História de pioneiro luxemburguês no Brasil chega ao Luxemburgo
O romance "A dama e o luxemburguês", do escritor brasileiro Marc André Meyers, atravessou o Atlântico graças à ex-jornalista portuguesa Sónia da Silva, que o traduziu para francês. A saga da emigração luxemburguesa para o Brasil chega agora ao Grão-Ducado.
Sónia da Silva assina a tradução em francês do romance “D’amour et d’acier”, do escritor brasileiro Marc André Meyers. Uma história inspirada em factos reais que conta a saga da emigração luxemburguesa para o Brasil © Créditos: Manuel Dias
O brasileiro Marc André Meyers tinha sete anos quando assistiu ao funeral do engenheiro luxemburguês Louis Jacques Ensch, o pioneiro da siderurgia no Brasil que inspirou o romance "D’amour et d’acier" ("A dama e o luxemburguês", no original). Os pais do escritor brasileiro eram luxemburgueses de Feulen e Diekirch que emigraram nos anos 1940 para Monlevade, em Minas Gerais, ao serviço da luxemburguesa Arbed. Nesses anos, a indústria siderúrgica em Minas Gerais era uma das jóias da coroa do Grão-Ducado: em pequeno, Marc André Meyers lembra-se de entregar flores ao príncipe Jean, futuro Grão-Duque do Luxemburgo, durante uma visita à localidade brasileira de Monlevade.
O escritor e professor de Engenharia na Universidade da Califórnia, hoje com 69 anos, entrevistou antigos trabalhadores e consultou fontes documentais para escrever o romance que conta a saga da emigração luxemburguesa para o Brasil. Uma história que é também a sua, mas sobretudo a da população "de aço" de Minas Gerais, "oitenta por cento de ferro nas almas", como no poema de Drummond de Andrade recordado pelo escritor durante a apresentação do livro, publicado pelas Edições Saint-Paul.
"Senti que se não contasse esta história, ela ia desaparecer", disse Meyers ao CONTACTO.
O romance, inspirado em Ensch, conta a história dos amores do pioneiro luxemburguês com uma brasileira de passado controverso, tendo como pano de fundo a saga da indústria siderúrgica no Brasil, nos anos 1920.
Na década de 30, a crise mundial leva a Arbed a querer encerrar a fábrica, mas Ensch, apaixonado pelo Brasil, recusa.
"A Arbed telefonou-lhe para ele fechar a fábrica em Monlevade e ele recusou: pediu empréstimos aos bancos e conseguiu manter a fábrica aberta", conta Meyers. Hoje, a fábrica prossegue, agora propriedade da Arcelor-Mittal.
"Ensch é um herói no Brasil", defende Meyers, mas a saga que inspirou o romance, publicado no Brasil em 2013, era desconhecida no Grão-Ducado.
LIVRO CHEGOU AO LUXEMBURGO ATRAVÉS DE PORTUGUESES
O livro chegou ao Luxemburgo graças a uma triangulação entre o Brasil, o Grão-Ducado e os portugueses do Luxemburgo. Em 2013, ano em que a editora brasileira Record publica "A dama e o luxemburguês", o escritor entra em contacto com o jornal CONTACTO, que publica uma notícia sobre o romance.
O livro acaba dessa forma por chegar às mãos de Sónia da Silva – na altura à frente das Edições Saint-Paul, propriedade do mesmo grupo editorial do CONTACTO –, que decide traduzi-lo para francês, de forma a fazer chegar a história aos luxemburgueses.
"Quando li o livro, pensei: 'Isto tem de passar de forma urgente para o património literário do Luxemburgo'", conta Sónia da Silva. A ex-jornalista, doutorada em literatura francesa, decide então traduzi-lo para francês, que considera a sua "língua natal".
"Eu tenho uma língua materna - o português, claro -, mas no meu percurso de vida 'renasci' quando adquiri uma 'língua natal', o francês, que me permitiu progredir num contexto multilingue e multicultural, por vezes fonte de conflitos identitários. O francês conferiu-me, de uma certa forma, uma segunda certidão de nascimento", explica.
Filha de emigrantes portugueses no Luxemburgo, Sónia da Silva cresceu em Bonnevoie a ouvir "a vizinha de cima e a de baixo a falar português", mas foi a língua francesa que a "emancipou" como cidadã e é nela que se sente em casa.
"O escritor israelita Aaron Appelfeld diz que 'não falamos a língua materna, ela flui'. No meu caso, a língua que flui é o francês, enquanto o português, que é a língua das minhas origens, me faz regressar ao tempo da minha infância, aos meus alicerces".
Sónia da Silva levou cerca de um ano a traduzir as quase 400 páginas do romance, nesta que é a sua primeira tradução literária. Um projecto que lhe permitiu fazer uso do Português, o idioma através do qual pôde devolver aos luxemburgueses uma história que faz parte da História do país.
"Poder reabilitar a minha língua materna, que tive de deixar de parte, e que tinha ficado, de alguma forma, anémica, deixou-me muito orgulhosa", conta ao CONTACTO.
Pelo meio, a tradutora (hoje responsável do departamento de comunicação do Museu Nacional de História e Arte) teve de lutar com expressões do português do Brasil que desconhecia e encontrar o caminho para restituir à versão francesa a musicalidade do português, "uma língua da mesma família".
"Foi um achado encontrar a Sónia, quem é que iria fazer essa tradução? Ela tem uma grande inteligência e sentido crítico, e foi essencial neste projecto, que é tão meu como dela", elogia o escritor brasileiro.
Meyers, que nunca perdeu o contacto com os amigos e familiares do Luxemburgo, espera que a história que escreveu "chegue agora aos luxemburgueses".
Paula Telo Alves
* Corrigido a 20 de Março de 2015. Altera explicação sobre língua natal e língua materna e acrescenta declarações de Sónia da Silva.