alguns anos o partido era mais vocacionado para os luxemburgueses, mas perceberam que precisam da comunidade estrangeira", explica.
"Os partidos políticos no geral, mas em particular os Verdes, perceberam a necessidade de dar mais oportunidade aos não-luxemburgueses, para a mensagem poder passar", sublinha.
O que é que se pode fazer aumentar a mobilização política dos estrangeiros? "Esse é um trabalho dos dois lados, porque os partidos políticos devem fazer um trabalho de sensibilização contínuo até às próximas eleições que se realizam daqui a seis anos." Por outro lado, é necessário que as pessoas se integrem. "Porque a nossa vida é aqui, não estamos cá só para trabalhar", complementa.
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"As pessoas têm que ter mais interesse pela política"
A primeira barreira que um imigrante encontra quando chega a um novo país é a língua. "Eu recomendaria aprender o francês em primeiro lugar, mas se quisermos ter um trabalho mais bem remunerado temos que saber o alemão e o luxemburguês", recomenda. A juntar a isto há um grande leque de oportunidades de cursos que se pode frequentar.
Mas considera que é preciso haver mais interesse pela política. "Não se pode exigir a um político se não exercemos o nosso direito de voto", sublinha. "Foi-nos dada essa oportunidade do direito de voto enquanto não-luxemburgueses e faz-me muita confusão que não saibamos tirar vantagem disso. Aconselho as pessoas a integrarem-se. Existem muitos partidos políticos no Luxemburgo, consultem os programas, integrem-se e votem!", insiste Ludmila.
O problema é a falta de cultura de voto entre os não-luxemburgueses. "Era bom que os não-luxemburgueses começassem a ter esta cultura de cidadania", afirma.
Para além da participação ativa na política, Liudmila Branca tem uma associação - Guinendadi - , que significa Amor à Guiné em crioulo, e que tem como objetivo ser um agente de integração entra a cultura luxemburguesa e a guineense.
A candidata quer também fazer projetos de apoio à Guiné-Bissau para que a cooperação com o Luxemburgo seja reforçada. Defende, por exemplo, que atendendo ao número de famílias guineenses que hoje vivem no Luxemburgo, existe a necessidade de criar voos de ligação entre o Grão-Ducado e o país africano.