A equipa que Rui Nabeiro levou à final da Taça de Portugal
Como um homem se agarra a uma ideia e a transforma em sucesso, uma viagem à vida desportiva do benfeitor de Campo Maior.
Rui Nabeiro conseguiu levar a equipa da sua terra natal a uma final da Taça de Portugal. © Créditos: Nuno Veiga/Lusa
Em semana de arranque da selecção portuguesa (e luxemburguesa) para o Euro-2024, a ideia inicial deste espaço é falar dessa tão esperada primeira convocatória de Roberto Martínez. Só que a ideia cai por terra, porque, afinal, a convocatória é ainda de Fernando Santos. Eu explico: Martínez lê os convocados e a esmagadora maioria me soa a Santos. Tudo bem, compreendo, a sério. A palavra de ordem é continuidade.
O problema é que uma continuidade distorcida da realidade. Ronaldo, o do Mundial-2022, mente descaradamente na zona mista na ressaca daquele desabafo durante a substituição vs. Coreia do Sul. E nunca, jamais, pede desculpas. A trama da federação é enganar todo um povo e entalar o seleccionador. Durante um bom tempo (minutos, até horas), missão cumprida. Só que as câmaras denunciam a evidência e, aí, o seleccionador mete ordem no pedaço. Mal é eliminado, a federação chuta-o e recupera Ronaldo, com Martínez a fazer uma viagem à Arábia Saudita para saber de sua alteza. Depois, o outro problema, bem maior que o do elefante numa loja de porcelana, é a ausência de Florentino.
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Vamos lá ver, o Benfica de Schmidt está a dar cartas em 2022-23. Ao todo, 44 jogos e só uma derrota. Sim senhor, o Benfica está fora da Taça de Portugal e também da Taça da Liga, mas é primeiríssimo na 1.ª divisão com 10 pontos de avanço e é o único (digno) representante português na Liga dos Campeões, com legítimas aspirações de chegar à ½ final, uma vez que o Inter revela debilidades na eliminatória com o FC Porto, tal como o FC Brugge já mostrara. Bom, dizíamos, Benfica com 44 jogos. Único a fazer esses 44 jogos? Pois, Florentino. E o rapaz não é tido nem achado por Martínez? Está mal.
Já chega, vá. Já chega de escárnio e mal-dizer, vamos ao cerne da questão mais importante da semana, o desaparecimento de uma figura portuguesa ímpar por uns bons 70 anos. Falamos de Rui Nabeiro, o benfeitor de Campo Maior, o dono da Delta, o presidente do Campomaiorense. É ele quem vive um sonho na vida real, agarra no clube lá em baixo, nos confins do futebol nacional, até alentejano, e sobe-o à 1.ª divisão, com a preciosa ajuda do filho João Manuel, o do rabo de cavalo.
Os anos 90 são ouro, puro ouro. O Campomaiorense é campeão inédito da 2.ª B em 1992, sobe à 1.ª em 1995, desce à 2.ª em 1996, volta a subir à 1.ª em 1997 (como campeão da 2.ª Honra) e vai à final da Taça de Portugal 1999, perdida para o já despromovido Beira-Mar, com um golo de Ricardo Sousa, filho do treinador António. Para trás, uma série de dificuldades inenarráveis, próprias de um país pouco desenvolvido e, sobretudo, de uma região isolada e abandona ao deus dará pelo governo. É preciso um homem com agá maiúsculo para levar aquela gente para a frente. Rui Nabeiro faz o sacrifício sem sacrifício. Há ali prazer, gosto, ideias. Uma delas é a do futebol.
O Campomaiorense anda na 3.ª divisão nacional e o plantel é formado por campomaiorenses, homens da terra, quase todo jogadores-trabalhadores na Torrefação Camelo Lda, uma empresa da família Nabeiro, tal como a Delta, a Qampo e a Adega Mayor. Dessas jornadas desportivas, há a rivalidade férrea com Elvas e Portalegre, outros pontos estratégicos do Alentejo profundo. Quando o pai entrega o clube ao filho, em 1990, a transformação é permanente. O Campomaiorense é uma máquina em andamento, sem travão. A própria marca Delta cresce a olhos vistos e abre fronteiras.
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Segue-se o título de campeão da 2.ª B, zona centro, numa liguilha 100% vitoriosa vs. Amora (zona sul) e Felgueiras (norte). Como há uma dívida de 17 mil contos à federação, a taça não é entregue ao campeão. Baaaaaaah, só mesmo em Portugal. Adiante, siga a marinha. O salto para a 1.ª divisão é em 1995, sob o comando de Manuel Fernandes, com um empate na Madeira, vs. União (1:1, golo de Rudi). A estreia entre os grandes é amarga (16 derrotas seguidas) e só há um ponto a salvar-se, a chegada de Jimmy.
Contratado pela dupla Nabeiro (presidente) e Manuel Fernandes (treinador), o avançado é o melhor marcador da equipa, à conta de 12 golos. Logo ele que chegara a Campo Maior para um período de experiêncoa por cinco dias, via equipa da 3.ª divisão holandesa chamada SLTO. Ao fim do segundo dia, Manuel Fernandes já dera o sim para a contratação de Jimmy, alcunhado pelos colegas de Pato Donald, pelo andar às dez para as duas. Pois bem, Jimmy faz furor em Campo Maior antes de se transferir para o Boavista. Dai salta para Inglaterra (Leeds) e é convocado pela Holanda para o Mundial-98. As vidas que a vida dá. A frase também serve para o Campomaiorense.
É o primeiro (e único) clube alentejano a chegar à final da Taça de Portugal, um momento imperdível do nosso futebol muito tripartido entre Benfica, Porto e Sporting. A viagem está a chegar ao fim. O Campomaiorense desinveste no futebol e desce à 2.ª Honra em 2001. Já há muito dinheiro envolvido e escasso retorno para tanto investimento. Para a despedida em Campo Maior, 1:0 vs. Sporting. Golo de Poejo. É o ponto final de uma história bonita. Tal como a de Rui Nabeiro, ilustre português e campomaiorense dos sete costados.
(Autor escreve de acordo com a antiga ortografia.)