Filme luxemburguês vai aos Óscares em nome das mulheres iranianas
"La Valise Rouge" é uma curta-metragem realizada por Cyrus Neshvad, luxemburguês cujos pais fugiram do Irão em 1979.
Cyrus Neshvad, realizador luxemburguês de origem iraniana, filmou "La Valise Rouge" no Aeroporto do Luxemburgo. © Créditos: Sibila Lind
Centrada na busca de liberdade de uma rapariga iraniana de 16 anos, que tira o véu islâmico ao aterrar na Europa, a curta-metragem "La Valise Rouge" ("A Mala Vermelha", em português) vai marcar presença na cerimónia dos Óscares, marcada para 12 de março.
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O filme, realizado e produzido pelo luxemburguês com raízes iranianas, Cyrus Neshvad (os pais fugiram da revolução islâmica no Irão, em 1979, quando era ainda criança) está entre os cinco nomeados na categoria de Melhores Curtas-Metragens.
Um feito "de loucos" que Neshvad e a sua equipa não anteciparam quando este filme de 17 minutos, com um diálogo minimalista, foi rodado no início de 2021, no cenário asséptico do aeroporto do Luxemburgo.
Menos de dois anos depois, o filme está agora no centro das atenções, na mesmo altura em que o mundo assiste à revolta popular no Irão desencadeada pela morte de Mahsa Amini, que foi acusada de usar o seu véu de forma imprópria. A onda de protestos foi duramente reprimida pelo regime teocrático.
No Irão, "as mulheres estão sob o domínio dos homens"
"Para mim, o filme é uma mulher, isto é, sobre as mulheres no Irão que estão sob o domínio dos homens", disse o cineasta numa entrevista à AFP. No Irão, "se uma mulher quiser fazer algo, ou ir visitar algo, o homem (o seu pai ou marido) tem de concordar e escrever um papel e assiná-lo", explica.
Em "La Valise Rouge", uma adolescente que chega sozinha de Teerão remove o hijab (véu islâmico) para escapar ao homem de 50 anos que a espera no aeroporto de fato e gravata, com um ramo de casamento.
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Este gesto é um momento de "coragem", comenta Cyrus Neshvad, uma forma de dizer ao público "segue-me, faz como eu, tira o teu hijab, não aceites esta dominação, e sê livre".
Para Nawelle Evad, a atriz francesa - filha de mãe argelina - que interpreta a adolescente iraniana, este papel teve um eco particular.
"Saí de casa quando tinha 19 anos e também me encontrei sozinha numa cidade que não conhecia de todo, Paris", diz à AFP. "É a mesma coisa neste aeroporto, que representa realmente o meio termo entre o passado e o futuro."
"Ouço a minha família ou faço as minhas escolhas?"
Sobre o véu, a atriz de 22 anos de origem muçulmana explica que "costumava usá-lo". "Para mim nunca foi uma obrigação, o objeto tornou-se mais cultural do que religioso", continua. E na curta-metragem a sua personagem "tira o véu mas não é essa a sua vontade", avalia.
"É isso que eu acho tão bonito neste filme... as dúvidas com que todos, em qualquer país, em qualquer cultura, são confrontados", continua Nawelle Evad. "O que devo escolher para mim próprio? Será que ouço a minha família? Será que faço as minhas próprias escolhas?"
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Cyrus Neshvad ficou radiante ao saber que "La Valise Rouge" tinha sido selecionada para os Óscares, e vê nela uma oportunidade para sensibilizar ainda mais para "a causa das mulheres iranianas".
"É um sentimento insano fazer arte para o real. Nunca tive esta sensação de estar no mundo real com o cinema", diz Nawelle Evad.
Segundo as Nações Unidas, pelo menos 14.000 pessoas foram presas no Irão desde que a onda de protestos em defesa da liberdade das mulheres começou em setembro de 2022, incluindo celebridades, jornalistas, advogados e cidadãos comuns.