Contacto
OpiniãoEnergia

Não lhe dês mais gás

Ficar (ainda mais) dependente da Rússia para o fornecimento de energia é uma autêntica bomba-relógio, e uma que já está a explodir.

O "Nord Stream 2", o segundo gasoduto no Mar Báltico que vai fornecer gás natural à União Europeia.

O "Nord Stream 2", o segundo gasoduto no Mar Báltico que vai fornecer gás natural à União Europeia. © Créditos: Stefan Sauer/dpa

Mudou o governo, ficou a megalomania. Durante os últimos anos, contra a vontade e o interesse do resto da União Europeia, contra a vontade e o interesse dos Estados Unidos e contra a vontade e o interesse da Ucrânia, a Alemanha governada por Angela Merkel insistiu encarniçadamente em construir um segundo gasoduto ligando directamente através do mar Báltico a cidade nortenha de Lubmin à Rússia, produtora do gás (o primeiro gasoduto, mais pequeno, já existe desde 2011, inaugurado entre sorrisos por Merkel e Medvedev).

Ficar (ainda mais) dependente da Rússia para o fornecimento de energia é uma autêntica bomba-relógio, e uma que já está a explodir.

Os danos ecológicos desta empreitada – a queima de gás é a segunda maior fonte de dióxido de carbono na Europa, ou seja estamos a acelerar a destruição do planeta ao produzir e consumir gás –, acrescidos do risco de uma falha técnica que provoque um desastre, deveriam ser razões mais que suficientes para qualquer pessoa responsável se opor à sua construção.

Mas há algo ainda mais urgente. Ficar (ainda mais) dependente da Rússia para o fornecimento de energia é uma autêntica bomba-relógio, e uma que já está a explodir: no ano passado os preços da energia triplicaram. A principal razão? A Gazprom, companhia estatal russa, enquanto anunciava lucros trimestrais de 7 mil milhões de dólares (o triplo do ano anterior) fechou as torneiras para pressionar a aprovação do novo gasoduto. Entretanto, esta e outras grandes fornecedoras do produto usam os lobbies poderosíssimos que têm em Bruxelas para tentar assegurar o controlo futuro sobre as redes locais de energia, mantendo cada casa e apartamento na maior parte da Europa dependente do seu aquecimento a gás... e dos preços monopolísticos que elas decidam impor.

Ainda se fosse "só" isso... o verdadeiro perigo reside em Vladimir Putin e na sua voracidade expansionista que nos deixa, mais uma vez, à beira de um ataque de nervos com a possibilidade bem real de uma guerra a acontecer na Europa. Depois de basicamente ter tirado a península da Crimeira à Ucrânia sem, basicamente, ser penalizado por isso (o que só vem reforçar a sua sensação de impunidade), Putin cobiça agora a própria Ucrânia, peça essencial no seu plano de uma nova Rússia imperial.

Os norte-americanos, preocupados com o exército russo mobilizado perto das fronteiras, ameaçam com todo o tipo de sanções para o tentar conter. Os europeus esperam pela Alemanha. Ali, o novo governo de Scholz renova a obsessão por fazer o gasoduto; que é "um projecto privado e não tem nada ver com o governo russo", disse ele. Será que o ex-chanceler Gerhard Schröeder, que assinou o contrato para o primeiro gasoduto já depois de ter perdido as eleições de 2005 e é agora presidente do conselho de administração da Nordstream, já não tem mesmo nada a ver com o governo alemão?

As influências pessoais podem estar a condenar a Alemanha – e por extensão a Europa – a uma solução perigosa no curto prazo, pouco fiável no médio prazo e altamente poluente em todos os prazos. O contexto é o de uma Alemanha atrasadíssima na sua transição energética: as emissões de CO2 aumentaram 4% no ano passado; as centrais nucleares vão sendo fechadas e algo terá de as substituir, mas as renováveis apenas representam 40% da produção de energia (o objectivo de 80% é já para daqui a oito anos...). Deste modo, o vício do gás é difícil de largar. E como todos os vícios... pode levar o viciado à ruína. Olhando para as contas do aquecimento neste inverno, os viciados somos todos nós.

(Este autor escreve de acordo com o antigo Acordo Ortográfico).

Hugo Guedes, na floresta da grande cidade

A mudança para o Luxemburgo foi feita aos 21 anos - e logo de comboio, para apimentar a aventura. Ato contínuo começou a escrever na imprensa, sobretudo sobre desporto e viagens, paixões que cultiva com mais fervor que a gestão de empresas que seguiu na universidade do Porto. Agora vive em Bruxelas, onde tenta conciliar a floresta e a grande cidade. Escreve às terças-feiras.