A estrela portuguesa do grupo Ferrero
Vera Gomes e Filipe Cunha com os filhos Salvador e Alice. © Créditos: Guy Jallay
Filipe Cunha é o português que ocupa um lugar de topo no grupo Ferrero. Filipe Cunha e Vera Gomes estão no Luxemburgo desde 2017. São uma das novas famílias portuguesas no Grão-Ducado.
Sabia que a sede mundial do grupo Ferrero, dona de marcas como a Nutella, Ferrero Rocher e Kinder, é no Luxemburgo? E que um dos responsáveis de controlo de gestão do grupo é português? Chama-se Filipe Cunha e faz parte da nova geração de migrantes portugueses no Luxemburgo e está no Grão-Ducado desde 2017.
A empresa italiana, que começou com um negócio familiar numa pequena pastelaria, hoje emprega quase 50 mil pessoas e acaba de comprar a maior marca de gelados dos Estados Unidos, a Wells.
Filipe Cunha é atualmente responsável pela gestão das funções centrais de recursos humanos, finanças, setor jurídico, comunicações e relações públicas do grupo. Para trás ficou a formação em Portugal.
Filipe e Vera Gomes conheceram-se no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), enquanto tiravam o curso de Economia. Ambos começaram as suas carreiras na área de consultoria, na Deloitte, tendo seguido depois caminhos diferentes. Filipe passou pela Coca-Cola e outras empresas portuguesas, mas sempre teve a "expectativa de dar o salto", refere.
A vontade de ter uma carreira internacional continuava a falar mais alto. A hipótese era ficar num país europeu, num raio de duas a três horas de Portugal. "Na altura surgiu o convite, foi um processo bastante longo de seleção e acabou por ficar no departamento dos Recursos Humanos da Ferrero. Tinha o desejo de ter uma carreira internacional, de abertura a novas culturas, a entrada para a Ferrero acabou por ser interessante porque e permitiu-me conhecer as atividades desde Oceânia, China, Índia, todo o Médio Oriente, África, Europa e as Américas."
Filipe veio viver para o Grão–Ducado em fevereiro. A sua mulher Vera juntou-se uns meses mais tarde. Na altura estava na Remax em Portugal e teve que finalizar uns projetos antes de mudar de país.
"Vim à descoberta, na altura não tinha nenhuma proposta, e ainda fiquei um ano e meio a dar apoio ao meu filho Salvador", conta Vera. Recorda que "no início foi difícil para o Salvador, porque tinha estado quase três anos numa creche em Portugal e não falava luxemburguês".
Decidiu inscrevê-lo no ensino luxemburguês, na 'précoce', por sugestão de uma educadora portuguesa.
No início arrependeu-se. A adaptação foi difícil. "A professora queixava-se que o Salvador não fazia nada do que ela pedia ao que eu respondia: 'é natural pois ele não percebe o que você lhe diz!', diz Vera.
Hoje acha que foi a melhor opção que podiam ter tomado. Salvador já está na terceira classe e domina completamente o luxemburguês, o alemão e o francês, e também já percebe inglês.
Em casa "fazemos questão de falar português porque para nós é muito importante eles manterem as nossas raízes, e quem sabe fazer mais tarde a formação em Portugal criando novas ligações", salienta Filipe.
© Créditos: Guy Jallay/Luxemburger Wort
Até porque as hipóteses estão todas em aberto: ficar no Luxemburgo, regressar a Portugal ou ir para outro país.
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Quando o Salvador se sentiu confortável no ambiente escolar luxemburguês, Vera começou à procura de trabalho. Meses depois entrou para o departamento de contabilidade de uma empresa de self-storage (aluguer de espaços de armazenamento), para um lugar provisório. "Dez dias depois fui convidada para assumir a liderança da equipa", recorda Vera. Hoje a segunda filha do casal, Alice, acabou de fazer um ano e a Vera está a trabalhar na multinacional Majorel, onde ocupa a posição de Senior Financial Controller.
Entre os pontos mais positivos de estar no Luxemburgo está o facto de encontrar "portugueses e produtos portugueses em todo o lado", salienta Vera. No início receou que ficassem isolados, mas a cada dia que passa têm feito novos amigos. "Hoje somos uma grande família do coração, a família que escolhemos", confessam.
O que têm mais saudades é do tempo e da família. Por isso vão regularmente a Portugal e gostam que os familiares os visitem no Luxemburgo.
Principais diferenças entre os dois países
"A diferença na organização é o que mais me choca, porque o Luxemburgo é um país em que as coisas funcionam bem e em que as pessoas acabam por cumprir as regras à risca. Em Portugal sabemos que não é assim, por cada regra que existe, encontramos dez formas de a contornar", salienta Filipe. "O que torna o sistema mais ineficiente e burocrático", acrescenta.
Mas quando estão no estrangeiro os portugueses "revelam-se, sendo considerados muito bons trabalhadores, somos como o Macgyver com uma grande capacidade de encaixe e de adaptação o que se torna uma grande mais- valia quando estamos num ambiente estruturado", sublinha.
O casal valoriza ainda o ambiente multicultural. "No outro dia juntámo-nos e estávamos 12 à mesa de 11 nacionalidades diferentes2, relata Vera.
Não estão a pensar pedir a nacionalidade luxemburguesa porque já têm "um dos melhores passaportes". "Dá-nos acesso a todo o lado e temos orgulho de ser portugueses", dizem, acrescentam.
Ainda existem discriminações
Vera já se sentiu discriminada na escola e reparou que a "atitude mudou quando viram Filipe a ir de fato e gravata para o trabalho." Sensível às injustiças, diz que "todos os portugueses merecem respeito" independentemente da sua origem, do seu trabalho e da forma como se vestem.
Será a comunidade portuguesa fechada às restantes comunidades?
"Continuamos a gostar muito de ter o nosso grupo de portugueses, temos um grupo grande e coeso, mas estamos a abrir-nos mais pelo facto de trabalharmos com outras nacionalidades", admite Vera.
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Quando regressam a Portugal, Sesimbra, a terra de Filipe e Pegões, terra da Vera, são destinos obrigatórios. "No verão gostamos de ir ao Algarve para apanhar sol e praia", conta Vera. "Tenho sempre saudades de tudo e sempre que o avião aterra em Lisboa, cai-me uma lágrima e sinto que chegámos a casa".
Acabaram de comprar um apartamento no Luxemburgo e para já pensam ficar. Até porque quando perguntou ao seu filho Salvador se queria regressar a Portugal a resposta foi: "mãe e depois não posso levar os meus amigos!".
Para a reforma pensam regressar a Portugal. "Isto aqui é muito frio", consideram.
Vão votar nas eleições comunais de 11 de junho porque é a "única oportunidade" de fazerem ouvir a sua "voz em relação ao nosso futuro", salienta Filipe Cunha.
A exposição internacional, oportunidades de progressão na carreira e a procura de melhor qualidade de vida são os fatores que mais pesaram neste projeto de emigrar.
E foi também a pensar no futuro dos seus filhos que esta família se mudou para o Luxemburgo.