Superliga. Guerra aberta no futebol europeu divide adeptos, jogadores, treinadores e clubes
Os 12 clubes que anunciaram um torneio fechado para a elite do futebol europeu estão debaixo de fogo e a UEFA já ameaçou expulsar quem se atreva a participar na Superliga.
É quase um cisma como o que dividiu a igreja católica em duas. Em 1054, a Igreja Cristã partiu-se em duas numa fronteira que jamais terminou. De um lado, a Igreja Católica Apostólica Romana, do outro, a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. Os líderes das duas fações excomungaram-se mutuamente numa disputa religiosa que ainda hoje se mantém. Uma das grandes divisões é a oposições dos ortodoxos à adoração de imagens, com um olhar menos material e mais espiritual sobre a religião.
Hoje, o cisma que põe clubes, empresários, adeptos, jogadores, treinadores e até governantes em confronto não é a adoração de imagens, mesmo que ela exista, e muito, no mundo do futebol. É a ideia de um futebol para as elites num modelo que agrada mais aos empresários e menos aos adeptos. Os adeptos do Liverpool encheram a entrada do estádio de Anfield com faixas contra a Superliga, indignados com a decisão do clube.
A tensão é tal que são vários os jornais portugueses que dão conta de que o despedimento de José Mourinho terá precisamente a ver com a participação do Tottenham nesta competição. Questionado no passado sobre a possibilidade da criação da Superliga Europeia, o treinador português nunca escondeu estar contra essa hipótese.
Nas últimas horas, de acordo com dados da Reuters, as ações do clube onde joga Cristiano Ronaldo estão a valorizar 12,42% para cotarem nos 86,55 cêntimos, enquanto o Manchester United chegou a somar mais de 5% antes da abertura. Os títulos do clube britânico negoceiam na bolsa norte-americana, pelo que só na abertura de Wall Street será possível perceber o impacto da Superliga nas ações. Nas redes sociais, os utilizadores viralizaram a fotografia de uma faixa aberta num estádio que apresenta o futebol como tendo sido "criado pelos pobres e roubado pelos ricos".
No Twitter, Luís Figo, ex-jogador de três dos fundadores desta competição, Barcelona, Real Madrid e Inter de Milão, afirmou que esta Superliga é "tudo menos super". Para o antigo internacional português, é um "movimento ganancioso e insensível" que significaria um "desastre para as nossas raízes, para o futebol feminino e para a comunidade do futebol em geral". Defende Luís Figo que serve apenas para "proprietários interessados em si mesmo que há muito deixaram de se preocupar com os seus adeptos e com desrespeito pelo mérito desportivo".
Pinto da Costa afirmou esta segunda-feira que o Futebol Clube do Porto recebeu contactos informais, mas referiu que é uma prova contra as regras da União Europeia e UEFA, que já ameaçou expulsar os 12 clubes fundadores da Superliga. A própria FIFA rejeitou o projeto e jogadores como Cristiano Ronaldo ou Leonel Messi podem ficar de fora das competições europeias e mundiais se participarem na Superliga.
À frente deste novo campeonato está Florentino Pérez, antigo presidente do Real Madrid, que que é objeto da fúria dos adeptos nas redes sociais. Aliás, as páginas destes 12 clubes são o espelho da revolta dos sócios e de adeptos de outras equipas que também questionam o mérito dos participantes neste grupo de elite.
Em Portugal, Pedro Proença também foi muito crítico. "A hipótese da criação de uma Superliga europeia, pensada e desenhada por uma pequena elite com intenções exclusivas, é algo a que nos continuaremos a opor frontalmente. Uma insanidade que colocaria em causa todos os alicerces fundamentais em que o futebol sempre se desenvolveu", defendeu o presidente da LPFP.
O Spartak de Moscovo aproveitou esta guerra aberta para piscar o olho aos adeptos destes 12 clubes. Numa publicação, convidam-nos a apoiarem o clube moscovita.
Numa outra publicação, o Bray Wanderers, que joga na 7ª divisão irlandesa, afirmou que foi tantas vezes campeão como o Tottenham para questionar os critérios que levaram à seleção das 12 equipas da Superliga.
Mas as reações políticas não se fizeram esperar. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, comprometeu-se esta segunda-feira a "fazer tudo o que possa" para travar o projeto. "Vamos ver tudo o que podemos fazer com as autoridades do futebol para garantirmos que isto não vai para a frente como está planeado", afirmou no Twitter.
No mesmo sentido, o Presidente francês Emmanuel Macron expressou-se em comunicado para garantir que atuará por forma a proteger a integridade das competições das federações, tanto a nível interno como no plano europeu. "O Presidente da República saúda a postura dos clubes franceses, que recusaram participar num projeto que ameaça o princípio da solidariedade e mérito desportivos", referiu.