A casa ganha sempre
“Ocean’s 11”. Na excelente versão de 2001, George Clooney faz de Danny, um sofisticado ladrão que elabora um plano para assaltar três casinos de Las Vegas. Brad Pitt, um dos contratados para levar o plano a cabo, não está totalmente convencido e pergunta-lhe: “porquê fazer isto?” Clooney lança-se numa tirada: “Porque a casa ganha sempre. Podes ficar a jogar indefinidamente e nunca conseguirás mudar o sentido das apostas, a casa acaba sempre contigo.”
"A história da falência dos bancos Silicon Valley, Signature e First Republic – e ainda da quase falência do Crédit Suisse, comprado à pressa pelo UBS por 3 mil milhões de euros – é bastante linear." © Créditos: AFP
A intuição de Danny está correcta, claro. A estatística explica facilmente porque a casa ganha; numa roleta, por exemplo, a probabilidade média é que, cada noite, o casino arrecade 5,2% de todas as apostas na mesa. É por isso que dá um arrepio na espinha quando nos apercebemos que vivemos numa economia de casino – e a falência simultânea de três casinos, perdão, de três bancos americanos na passada semana serviu de belo lembrete.
A história da falência dos bancos Silicon Valley, Signature e First Republic – e ainda da quase falência do Crédit Suisse, comprado à pressa pelo UBS por 3 mil milhões de euros – é bastante linear. Durante a pandemia, empresas de tecnologia, energia etc. tiveram lucros absolutamente extraordinários que depositaram nestes e outros bancos. Com os cofres cheios, os bancos fizeram o de sempre: mantiveram 1% desses depósitos, distribuíram bastantes milhões pelos accionistas, e foram jogar, perdão, investir o resto. Compraram, por exemplo, obrigações do Tesouro de longo prazo, que prometem um rendimento decente quando as taxas de juro estão baixas (e estavam quase a zero).
Só que há um ano, com a inflação a níveis insuportáveis, as taxas de juro começaram a subir, o que destruiu o valor das obrigações antigas – as novas pagam agora muito mais – ao mesmo tempo que secava a fonte de capital das empresas (empréstimos baratos). Para fazer face às despesas correntes, estas começaram todas a precisar do dinheiro que tinham depositado... e o banco não o tinha.
A banca, fortemente regulada e proibida de arriscar os depósitos dos clientes, costumava ser segura. Isso durou até ao final do século passado, quando poderosos lobbies conseguiram pagar a suficientes políticos para anular todas as restrições à economia de casino; daqui até ao grande estouro de 2008 vai uma linha recta. 2008, o ano em que se iniciou a pior crise financeira, e depois económica, desde a Grande Depressão.
As feridas do que veio a seguir ainda não estão curadas. Enquanto os cidadãos comuns eram atirados às feras, perdendo casa, emprego e serviços públicos, o dinheiro foi desviado para pacotes maciços de salvamento dos bancos que tinham irresponsavelmente criado o problema, metendo ao bolso os lucros enquanto eles existiam e sabendo que o Estado os ia salvar quando a bolha explodisse – porque afinal, num sistema viciado, a casa ganha sempre.
Repete-se a história? Estamos no início de uma nova crise bancária? A Europa – mais que os EUA – aprendeu algumas lições com o último desastre e tomou medidas para fortalecer o sistema. O BCE tem um mecanismo de supervisão sobre os bancos, que estão também obrigados a manter um pouco mais de capital dentro de portas e a realizar regularmente testes de stress que são (supostamente) rigorosos. Falhando tudo isto, há também um procedimento padronizado para lidar com bancos em dificuldades. Todas as declarações recentes de políticos nos asseguram que está tudo bem e o sistema não está em perigo.
Não chega para tranquilizar: pandemia, guerra e inflação deixaram a economia europeia em situação vulnerável, e os bancos com demasiado crédito malparado. Há risco de contágio sistémico, e os traumas passados não ajudam à confiança...
*Autor escreve ao abrigo do antigo AO.