Messi, capitão de uma era
Argentina campeã mundial na final mais excitante de sempre
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Campeones, campeones, campeones, campeoneeeeeees. Argentina solta o grito preso desde 1986 e sagra-se campeã mundial na mais emocionante das finais de sempre com seis golos em 120 minutos e mais seis no desempate por penáltis.
O lote de coincidências entre os Mundiais México e Qatar é qualquer coisa de extraordinário. Numa primeira instância, envolve o Canadá. Depois, em plena competição, já mete Marrocos. E, finalmente, inclui a data de nascimento do árbitro da final. Vamos por partes.
Canadá é uma selecção norte-americana sem pergaminhos no mundo da bola e só contabiliza uma participação em Mundiais, a de 1986. No grupo de URSS, França e Hungria, os rapazes acumulam cerca de zero pontos e zero golos marcados. E deixam uma moda, a da mini barreira de dois homens entre a bola e a barreira na tentativa de perturbar a acção. Uma vez há em que o marcador de livre acerta em cheio na mini barreira e lá se vai a táctica. Posto isto, o Canadá nunca mais chega a uma fase final. De repente, 2022. De repente, a Argentina reconquista o mundo.
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Marrocos é uma selecção africana com algum pedigree. Em 1986, saca dois empates a zero vs Polónia e Inglaterra. No tudo ou nada, dá 3:1 e arruma Portugal. Como se isso fosse pouco, é a primeira equipa africana a passar a fase de grupos. Pois bem, em 2022, Marrocos reentra nas contas de Portugal, agora nos ¼ final. E volta a ganhar, agora 1:0. E volta a fazer história, agora como primeira equipa africana a chegar à ½ final.
Sete de Janeiro. É a data de nascimento de Arppi Filho, o árbitro brasileiro eleito pela FIFA para apitar a final do Mundial-1986 entre Argentina e Alemanha. Sete de Janeiro é também a data de Szymon Marciniak, o árbitro polaco eleito pela FIFA para apitar a final do Mundial-2022 entre Argentina e França. Madre mía, no es posible. É, acreditem, é.
No papel, se avaliarmos todos os convocados, França e Brasil apresentam-se como favoritos. Depois há candidatos, estilo Argentina, Espanha e, porque não, até Portugal. A diferença entre uma coisa e outra é ténue. Para um favorito cair em desgraça, há soberba. Para um candidato subir ao olimpo, há competência. E a Argentina, sem grande alarido, transforma-se em pleno Mundial. Até porque começa a perder, da forma mais espantosa possível e imaginária com 2:1 de virada vs. Arábia Saudita.
Para o segundo jogo, vs. México, o seleccionador Scaloni imita Scolari no Euro-2004 e saca três do quarteto defensivo: saem os laterais Molina mais Tagliafico por Montiel mais Acuña e substitui o central Lisandro por Romero. O único de estaca é o benfiquista Otamendi. Por falar nisso, é precisamente outro benfiquista a acalmar as hostes. Enzo entra e resolve o jogo como autor do 2:0 num remate formidável em arco com o pé direito, descaído para a esquerda na área. A partir daí, a Argentina entra nos carris e é um ver-se-te-avias.
A Polónia é despachada por 2:0 antes de entrar na fase a eliminar. A Argentina é abençoada com a Austrália, 2:1 já com o novo 9 em campo (Julio Álvarez no lugar de Lautaro Martínez). Segue-se a Holanda, 2:2 e penáltis com Lautaro a fechar as contas, já depois de Emiliano adivinhar os remates de Van Dijk e Berghuis. Quando há dúvidas sobre a capacidade da Argentina, sobretudo a questão da concentração durante o jogo inteiro (porque a Holanda vê-se a perder por 2:0 e chega ao 2:2 em nove minutos, ainda por cima no último lance dos 90 minutos), Messi saca do seu génio.
Quer dizer, Lio já dera brado na fase de grupos e até no jogo vs. Holanda, com aquele passe do outro mundo para o 1:0 de Molina. O lance em si é extra-sensorial. Se o virmos através da câmara de cima, é um mimo e ultrapassa ainda mais a compreensão do comum mortal. Como é que ele mete a bola ali, que até nem é o buraco da agulha, é muito menos que isso, sem sequer levantar a cabeça?
Dizíamos, Lio em forma. É o seu último Mundial, repete-o uma e outra vez. Aos 35 anos, é o seu quinto e último Mundial. A ½ final vs. Croácia é um jogo extraordinário do capitão argentina. O rapaz marca o primeiro da noite, de penálti, e faz a jogada individual mais vistosa do prélio na cara do melhor central do torneio (Gvardiol) para o 3:0 de Álvarez.
Apresenta-se na final a França, campeã em título. A primeira parte é toda da Argentina, culpa de Scaloni. A titularidade-surpresa de Di María deixa atónita a França e a Argentina ganha avanço com dois golos na primeira parte, ambos com carimbo de Di María. No primeiro, é sobre ele o penálti, depois transformado por Messi. No segundo, é ele o autor do toque final de uma jogada vertiginosa a quatro toques desde a área contrária.
Até aos 75-e-tal-minutos, a França parece adormecia, de ressaca. Até que Otamendi faz penálti e Mbappé reduz. No quadradinho seguinte, empate por Mbappé num remate fantástico de primeira, já dentro da área. Venha de lá o prolongamento. Caaaalma, aos 90 mais muitos minutos, Messi finge um drible para dentro, vai para fora e atira forte para defesa apertada de Lloris. Agora sim, prolongamento.
Nos 30 minutos extra, a Argentina aparece confiada em resolver a final antes dos penáltis e Messi faz o 3:2 numa outra jogada com princípio, meio e fim. A França, sempre atenta, irrequieta-se e ganha outro penálti. Na mesma baliza do 2:1, Mbappé vs. Emiliano. A bola vai para o mesmo lado, 3:3. No último minuto do prolongamento, para tornar o jogo ainda mais imortal, Kolo Muani falha o 4:3 (ou melhor, Emiliano faz uma defesa memorável). Na jogada seguinte, Lautaro também tem o golo nos pés. Em vão.
Penáltis, aí vamos nós. Cinco minutos e 15 segundos depois, Montiel desfaz a dúvida, a Argentina coroa-se campeã mundial e Messi é elevado a deus, aos ombros dos populares, em pleno relvado, como Maradona em 1986. Coincidências.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)