Dérbi, a magia de sempre
Uma vitória do Sporting vale a entrada directa na Liga dos Campeões, uma do Benfica atenua a crise interna, o empate pisca o olho ao FC Porto na conquista do título de campeão.
© Créditos: LUSA
Entre eles, só um elo de ligação em 2021-22: tanto Sporting como Benfica eliminados por equipas inglesas na Liga dos Campeões, e com empates fora na 2.ª mão (City 0:0, Liverpool 3:3). De resto, é uma diferença abismal. O Sporting parte para 2021-22 como campeão em título, o Benfica como indiscutível favorito.
Qualquer coisa como 29 jornadas depois, o Sporting está ainda de olho no primeiro lugar (e, atenção, não é bicampeão desde 1952) e o Benfica afunda-se no terceiro (se se mantiver assim, é o último do pódio pela segunda época seguida).
No dérbi da primeira volta, o Sporting expõe a nu todas as deficiências do arqui-rival, ainda por cima na Luz. Acaba 1:3, com Pizzi a marcar já nos descontos. Antes, uma noite mágica com bom futebol sportinguista e três golos belíssimos, sobretudo o de Sarabia.
Daí para cá, uma mudança significativa em Dezembro 2021 com a saída de Jorge Jesus e a entrada de Nélson Veríssimo, então líder da 2.ª divisão pelo Benfica B.
Pergunta de algibeira: quem é o último treinador do Sporting a ganhar os dois dérbis da mesma época para a 1.ª divisão?
Grande plano de Carlos Queiroz, treinador da equipa de futebol do Sporting Clube de Portugal, agosto de 1994. © Créditos: LUSA
Pergunta de algibeira: quem é o último treinador do Sporting a ganhar os dois dérbis da mesma época para a 1.ª divisão?
…
…
Queiroz. Ah pois é, Carlos Queiroz em 1994-95. Na ressaca do 6:3 de JVP no José Alvalade, o Sporting passa de candidato ao título a terceiro classificado, ultrapassado pelo FC Porto de Bobby Robson. A desilusão é imensa, num Verão em que Sousa Cintra saca Paulo Sousa e Pacheco ao Benfica. Mesmo assim, Queiroz aguenta-se no banco do Sporting, apoiado pelo presidente Sousa Cintra, no seu último ano de mandato (vem aí a era Santana Lopes), e até ganha a Taça de Portugal 1995, graças ao bis de Iordanov vs Marítimo. Nesse parêntesis, há dois dérbis para o campeonato.
O primeiro no José Alvalade, o outro na Luz. Em ambos, o Sporting sai-se vencedor. Com categoria. Amunike atira tão forte que Preud'homme nem a vê. Um-zero, no primeiro dia de Dezembro 1994. Em Abril do ano seguinte, o belga sofre golos dos búlgaros Balakov (chapéu de aba larga) e Iordanov (pontapé do meio da rua) em menos de cinco minutos. Dimas ainda reduz aos 22' e é só. O Sporting canta vitória na Luz por 2-1.
Daí para cá, nunca mais um treinador do Sporting ganha dois derbis ao Benfica na mesma época para a 1.ª divisão. Rúben Amorim, chamado à recepção. Em caso de vitória, é dois-em-um: recorde de 1995 e entrada directa na Liga dos Campeões. Do outro lado, um Benfica motivado pelo 3:3 em Anfield e sem o minímo interesse em prolongar a crise existencial interna nem em estender a passadeira (verde).
Na história da 1.ª divisão, só três derbis no José Alvalade à 30.ª jornada numa 1.ª divisão com 18 equipas. O primeiro de todos é em 1994, o tal do 6:3. Líder com dois pontos de vantagem, o Benfica empata 1:1 em casa vs Estrela e permite a aproximação do Sporting (4:0 vs Beira-Mar em Aveiro) na véspera da visita a Alvalade.
Ler mais:O dérbi na Páscoa
O ambiente é de festa, com algum excesso de confiança à mistura: na instalação sonora do estádio, oferece-se um prémio ao jogador do Sporting que marcasse o quarto golo. O início até é prometedor, através dos golos de Cadete e Figo, só que o Benfica ganha 3-2 ao intervalo com um sensacional hat-trick de João Vieira Pinto em tão-só 14 minutos.
Como se isso não bastasse, o festival do número 8 prolonga-se pela segunda fora com uma finta de corpo inteligente para o 4-2 e a assistência para o 5-2. Só não é tido nem achado no momentâneo 6-2. Antes de Balakov fixar o 6-3, de penálti, JVP é substituído e recebe um passou-bem do treinador sportinguista Carlos Queiroz.
No final, só Jesus Correia quebra o silêncio da bancada VIP, sem um benfiquista sequer, devido ao corte de relações pelo Verão quente do ano anterior. ‘Fez-me lembrar os jogos do meu tempo. Cada remate era um golo, isto foi horrível.’
Já no início do século XXI, eis o segundo dérbi. Este bem menos decisivo. É a magia da Taça UEFA no ar: quem ganhar, é o feliz contemplado a fechar o pódio da 1.ª divisão, atrás de Boavista e Porto. Na primeira volta, ainda um Mourinho vs Inácio, o Benfica convence com 3:0. Na segunda, já um Manuel Fernandes vs Toni, o Sporting vinga-se com pompa e circunstância na mesma moeda. A inclusão de Beto a médio defensivo ao lado de Paulo Bento é uma novidade maiúscula. E tudo corre às mil maravilhas desde o início.
Aos 2’, calcanhar de JVP para Sá Pinto, drible desconcertante sobre Chano e remate de pronto para defesa de Bossio. Na recarga, o compatriota Acosta marca com a baliza aberta. Aos 21’, livre curto de André Cruz para Rui Jorge e cruzamento para a molhada, com o capitão Barbosa a saltar mais alto que o capitão Ronaldo. Até ao intervalo, o Sporting dispõe de uma série de oportunidades flagrantes, por Sá Pinto, Acosta, JVP, entre outros, e Bossio já nem os pode ver à frente. O 3:0 é de Beto num pontapé fora da área, após tirar Sabry da frente. Nos 33 minutos em falta, o Benfica sofre a valer e o resultado até é curto. Só Acosta falha dois golos na cara de Bossio para desespero cómico de Manuel Fernandes.
Mais à frente, em 2017, empate a um golo. Marca primeiro o Sporting aos cinco minutos, por Adrien, de penálti, a castigar falta evidente de Ederson sobre Bas Dost. O guarda-redes brasileiro domina mal a bola e o holandés aproveita para roubar-lhe a bola. Bem no apito, Artur Soares Dias. O Sporting está perto, pertíssimo do 2:0, só que nunca chega lá. É então que aparece um rasgo de génio do central sueco Lindelof, na transformação de um livre directo, aos 66’. O empate chega e sobra para o Benfica se manter na frente da 1.ª divisão, com um ponto de avanço sobre o FC Porto. O inédito tetra está cada vez mais perto.
E hoje, como é? Complicado, até porque o dérbi no José Alvalade é um dos mais equilibrados em toda a Europa. E isso, convenhamos, é uma má noticia para o Sporting. Em casa, ganha 33 jogos e perde outros 33. Empates, 25. E em golos, outro empate a 125. Incrível. Desata-se o nó ou…? O FC Porto aguarda o resultado com particular interesse.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)