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Gás na UE

Este inverno está seguro, o próximo mete medo

Esta sexta-feira, os líderes dos 27 preparam o voto final sobre medidas para resolver o choque energético provocado por Putin.

© Créditos: Jan Woitas/dpa

Jornalista

A Comissão Europeia (CE) prepara medidas para garantir reservas de gás para 2023/24, que poderão estar abaixo das necessidades. Esta sexta-feira, os líderes dos 27 preparam o voto final sobre medidas para resolver o choque energético provocado por Putin.

Esta semana será decisiva na longa discussão sobre as medidas para garantir a sobrevivência e soberania energética quando Putin está a chantagear a União Europeia com a ameaça de cortar todo o gás. Durante esta terça-feira estão reunidos em Bruxelas os ministros da Energia da UE para discutir um mecanismo de emergência para impor aos fornecedores um preço máximo de compra de gás.

À entrada da reunião, a comissária europeia da Energia, Kadri Simson, disse que esta vai ser uma das discussões mais difíceis de todas as nove reuniões extraordinárias convocadas desde agosto para reduzir as faturas dos preços galopantes da eletricidade e garantir que não há cortes de energia.

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Semana D para tomar medidas na energia

Na segunda-feira, a abrir o debate sobre energia que está a acontecer entre todas as instituições ao mesmo tempo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, convidou o presidente da Agência Europeia de Energia, Fatih Birol, para apresentar o que foi feito até aqui para garantir este inverno e o que tem de ser feito para o próximo ano.

Conclusão dos dois: este ano está assegurado em termos de reservas suficientes (falta baixar mais os preços), mas o próximo ano pode ser assustador. "Preparar para o próximo inverno, o de 2023-24 começa agora. Por isso estamos a mudar o foco para essa estação", explicou von der Leyen depois de ter elencado as 10 medidas que foram tomadas em 10 meses para garantir que há gás a fluir para as casas e empresas, e as medidas para limitar a explosão dos preços da energia que está a causar uma inflação histórica e a pôr famílias e empresas no limite da sobrevivência financeira.

Algumas dessas medidas propostas ainda não estão em vigor e von der Leyen disse que está a pedir ao Conselho Europeu "que as adote rapidamente", para que o próximo inverno que aí vem não seja terrível.

Quinta-feira, dia 15, será um dia decisivo, com a reunião do Conselho Europeu em Bruxelas, onde os 27 líderes irão tomar decisões de fundo. A reforma do mercado de eletricidade (que tem sido acusado, sobretudo a sua bolsa de referência, o TTF, de incentivar escaladas de preços), e as propostas da Comissão sobre eficiência e um maior investimento em infraestruturas inovadoras de energias renováveis, estão na agenda. E também o polémico mecanismo de emergência para limitar a compra de gás a um preço máximo (o chamado teto de gás).

Para 2023-24 podem faltar 30 mil milhões de metros cúbicos de gás

Em 2022, em retaliação contra o apoio da UE à Ucrânia, a Rússia cortou o seu fornecimento de gás à Europa em 80%, mas as ações desencadeadas pelos países e sugeridos por Bruxelas – de poupança doméstica e de comprar a outros novos países – levaram a que este inverno o gás guardado chegue para as necessidades. Mas para o próximo inverno, os políticos europeus preveem que Putin corte todo o fornecimento. Se isso acontecer, e se o próximo outono/inverno for mais frio, do que este que estamos a viver, o choque energético pode ser sério. "Poderemos ter uma falta de 30 mil milhões de metros cúbicos de gás no próximo ano", para a União Europeia, disse esta segunda-feira von der Leyen aos jornalistas. Por isso, "temos que ser muito ambiciosos e temos que agir muito depressa", disse.

Este ano, com os pipelines vindos da Rússia a "meio gás", e com a sabotagem do NordStream 1, a UE conseguiu comprar 130 mil milhões de metros cúbicos de gás natural liquefeito (LNG), que chega de barco aos portos da Europa, noutras paragens, que não à companhia russa Gazprom. Ursula von der Leyen disse acreditar que para o ano se consiga o mesmo volume vindo de parceiros como a Argélia, o Egito, os EUA, ou a Noruega, mas nada está hoje garantido.

