Galerista luso-descendente descobre quadro inédito de Delacroix
Quadro do pintor do Romantismo francês estava a decorar escritório
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O galerista Philippe Mendes, luso-descendente residente em Paris, colocou em exposição um quadro inédito do pintor francês Delacroix, que antecede a famosa pintura Femmes d'Alger dans leur appartement. Este quadro inédito esteve, nos últimos anos, a decorar um escritório, e foi a grande exposição patente no Louvre sobre a obra de Eugène Delacroix (1798-1863), o pintor do Romantismo francês, que começou por levantar questões à atual proprietária do quadro.
Depois de uma vida inteira com esta obra pendurada no escritório, e que terá sido comprada por seu pai, a sua dona interrogou-se sobre se as duas mulheres em poses e vestes exóticas não teriam alguma coisa a ver com Femmes d'Alger dans leur appartement (Mulheres de Argel Nos Seus Aposentos), um dos mais conhecidos quadros do pintor francês.
E foi aqui que entrou o galerista luso-descendente Philippe Mendes, que fez parte da equipa científica do Museu do Louvre. “A senhora pensou que o que tinha em casa tinha alguma coisa a ver com o que viu na exposição. Veio ver-me e aí questionei-me se só com duas mulheres seria possível [haver relação]. Mandei analisar o quadro porque, pictorialmente, esteticamente e artisticamente, estava tudo como um Delacroix. Com essa íntima convicção, comecei estudos históricos e artísticos”, relatou o galerista, em declarações à agência Lusa.
A composição original do Femmes d'Alger dans leur appartement representa quatro mulheres e pensava-se que tivesse sido pintado logo após ou ainda durante uma curta estadia de Delacroix na capital argelina. Este quadro foi apresentado com estrondo no salão de 1834 e marca um dos períodos mais interessantes do artista. Já o quadro apresentado a Philippe Mendes consistia apenas em duas mulheres, mas com traços muito próximos do quadro mais conhecido.
Aí, o galerista decidiu avançar com uma limpeza e com uma radiografia, descobrindo finalmente que o que tinha em mãos era um esboço detalhado do que viria a ser uma das obras-primas de Delacroix. O processo de autenticação demorou cerca de ano e meio. Mesmo não estando assinado, os traços, as cores, assim como a tela usada e o reposicionamento da composição mostram que o quadro descoberto e exposto entre hoje e o dia 11 de Julho, na galeria Mendes é mesmo um Delacroix, mudando também a narrativa da viagem do pintor.
Este será o quadro original, em que Delacroix fez o retrato das mulheres que mais tarde utilizaria na grande tela. “Eu chamo-lhe as primeiras impressões de Delacroix. É uma coisa rápida, lembra-se daquilo, vê a cena e pinta. O quadro tem um brilho incrível. Tal como diz uma das especialistas que consultámos, o quadro não é um estudo. É o retrato de uma das mulheres”, disse o galerista à Lusa.
Mas as provas não ficaram por aí. Havia registo de um Delacroix na coleção do Conde Mornay, diplomata e amigo do pintor, que se pensou até há pouco tempo ser uma versão tardia do Femmes d'Alger dans leur appartement, patente no Louvre. No entanto, o número do leilão atribuído a esta obra aquando a venda da colecção foi 118, e o quadro de Philippe Mendes tem essa marca 118, provando assim a sua proveniência.
Esta descoberta tem agitado o mundo da arte e a corrida está aberta para a compra do quadro. O galerista assegura que está em conversações com pelo menos quatro grandes museus norte-americanos, assim como também há interesse por parte do Louvre de Abu Dhabi, para a aquisição desta obra de Delacroix. Sem desvendar valores da compra, Philippe Mendes avança só que o custo dos seguros para expor o quadro é “imenso” e de modo a proteger esta obra, o quadro passará as noites num cofre e será trazido todas as manhãs para a galeria.
O quadro de Delacroix será apresentado esta quinta-feira, na galeria Mendes, com um catálogo de cerca de cem páginas, “redigido por um grupo de especialistas que atestam a autenticidade da obra”, na sequência de realização de várias análises científicas.
Delacroix é o pintor do Romantismo francês, o autor da pintura de referência da Revolução Francesa, La liberté guidant le peuple (A Liberdade Conduzindo o Povo), e de quadros como L'orpheline au cimetière (Rapariga Órfã no Cemitério), Fantasia Árabe ou Les Fanatiques de Tanger (Os Fanáticos de Tânger), assim como de um conhecido retrato de Chopin.
Nascido em Paris em 1977, filho de imigrantes portugueses, Philippe Esteves Mendes estudou Direito na Sorbonne, e depois História da Arte entre a Escola do Louvre e os Museus do Vaticano, em Roma. Especializou-se em pintura italiana do século XVII, e regressou ao museu de Paris para integrar o seu departamento científico e lecionar História da Pintura Italiana. Em 2008, estabeleceu-se por conta própria com uma galeria de arte e antiguidades no centro de Paris (Galerie Mendes, rue de Penthièvre, 36 e 45). Nos últimos anos tem andado à redescoberta das suas raízes lusas através da história da arte. E acredita que a arte portuguesa pode finalmente conquistar o seu espaço no Museu do Louvre. É membro do Conselho da Diáspora Portuguesa.