Contacto

Investir na bolsa de telemóvel na mão

Há cada vez mais gente que investe no mercado acionista. Durante a pandemia, o número de pequenos investidores disparou e o caso GameStop mostrou a força que podem ter. O Contacto ouviu os conselhos e os alertas de um investidor e de um corretor.

© Créditos: Pixabay

Bruno Carlos Amaral De Carvalho

O caso GameStop, nos Estados Unidos, quando milhares de pequenos investidores se organizaram através do Reddit para declarar guerra aos fundos de investimento, conquistou a atenção mediática em janeiro. Em Portugal, o debate público sobre o mercado Forex ganhou dimensão nas redes sociais quando vários utilizadores denunciaram esquemas em pirâmide para burlar jovens interessados em aprender a investir na compra e venda de criptomoedas.

Os dois episódios, entre muitos outros, ilustram o interesse de novos públicos no mercado financeiro. De acordo com a DECO, o cenário da última década apresenta um crescimento exponencial das bolsas mundiais. Entre 2009 e 2019, houve um ganho 171,6%, em euros, valorizando, em média, 10,5% ao ano. A conjuntura de crescimento económico e as baixas taxas de juro, além de impulsionarem os lucros das empresas, tornaram o investimento noutros produtos, como os depósitos ou as obrigações, muito menos interessante, o que tem beneficiado os mercados acionistas.

Preparação e paciência

“Curiosidade, facilidade e baixo investimento associado à compra de ações através de um discount broker” foram as razões que levaram Nuno Queirós, engenheiro civil de 34 anos, a investir na bolsa em 2020. Ao Contacto explica que recorre à página Trading 212 para aplicar dinheiro através de uma estratégia que passa por “investir a longo prazo” em empresas que conhece bem. “São maioritariamente empresas ligadas ao meu setor de atividade: energia e renováveis”, acrescenta.

A Trading 212 corresponde ao perfil dos novos investidores. É uma empresa de tecnologia financeira sediada em Londres que se apresenta como tendo o objetivo de democratizar os mercados financeiros “com aplicações livres, inteligentes e fáceis de usar, permitindo a qualquer pessoa negociar ações, Forex”, entre outros, e foi a primeira a vender na União Europeia um serviço de compra e venda de ações sem cobrar qualquer comissão. Só a aplicação móvel foi descarregada 14 milhões de vezes, tendo encabeçado em vários países a lista das ferramentas digitais que oferecem o mesmo tipo de serviço.

Nuno Queirós procura informar-se diariamente sobre os resultados das empresas em que investe e considera que os resultados “têm estado alinhados com o perfil de risco e retorno” que definiu. Questionado sobre se considera haver demasiado risco em investir na bolsa, entende que “depende da necessidade, preparação, expetativa e objetivo do investidor”. Para o engenheiro civil, “quem procura resultados imediatos, níveis de retorno superiores a 20% ou 30%, tem que se expor a níveis de risco muito elevados” e recomenda “paciência, estabilidade na estratégia de investimento” porque “day trading não é para todos”.

Erros a evitar

A trabalhar numa corretora europeia com presença no mundo inteiro, cujo nome prefere não revelar, Pedro Aires explica que há, de facto, um boom de novos investidores. Ao longo deste ano, a empresa em que trabalha “bateu em vários meses recordes sucessivos” em todas as métricas que usa para medir o desempenho, sendo uma delas a angariação de clientes.

Para este jovem corretor de 28 anos, o contexto sanitário obriga as pessoas a estarem mais tempo em frente ao computador, alargando a disponibilidade para os mercados financeiros, e considera que a pandemia, que teve como consequência o maior crash desde a crise do subprime em 2008 atraiu vários investidores. “As ações e o valor das matérias primas atingiram mínimos relativos. Ora, esta situação foi encarada por muitos como “saldos” nos mercados financeiros”, defende. E apresenta uma terceira hipótese. Refere a atribuição de cheques de apoio às famílias por parte do governo federal norte-americano. “Estando a cultura do investimento muito enraizada nesse país, muita gente viu aqui uma oportunidade para aplicar algum desse dinheiro nos mercados”.

Sobre o perfil dos pequenos investidores alega que “ter dinheiro no banco passou a ser uma despesa” devido às baixas taxas de juro e às taxas e anuidades a pagar. “É com base nesta realidade que muitos investidores fogem para investimentos alternativos de maior risco, mas com potenciais ganhos muito mais atrativos, como é o mercado acionista” e recorda a “democratização do acesso aos mercados financeiros como consequência da massificação do acesso a smartphones e internet móvel”.

Nesse sentido, descreve que há quem procure investimentos de curto prazo (menos de dois meses) “na expetativa de uma valorização rápida das ações”, enquanto outros procuram ter uma carteira de ações a médio e longo prazo “para durante esse tempo beneficiar de dividendos que a empresa possa pagar, não se preocupando tanto com a evolução do preço da ação”.

O corretor também recomenda prudência e, sobretudo, um investimento diversificado em diferentes ativos. “É recomendável que assim seja de modo a que o capital do investidor não esteja completamente exposto a um só ativo”. Nesse caso, “se algo corre mal com esse ativo, corre mal todo o investimento”.

Mas a facilidade no acesso ao investimento em bolsa nem sempre corre bem. É um caminho que, de acordo com Pedro Aires, exige esforço e muito estudo. Explica que “investir nos mercados financeiros com a mesma mentalidade com que se faz apostas desportivas, algo muito comum, é meio caminho andado para perder o investimento todo”. Para prevenir alguns incautos de se meterem num poço sem fundo, a regulação europeia obriga as instituições financeiras a informar os clientes sobre os riscos desta atividade. “A maioria dos investidores perde todo ou parte do seu investimento nos mercados financeiros, sobretudo com a massificação deste tipo de investimentos, que inevitavelmente traz mais pessoas sem qualquer tipo de noção sobre como funcionam os mercados”, alerta.

Investir apenas o que se pode perder é uma regra sagrada e a aplicação de dinheiro deve ser feita através de uma corretora regulada pelas entidades competentes. Ainda assim, Pedro Aires considera que os investidores estão mais salvaguardados ao operar no mercado europeu, onde a regulação é mais apertada.