Por isso pediu, mais uma vez, que o Conselho Europeu – que se reúne dentro de dois dias – aprove a entrada em funcionamento da plataforma de compra conjunta de gás. "Temos de tornar a compra conjunta de gás uma realidade. Já montámos a plataforma e cada hora de atraso tem um preço", disse Leyen. Se houver um ok esta semana, em março de 2023 podem começar as primeiras compras.

Comprar gás em conjunto (em nome de todos os países) é uma maneira de a União Europeia se apresentar aos fornecedores como um 'jogador' poderoso, com o peso dos seus 450 milhões de habitantes, e podendo assim negociar melhores preços e maiores volumes de combustível.

A primeira grande crise energética global

Fatih Birol proferiu uma declaração definitiva: "Estamos no meio da primeira verdadeira grande crise energética global. O nosso mundo nunca enfrentou uma crise desta profundidade e desta complexidade". O próximo ano traz desafios novos, como o acordar da China da sua letargia industrial provocada pela política restritiva covid zero. A China poderá tornar-se um grande sugadouro de LNG e podendo pagar preços mais competitivos. Outro risco, não geopolítico mas meteorológico, é o do próximo inverno ser mais frio, levando à necessidade de consumir mais gás para aquecimento. Além disso, no mercado internacional a quantidade de LNG disponível é limitada.

O diretor da IEA elogiou o trabalho da UE para superar a crise energética deste ano "penso que com o trabalho que foi feito este ano a UE está safa, embora não sem feridas sociais e económicas".

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Baixar um grau no aquecimento dentro das casas

Para o próximo ano, que pode ser mais difícil, a líder do executivo europeu e o diretor da IEA, entendem que há medidas que podem amortecer os danos. "É um grande desafio, até porque temos que conseguir suprir a falta previsível de 30 mil milhões de metros cúbicos e, ao mesmo tempo, manter esse objetivo alinhado com a causa climática europeia", disse Birol.

As medidas apresentadas são cinco. Aumentar rapidamente a eficiência energética, sobretudo nas casas, começando com a habitação social, e incentivar o uso de lâmpadas LED na iluminação pública; acelerar a concessão de licenças ao grande 'pipeline' de projetos de energia solar e eólica que esperam aprovação; incentivar a mudança do aquecimento doméstico para bombas de calor; e mudar o comportamento dos consumidores levando-os a baixar o aquecimento doméstico dos 22 graus centígrados (a média das habitações na UE), para os 21.

Esta mudança, estima-se que poderia poupar 10 mil milhões de metros cúbicos de gás. E, finalmente, algum gás que está a ser desperdiçado em queimas nos poços, como é o caso na Argélia e Egito, incentivar esses países a capturá-lo e enviá-lo à Europa.

Estas medidas, admitiu Fatih Birol, podem custar muitas centenas de milhões de euros, "mas isso será poupado nos próximos dois anos com a quebra nas contas de gás natural. Trarão também muitos benefícios às casas e negócios, acelerando a transição para as energias limpas e permitindo à Europa acabar com a chantagem energética da Rússia".

Os que morrem na Ucrânia

Na visão alargada sobre a energia na EU, von der Leyen resumiu que é preciso aumentar a eficiência e a poupança, comprar gás em conjunto e acelerar para a renováveis. E para isso vai ser preciso mais investimento público, assentiu a presidente da CE.

Na manhã desta terça-feira, no Parlamento Europeu, no debate sobre alterações às diretivas sobre energias renováveis, performance de edifícios e eficiência energética, Frans Timmermans, o vice-presidente da Comissão responsável pela pasta do Clima, salientou que "a duas horas de avião há jovens a morrer todos os dias para proteger o seu país da invasão de um invasor autocrático".

E explicou o que têm estas mortes brutais a ver com a crise de energia: "Este autocrata está a usar o recurso que tem, os combustíveis fósseis, como arma de guerra, não só para subjugar e conquistar a Ucrânia, mas também para nos derrotar e impor a sua visão de uma sociedade autocrática em toda a Europa".

Timmermans pediu que pelo menos uma vez por dia que os europeus se lembrassem deles e que percebessem que "aumentar a soberania energética" da UE é uma forma de luta "pelo nosso modo de vida europeu".