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OpiniãoCrítica de cinema

"Metronom". Ser jovem na Roménia de Ceaușescu

O estrangulamento político e cultural do regime de Ceaucescu através da vida de adolescentes à beira da idade adulta.

© Créditos: DR

Crítico de cinema

Apesar de a ação deste filme decorrer na Roménia de Ceaușescu, o nome do ditador é pronunciado apenas uma vez, numa anedota. Ceaușescu vai ao correio disfarçado para não ser reconhecido. O seu objetivo é perceber por que razão o selo com a sua imagem não se vende bem.

O funcionário explica que deve ser porque ele não cola. O ditador não percebe porque é que o selo não cola, mas o empregado explica que talvez seja porque as pessoas lhe cospem na parte da frente...

A piada diz muito sobre o índice de popularidade na Roménia do seu líder em 1972.

Quem a conta é um jovem estudante que é também um dos membros do grupo que larga o uniforme para ir a uma festa de adolescentes num apartamento. Enquanto os pais dos jovens observam, sem emoção, as façanhas do tenista Ilie Nastase nas televisões em preto e branco, os filhos juntam-se para beber, fumar, dançar e dar uns beijos.

Os meandros do amor adolescente nunca são tranquilos, mas se o romance acontecer no ambiente hostil da Roménia comunista dos anos 1970 o desafio é ainda maior...

Para a sua primeira longa-metragem, o escritor e realizador Alexandru Belc decidiu mostrar o estrangulamento político e cultural do regime através da vida de adolescentes à beira da idade adulta, cuja luta para encontrar a sua própria voz é tornada impossível pelas autoridades omnipresentes. E a lista de autoridades é vasta, dos pais à polícia política.

Quando conhecemos a protagonista, Ana, de 17 anos, está sozinha no meio de uma praça chuvosa de Bucareste. A jovem parece minúscula junto a um monumento enorme que representa uma cena de batalha. Sorin caminha através do nevoeiro como se fosse um ser celestial, como se descesse de uma nuvem.

A notícia de que Sorin acompanha a família numa nova vida na Alemanha deixa a jovem Ana perturbada. Como muitas outras cenas importantes no filme, esse momento dramático é representado em silêncio. Só mais tarde, durante uma festa, sabemos da partida. E nessa noite, a muito certinha Ana desafiou as ordens da mãe para ficar em casa e usa o vestido roxo da mãe de uma amiga num esforço para seduzir Sorin ou para proclamar o amor que por ele nutre.

Durante a festa o filme ganha vida: os amigos conversam, bebem, dançam e ouvem música que vai de temas tradicionais romenos a "Light My Fire" dos Doors (e esta é uma das poucas vezes em que esta obra tem música).

Esta longa sequência é o coração de "Metronom". E faz obviamente sentido porque o filme herda o seu nome do programa de rádio apresentado por Cornel Chiriac, primeiro na Rádio Roménia e depois, quando foi forçado a fugir do país por promover música proibida, na Rádio Europa Livre. Chiriac acabou por ser assassinado em Munique, em 1975, aos 33 anos.

© Créditos: DR

Ana e os amigos são ouvintes do programa "Metronom" e decidem escrever uma carta de agradecimento a Chiriac por este lhes dar uma visão alternativa e mais livre do mundo. Mas a polícia descobre a carta, e os jovens são acusados de conspiração.

As sequências em que Ana tenta manter-se firme e digna contra o poder da polícia secreta, que ameaça a sua família de indizíveis violências, são difíceis de assistir. A presença de Ana, com o vestido roxo, é cada vez mais pequena na cadeira que a segura diante daqueles homens ameaçadores.

O realizador revela que nem todos os protestos políticos têm de envolver multidões, mas que atos individuais podem ser poderosos, apesar de não obterem resultados imediatos.

Alexandru Belc, que trabalhou como assistente de realização com os famosos cineastas romenos Corneliu Porumboiu e Cristian Mungiu, assina um estudo silencioso e contemplativo dos efeitos da opressão, em vez de apelar à revolta das massas.

"Metronom" de Alexandru Belc, com Mara Bugarin, Serban Lazarovici, Vlad Ivanov e Mihai Calin.