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Sven Giegold. "O verdadeiro escândalo é permitirmos impostos zero na União Europeia"

O eurodeputado alemão dos Verdes encomendou um estudo onde se desmonta o papel do Luxemburgo como correia de transmissão de lucros do mercado imobiliário para paraísos fiscais.

© Créditos: Pierre Matgé

Jornalista

Seis anos após o escândalo do LuxLeaks a evasão fiscal ainda existe em larga escala? Porquê?

Tem que ver com poder político e com as limitações institucionais da Europa. Obviamente que quem beneficia da competição fiscal agressiva são as pessoas que pertencem aos 1% ou 10% da sociedade que está no topo. A situação ainda não mudou porque é necessário um consenso na Europa para se criar medidas fiscais comuns e isso, neste momento, não existe. Temos uma lei de ambiente comum, uma lei comum do consumidor, lei de direitos das mulheres comum, porque são todas decididas com votação por maioria. Mas no que diz respeito a impostos é preciso um voto por unanimidade no Conselho e é incrivelmente difícil todos os países concordarem. Mas neste momento temos uma nova oportunidade. Todos os Estados-membros têm dificuldades com os seus deficits por causa da crise do covid-19 e acho que é altura para tolerância zero em relação a competição fiscal agressiva e à evasão fiscal.

E o Luxemburgo é muito permissivo?

Sim. O Luxemburgo oferece estruturas particularmente atrativas de forma a canalizar lucros que foram ganhos em países terceiros para fora da União Europeia. Tenho que sublinhar que no que diz respeito a receitas de rendas da habitação, que investigámos na Alemanha, isto é principalmente um problema alemão. A Alemanha podia simplesmente obrigar à retenção de impostos na fonte, como os franceses, os dinamarqueses e outros Estados-membros fazem e aí o Luxemburgo não poderia canalizar os lucros brutos para os paraísos fiscais do mundo. Mas na Alemanha também temos estas estruturas de poder. Não é o meu objetivo culpar um país individualmente. Muitos países fazem o mesmo e participam neste esquema de paraísos fiscais. Por exemplo, Portugal vende visas e oferece benefícios fiscais para pessoas que se reformam e se mudam para o país, quebrando a regra da tributação progressiva dos rendimentos. Por isso, acho que devíamos analisar isto como europeus, e não como alemães a culparem o Luxemburgo, ou o que seja. Neste momento todos estamos a contribuir para a felicidade dos 1% ou 10%, numa sociedade onde o fosso entre os ricos e os pobres está a ficar maior. E devíamos todos lutar para acabar com isto.

As pessoas que têm que pagar rendas elevadas no Luxemburgo são também vítimas?

O que é claro é que temos muito capital especulativo no setor imobiliário, em todo o lado. A cidade do Luxemburgo é uma cidade atraente sofrendo os mesmos problemas que Lisboa, Barcelona, Paris ou Berlim. Há muito dinheiro especulativo a fluir para o mercado imobiliário e também muito dinheiro de fontes criminosas. E quem são as vítimas? As pessoas comuns que não podem suportar as rendas ou comprar apartamentos. Os sonhos das pessoas são destruídos. Por causa deste dinheiro sujo, que inflaciona o valor da propriedade, os sonhos das pessoas são destruídos.

Qual é o volume da evasão fiscal?

Para o imobiliário não há nenhum estudo a um nível macro. Mas o valor total de fuga aos impostos das empresas na Europa estima-se em 190 mil milhões de euros por ano. O que é muito importante realçar é que numa situação normal (não neste momento, com a pandemia) nenhum Estado da União Europeia teria um deficit se estivesse a controlar eficazmente a lavagem de dinheiro, a evasão e a fraude fiscal. Em tempos normais, a receita fiscal é suficiente para cobrir as necessidades dos Estados.

Há medidas a ser implementadas?

A Europa fez muito nos últimos tempos. Não temos estado ociosos. O que de mais importante mudou, e também no Luxemburgo, é que já não é possível uma pessoa abrir uma conta num país estrangeiro europeu e esse dinheiro não ser objeto de impostos no país de origem. Isto é um grande progresso contra os paraísos fiscais. Em relação às empresas alcançámos muito menos. Porque há muita dificuldade em, a nível da União Europeia, os países se porem de acordo em relação à tributação adequada das empresas. E é este vazio legal que permite os esquemas no imobiliário que encontrámos na Alemanha. Temos que admitir que se se criam empresas de fachada suficientemente complexas, muitas delas sedeadas no Luxemburgo, os muito ricos conseguem fugir ao fisco. Apesar de tudo, conseguimos tornar isto mais difícil do que antes.

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Ficou surpreendido com os resultados do estudo?

Não. Costuma dizer-se por piada que os políticos normalmente encomendam estudos quando têm ideia do resultado. Eu conhecia o problema, mas nunca tínhamos tido esta compilação, que é a mais fiável até ao momento. Mas o verdadeiro escândalo é permitirmos zero impostos na União Europeia. Basicamente pode-se canalizar através de estados europeus fluxos de receitas livres de impostos que no fim desembocam num paraíso fiscal e ao longo do caminho não há nenhuma retenção de impostos. Falamos muitas vezes da dupla taxação, que é uma coisa que não queremos e que nos esforçamos por eliminar. Mas agora o que acontece nestes fluxos de ativos é dupla “não taxação”.

E a evasão fiscal também é um assunto importante, agora que se está a discutir o próximo orçamento comunitário?

Será?! Estou muito desapontado com a presidência alemã da União Europeia, porque eles deram prioridade, e bem, à dívida comum, e o programa de recuperação, o Próxima Geração UE, é realmente um marco em direção a uma maior solidariedade na Europa. Mas do lado das receitas a presidência alemã investiu muito menos capital político e por isso muitos programas e propostas da Comissão estão bloqueados no Conselho. É o caso da proposta sobre o imposto nas transações financeiras; o relatório país a país das grandes companhias (que poderia criar transparência); a reforma do IVA. Está tudo bloqueado. A base tributária consolidada comum – que acabaria com as estruturas de evasão fiscal das companhias – também está bloqueada no Conselho. E isto são muitas coisas importantíssimas que estão bloqueadas ao nível da discussão nos Estados-membros.

E porquê?

Porque é necessária a unanimidade. E infelizmente o Luxemburgo é uma parte do problema. Tanto o anterior Governo como o atual são sempre muito relutantes em criar impostos para as companhias, a posição é sempre a mesma. E também bloquearam a taxa digital. Mas tenho esperança que o Luxemburgo encontre um modelo de negócios mais sustentável porque este seu sector financeiro baseado em vantagens fiscais não tem futuro.

E a que se deve isso?

Os outros estados membros não irão aceitar. Agora com a pandemia, a Alemanha tem um deficit das contas públicas da ordem de 100 mil milhões. A França o mesmo. E por isso, as coisas estão a ficar difíceis para os paraísos fiscais. O Luxemburgo vai ter que mudar. Tal como a Alemanha em relação à indústria automóvel. Nós fabricamos sobretudo carros muito poluentes. Se não mudarmos rapidamente estamos em risco de perder a nossa base industrial. Da mesma maneira, um setor financeiro baseado em competição fiscal não é uma base sustentável para a indústria financeira no Luxemburgo. No Luxemburgo hoje pode viver-se bem, mas isso está baseado num modelo de negócio que vai ser inviável.