Benfica em Turim: só boas vibrações
É a magia da Liga dos Campeões, segunda jornada da fase de grupos. Fecha esta terça-feira o Benfica as contas de Portugal, vs Juventus, em Turim.
© Créditos: Carlos Costa/AFP
Frente a frente, as duas equipas com mais finais perdidas da competição (sete para a Juventus, cinco para o Benfica). E vitórias, taças levantadas? Duas para cada. O Benfica em 1961 e 1962 (José Águas é o capitão nas duas epopeias), a Juventus em 1985 (penálti fora da área vs Liverpool, inventado pelo árbitro, em dia de consternação no Heysel) e 1996 (penáltis dentro da área, no desempate vs Ajax).
No deve e haver, o Benfica é mais feliz que a Juventus em Turim. Acredite, é verdade. E também acredite nesta verdade: o Benfica em Turim é ovacionado de pé. Se a Juventus é a primeira equipa a ganhar as três provas europeias (Taça UEFA-77, Taça das Taças-84 e Taça dos Campeões-85), também é verdade que a grandeza da Juventus é uma máxima que só se aplica fora de Turim. Na sua cidade, quem mais ordena é o Torino (52% das preferências dos 911 mil habitantes). Já no Piemonte, a região de Turim, mais de metade dos 4,6 milhões de habitantes preferem a Juve. Turim é mais Torino, portanto. Quer isso dizer que o Benfica é mais adorado que a Juventus? Em condições normais, sempre.
A razão é simples, e triste. Trágica, aliás. Calma lá, o que se passa com Benfica e Torino e 1949? Campeã mundial em 1934 e 1938, a Itália do catenaccio ofensivo faz um longo parêntesis devido às amarguras da Segunda Guerra. Quando se volta a jogar futebol, uma equipa há que domina as restantes. Não é o Torino, é o Grande Torino. Tricampeão italiano em 1946, 1947 e 1948, o onze granata está lançado para o inédito tetra. Em Abril-49, antecipa-se o jogo vs Inter (0:0), segundo classificado a quatro pontos, só para estar no Jamor para a festa do capitão Francisco Ferreira.
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Embora o convite do Benfica seja bem recebido em Turim, o avançado italiano Valentino Mazzola sente-se desconfortável. “Faço o sacrifício para prestar homenagem ao capitão do Ben[1]fica e da selecção portuguesa.” Com o Sporting a revalidar o título de campeão com facilidade (seis pontos de vantagem), o Benfica agarra-se à Taça de Portugal. Ao 7:1 vs. Boavista segue-se 13:1 ao Académico de Viseu. Antes do jogo dos ¼ final, é o tal Benfica vs Torino no Jamor. No uso da palavra, Francisco Ferreira faz por esclarecer que “isto é uma homenagem, não uma despedida” e indica ainda que o timing do jogo ficara combinado entre ele e Mazzola em Fevereiro daquele ano, depois do Itália-Portugal em Génova.
No Jamor, as duas equipas jogam com galhardia. É um espectáculo digno de registo, com 40 mil espectadores e sete golos. Leva o Benfica a Taça Olivetti, com os golos de Melão (2), Arsénio e Rogério. É terça-feira, 3 Maio. As duas equipas jantam juntas no restaurante Alvalade, no Campo Grande. No dia seguinte, o avião Fiat G 212 descola às 9h52 do Aeroporto da Portela e faz escala para reabastecimento em Barcelona às 13h15. Daí sai às 14h50. À entrada do espaço aéreo italiano, a tripulação já sabe o que a espera, com denso nevoeiro e visibilidade horizontal abaixo de 40 metros. Às 17h05, na manobra de aproximação ao aeroporto de Turim, o avião pilotado por Pierluigi Meroni choca com a torre da Basílica de Superga.
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Todos, todos sem excepção, morrem. Os 31 elementos, entre jogadores, dirigentes e jornalistas. Há consternação em Turim, em Itália, na Europa, no mundo. Em Lisboa, por exemplo, milhares de pessoas visitam a embaixada de Itália para expressar a sua dor. Nas restantes quatro jornadas da Série A, tanto o Grande Torino como as outras equipas alinham os juniores. O tetra é uma realidade, tudo o resto é um mar de tristezas – a ida da azzurra para o Mundial-50 no Brasil é de barco. Beeem, que história. Benfica e Torino, unidos na dor desde 1949.
Daí para cá, Benfica e Juventus encontram-se três vezes na Europa. A vantagem é benfiquista, dois apuramentos (1968, 2014) vs uma eliminação (1993). A história começa em Maio 1968, na ½ final da Taça dos Campeões. Em vantagem pelo 2:0 na Luz (golos de Torres e Eusébio), o Benfica já sonha com a final em Wembley. É quarta-feira, 15 Maio. No domingo anterior, o Benfica goleia o Varzim por 8:0, com seis golos de Eusébio.
É este o nome mais forte naquela noite europeia. Damos-lhe a palavra. "Foi em Turim, no velho estádio Comunale. O resultado estava em branco quando, a meio da segunda parte, houve um livre directo a nosso favor, a mais de 40 metros da baliza italiana. Peguei na bola, ajeitei-a e comecei a recuar até ao nosso meio-campo para tomar balanço. De repente vejo que o guarda-redes mandara desfazer a barreira e o público nas bancadas ria às gargalhadas. Parti para a bola, rematei com força, muita força, e esta saiu como um bólide, foi-se desviando do guarda-redes, mais e mais, acabando por entrar junto ao ângulo. As risadas transformaram-se primeiro em silêncio e depois em palmas. Vencemos por 1:0."
Em 2014, mais uma ½ final, agora da Liga Europa. O Benfica chega a Turim com vantagem por 2:1. Jorge Jesus entra na sala de imprensa, solta um animado buona sera e despacha serviço. Quando lhe perguntam sobre o ambiente do estádio da Juventus, o treinador desconversa no seu registo. "Já vimos muitos jogos da Juventus no seu estádio e não é nada de especial". Vai buscar. "Costumamos jogar no Estádio da Luz, que tem 65 mil pessoas. No da Juventus, se estiver cheio, estão 40 mil. Por isso, não é obstáculo."
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E a verdade é essa mesmo, zero obstáculo: a Juventus de Conte não encontra o caminho da baliza de Oblak e não sai do 0:0. Passa o Benfica, mais uma vez. Na ressaca, e durante um jogo da liga italiana vs Udinese, os adeptos do Torino exibem uma tarja a agradecer ao Benfica. É só rir.
Avançamos no tempo, agarramo-nos ao presente. Ao aqui e agora, ao 14 Setembro 2022. É a segunda jornada da fase de grupos, ainda falta muito para as contas finais. Falta, sim senhor. Acontece que o Benfica ganha na primeira jornada (2:0 vs Maccabi Haifa, na Luz) e a Juventus perde (2:1 vs PSG, em Paris).
Ou seja, se o Benfica repete o 0:1 de 1968, estica a diferença para seis pontos em relação a Juventus. Convenhamos, é uma vantagem jeitosa e completamente fora do programa entre o sorteio e o calendário. Daí que seja um jogo importantíssimo para a história europeia do Benfica 2022-23. Ainda invicto, com 11 vitórias seguidas, entre seis para a 1.ª divisão e cinco para a UEFA, a equipa de Roger Schmidt deve aproveitar o estado de graça para dar um golpe de autoridade. Para alegria de milhões de portugueses, e também de 52% de Turim.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)