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Euro 2020

Portugal vs Bélgica. Só vale ganhar, nem que seja nos penáltis

No bafo de Sevilha, há um braço-de-ferro entre os goleadores mais eficazes desde o último Euro: Lukaku (48 golos) vs Ronaldo (51).

© Créditos: AFP

Empate, empate, empate, empate, empate, vitória, empate, vitória, derrota, empate. O código morse de Fernando Santos é assim para o monótono. Estamos só a falar de resultados em 90 minutos por Portugal no Euro, a propósito do jogo de hoje para os oitavos-de-final, em Sevilha.

Vem aí a Bélgica, líder mundial do ranking FIFA com melhor aproveitamento na qualificação (10 vitórias em 10 mais 40:3 em golos) e ainda sem qualquer deslize na fase final, à conta de 3:0 vs Rússia, 2:1 vs Bélgica e 2:0 vs Finlândia. A sua figura é Romelu Lukaku, autor de 48 golos nas últimas 50 internacionalizações. Formidable, magnifique, super. É, é formidável. E magnífico. E super. Melhor mesmo só Ronaldo, 51 golos em 50.

Baaaaaah. Que mania de estragar a festa dos outros. É assim, o capitão português. Melhor marcador deste Euro (5), melhor marcador da história dos Euros (11), melhor marcador de selecções na história (109), melhor marcador da história (783). Golos é com ele. E já tem a Bélgica no seu currículo, por duas vezes, ambas em Março. Em 2007, bis no José Alvalade para o apuramento do Euro-2008 na tal noite daquela trivela de Quaresma, ainda na era Scolari. Em 2016, um cabeceamento a fazer o 2:0 em Leiria, já com Fernando Santos.

Por falar em golos, de quem é o único golo de cabeça de um guarda-redes na 1.ª divisão portuguesa? Guy Georges Daniel Marie Ghislaine Hubart. O nome completo é grande, elástico. Hubart, de seu nome artístico, é o primeiro guarda-redes belga na 1.ª divisão, um pré-Preud’homme e pré-De Wilde.

Chega a Portugal no Verão 1986, como suplente de Alfredo no Boavista de João Alves. A estreia dá-se na Luz, vs Benfica, por mero acaso. Ou melhor, provocada pela histeria de Alfredo, expulso por Fortunato Azevedo aos 23 minutos, na ressaca do 2:0 de Nunes. Alega o guarda-redes uma falta de Manniche lá nas alturas. Ninguém vê, nem no Domingo Desportivo. Reduzido a dez e sem guarda-redes, João Alves substitui o brasileiro Nélson Bortolazzi pelo keeper suplente.

Esse mesmo, Guy Georges Daniel Marie Ghislaine Hubart. Que sofre o 3:0 de Manniche, ainda na primeira parte. O Boavista fixa o resultado, de penálti, por Tonanha. No jogo seguinte, vs Fiorentina, para a Taça UEFA, no Bessa, o número um é Hubart. Autor de dois penáltis defendidos, no desempate (os de Ramón Díaz e Onorati). É sol de pouca dura, a vida de Hubart na baliza do Boavista. O homem lesiona-se gravemente nos Arcos, em Novembro, e só volta a pegar de estaca de uma forma consistente na época 1988-89.

Três anos depois, sempre como suplente, Hubart assina pelo Estrela, na 2.ª divisão. E aí começa uma aventura bem-sucedida, com subida à 1.ª, titularidade assegurada e um golo a garantir um ponto. Eis-nos no ponto de partida. É dele o único golo de cabeça por parte de um guarda-redes na 1.ª divisão. Na Reboleira, vs Chaves, ao minuto 88 para a jornada 15. Das 18 equipas, só uma falha o golo (Gil Vicente, 1:0 de Iordanov em Alvalade, frente ao líder invicto Sporting). De resto, é um agarra-se me puderes. Na Amadora, o Chaves de Vítor Urbano ganha 1:0, cortesia Marito. Nos últimos instantes, é canto para o Estrela e tudo dentro da área. Hubart, incluído. O canto é marcado com conta, peso e medida para a cabeça de Hubart. O espanhol Bastón nem a vê. É o 1:1 definitivo, alegria infinita para Fernando Santos. Vale empate, mais um.

E nós, nada para a troca? Ai temos, temos. Chama-se Sérgio Conceição. Domingo, 22 Agosto 2004. O Standard joga em Bruges para a 3.ª jornada do campeonato belga e o treinador Dominique D’Onofrio convoca dois portugueses. Um é Moreira, titular assumido, o outro é Conceição, reforço de Verão, via-Porto.

Aos 55 minutos, sai Moreira e entra Conceição. Onze minutos depois, um lance comum no futebol resulta na expulsão de Conceição. De malas aviadas para o Hamburgo, da Alemanha, o substituto Moreira reage contra o árbitro. "O Sérgio Conceição foi muito mal expulso. Ele sofreu uma falta e, como estávamos empatados 1-1, levantou-se depressa para ir buscar a bola, que estava nas mãos de um adversário. Este não quis entregar a bola e o Sérgio Conceição deu-lhe um ligeiro empurrão, algo que acontece em todos os campos de futebol. O adversário caiu e fez fita, contribuindo decisivamente para o cartão vermelho mostrado por Vervecken. Quando ele (Sérgio Conceição) saiu de campo, estava visivelmente irritado e foi directamente para os balneários, onde o encontrámos no final do jogo, ainda muito triste. Continuo a dizer que foi uma expulsão injusta. Eu tive de sair aos 55 minutos, porque levei com quatro entradas por trás e nenhuma delas mereceu o vermelho. Por que é que um jogador que quer reiniciar o jogo é expulso e outros que travam o adversário de forma agressiva não?"

O lance é tão inofensivo que a federação belga nem dá um jogo de castigo. Conceição assume-se rapidamente com titular, e até figura maior do Standard, graças a 11 golos e 11 assistências. O Standard nada ganha e, mesmo assim, Sérgio é eleito o melhor jogador do campeonato. Diz o próprio na hora de receber o prémio, uma Bota de Ouro. ‘O último futebolista do Standard que o conquistou foi o Gerets e já lá vão 23 anos. Por isso, os adeptos ficaram eufóricos, é tremenda a importância que se dá a este prémio. A zona francófona, a que pertence o Standard, é muito menos protegida que a zona flamenga, onde estão o Anderlecht e o Club Brugge. Há uma rivalidade enorme e é muito mais difícil a um jogador do Standard arrancar este prémio. É outra razão que me fez ficar muito feliz.’

(…)

‘Normalmente, estão três jornalistas nos nossos treinos. Hoje estavam 30. A Bota de Ouro é para partilhar com todos os meus companheiros, mas dedico-a, especialmente, aos meus pais, os meus grandes ídolos, e a toda a minha família que tem sido excepcional no apoio. São excelentes nos momentos maus, por isso merecem esta felicidade que partilho com quem realmente me ama.’