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Dezasseis famílias ucranianas têm de deixar casas em Diekirch

Os refugiados, que estão na Cité Militaire desde março de 2022, foram notificados pela Cruz Vermelha Luxemburguesa.

© Créditos: Gerry Huberty

"Esperávamos que, depois de meses de dificuldades, fôssemos finalmente encontrar alguma paz. Mas agora isso acabou", introduz Ana Stepanenko, que fugiu da Ucrânia para o Luxemburgo com os dois filhos e dois gatos no início de março de 2022. Inicialmente, os refugiados foram acolhidos por uma família na capital, mas em outubro puderam mudar-se para um apartamento em Diekirch.

"Estávamos tão felizes e decorámos a casa com as poucas coisas que trouxemos connosco", conta Ana ao Luxemburger Wort. "Sentimo-nos muito confortáveis aqui."

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A 28 de março, chegaram as notícias inesperadas. A Cruz Vermelha Luxemburguesa informou as 16 famílias de refugiados ucranianos alojadas na Cité Militaire que teriam de abandonar as casas até julho. Anteriormente, foi-lhes dito que poderiam permanecer ali durante um período de entre um ano e meio a dois anos, segundo Ana Stepanenko. Até agora, nem a Cruz Vermelha nem a comuna deram qualquer apoio aos refugiados na busca de um novo teto.

"Fomos informados disto de repente e agora temos que procurar um novo sítio para ficar sozinhos", declara Anastasia Andreikiv, de 16 anos, que vive no edifício com os pais e as irmãs mais novas. As meninas, de quatro e seis anos, já tiveram de mudar de escola duas vezes e habituaram-se a morar ali. Mas, antes de uma terceira mudança, os pais têm de encontrar um novo apartamento. "Não é uma situação fácil", admite a adolescente.

Também Ana Stepanenko ficou sem chão com a notícia. "Assumimos que poderíamos ficar em Diekirch durante pelo menos um ano e meio. Quando soube, fiquei desolada. Não consigo entender."

Ana Stepanenko veio para o Luxemburgo com o filho de 15 anos, a filha de 19, e os dois gatos

Ana Stepanenko veio para o Luxemburgo com o filho de 15 anos, a filha de 19, e os dois gatos © Créditos: Nadine Schartz

Famílias mergulhadas em situação de incerteza

Pelas conversas que tem com conhecidos, tem consciência de que encontrar casa já é difícil para os locais. Além disso, ganha o salário mínimo e tem ao seu cargo os dois filhos e os dois gatos.

Muitos habitantes das redondezas não estão a par da situação de incerteza em que se encontram os refugiados ucranianos. "A imagem que passa é que estamos todos bem e felizes, mas não é o caso", desabafa. "Quando ainda não tinha emprego, tínhamos de sobreviver com 800 euros por mês." Só uma visita ao veterinário custou-lhe 175 euros, valor que teve de tirar das suas poupanças.

Quando as famílias perguntaram à Cruz Vermelha Luxemburguesa como deveriam pagar o seu próprio apartamento, ficaram surpreendidas com a resposta. "Disseram-nos que tínhamos de poupar o nosso dinheiro para essas coisas. Mas como é que é possível?", questiona.

De olhos marejados, continua. "Os meus filhos e eu estávamos a começar a respirar de novo depois daquele ano terrível." Os próximos passos, enquanto os filhos prosseguem a escolaridade no Lycée Michel Lucius, na capital, seriam aprender francês e encontrar outro trabalho para sustentar a família.

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Professora de formação, exerceu durante 27 anos no seu país natal, mas o seu certificado de habilitações não é reconhecido no Luxemburgo. Ana também trabalhou como coreógrafa e instrutora de fitness e teve até o seu próprio ginásio. Neste momento, continua a enviar candidaturas, uma vez que o trabalho que tem atualmente não corresponde às suas qualificações. "Quero muito trabalhar e mostrar o que consigo fazer", sublinha.

Estruturas de acolhimento estão cheias

A carta de despejo veio arruinar todos esses planos. "Primeiro, nem me atrevi a contar aos meus filhos esta notícia terrível; eles já passaram por tanto", conta Ana Stepanenko.

Contudo, desistir não é uma opção, por isso juntou-se aos seus vizinhos para tentar marcar uma audiência com o burgomestre de Diekirch, Claude Thill, para encontrar uma solução ou pelo menos algum apoio no processo de saída.

Na comuna, disseram-lhes que o autarca entraria em contacto para agendar a reunião. Contudo, na segunda-feira, a esperança desvaneceu-se com a chegada de outra carta da Cruz Vermelha a informar que não seria necessária uma audiência com o burgomestre. Se queriam candidatar-se a habitação social, as famílias deveriam preencher os formulários necessários. Devido ao elevado número de candidaturas, seriam colocados numa lista de espera.

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Inquirido pelo Luxemburger Wort, Claude Thill refere que desde o início ficou claro que esta solução de alojamento seria válida apenas por um ano. Por outro lado, acrescenta, os edifícios não pertencem à comuna, mas ao governo. O burgomestre afirma que não tem uma solução para as 16 famílias. As duas estruturas de acolhimento para refugiados, com capacidade para 350 pessoas, estão lotadas. Para o autarca, as outras comunas também deveriam assumir esta responsabilidade. "Se todos os municípios providenciassem este tipo de estruturas, não teríamos este problema."

Também Caroline Fréchard, do gabinete de comunicação da Cruz Vermelha Luxemburguesa, confirma que a validade do acordo era de apenas por um ano a contar de 10 de julho de 2022. "Temos de trabalhar todos em conjunto para encontrar uma solução", reitera. Nesse sentido, as famílias também foram encorajadas a procurar habitação elas próprias.

As famílias vivem em Diekirch há alguns meses

As famílias vivem em Diekirch há alguns meses © Créditos: Gerry Huberty/Luxemburger Wort

Poucos alojamentos de emergência

A Cruz Vermelha continua a ter poucos alojamentos de emergência. "Não queremos dar-lhes falsas esperanças de que vamos ter um apartamento para eles em breve", diz Fréchard. Todavia, afirma, há duas assistentes sociais que continuam a apoiar as famílias. E, se forem identificadas outras dificuldades, a organização garante que tenta ajudar.

Ana e as outras famílias não pretendem receber apoio financeiro sem dar nada em troca, mas apenas ter essa segurança enquanto tentam encontrar alojamento. "Quem é que nos vai arrendar uma casa na nossa situação, se até os locais estão a ter dificuldades?", atira.

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As lágrimas voltam ao seu rosto. "Estou a ficar sem forças", declara. E o pensamento de que, se não encontrar um sítio onde ficar, terá de voltar ao seu país, causa-lhe ainda mais medo e insegurança. "A guerra ainda não acabou, continuam a cair bombas. Não quero fazer isso aos meus filhos. Tenho de protegê-los", explica.

Apesar de estarem seguras no Luxemburgo, os adolescentes ainda não processaram tudo o que aconteceu. De cada vez que soam as sirenes, nomeadamente na segunda-feira passada, durante o teste do sistema de alertas em caso de desastre, o pânico das bombas volta a surgir. "Cheguei a um ponto em que já não sei o que fazer", conclui.

(Artigo originalmente publicado no Luxemburger Wort e adaptado para o Contacto por Maria Monteiro.)