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Elida Almeida. Demasiado jovem para tanta vida

No dia 15 de outubro, a cantora vai atuar na Philharmonie. Fomos saber a história de uma voz particular.

Nuno Ramos De Almeida

Elida Almeida sempre foi precoce. Demasiado nova quando lhe morreu o pai. Adolescente, com 17 anos, quando teve um filho. Com apenas 22 anos ganhou, em 2015, o importante prémio RFI Découvertes, que lhe permitiu ter condições para gravar um disco e ir de tournée por vários países do mundo.

O seu primeiro disco foi lançado pela editora discográfica Lusoafrica, casa de nomes grandes da música de Cabo Verde, como Cesária Évora e Mário Lúcio.

A sua descoberta tem um toque de acaso, em 2014, José da Silva, homem da editora Lusoafrica, fez uma volta pelos bares da Praia e descobre uma voz juvenil, com cara de miúda, mas que canta histórias demasiado vividas.

Quando o produtor percebe que é ela própria que canta e compõe as suas canções, decide levá-la para gravar um disco. Ela ultrapassa o medo e vai cantar as músicas que “tinha medo que não fossem aceites”. É um sucesso. Os seus dramas colocados nas melodias ecoam nas vidas de muitos dos jovem de Cabo Verde. Acaba por se tornar a voz de uma geração. Um feito improvável para uma jovem que aprendeu a cantar numa igreja e que chegou a animar uma emissão de correio sentimental numa pequena rádio da ilha de Maio.

Na canção Nta Konsigui (“Eu conseguirei”), ela canta : “Eu posso resumir em menos de um minuto (…) É a minha vida, a minha pequena história/Contada num pedaço de papel, tanto doce como amarga, (…) Mas eu vim ao mundo, e pouco a pouco, farei o meu caminho”.

(em crioulo, “Keli e nha vida Keli e storia pikinoti Ki ta leba num padas di papel

Ora doci, ora margos Ora dretu, ora mariadu E si ke nha vida Ora pretu, ora branku Ora ta ri, ora ta txora E si ke nha storia

Mas mundu dja nbem dja Nta futi futi ti ki ntxiga la Mas mundu dja nbem dja Nta futi futi ti ki ntxiga la Pamodi nsabi ma nta konsigui”).

Quando se lhe pergunta se acha que conseguiu cumprir a sua vida, faz um sorriso tímido e responde: “Não, não, “Nta Konsigui” não significa que já consegui, mas que vou conseguir as coisas da minha vida. A música fala sobretudo da fé e da esperança que eu tenho de um dia conseguir o que eu quero. E o quê que é isso? É ver a minha família bem, é ver os meus irmãos – nós perdemos o nosso pai muito cedo e ficamos completamente sem rumo, porque a nossa mãe teve que viajar para a ilha vizinha para trabalhar para nós podermos viver. A minha preocupação é a minha mãe e e conseguir aquilo para que ela trabalhou uma vida inteira. É isso que para mim é conseguir”.

O seu caminho vê-se passo a passo, nascida a 15 de fevereiro de 1993 na ilha de Santiago, Elida Almeida cresceu com os seus avós, na pequena aldeia de Kebrada, um lugar afastado pequeno e montanhoso perto de Pedra Badejo, a Este da capital em que agora vive. “Um lugar sem estradas, sem eletricidade” onde apenas um pequeno aparelho de rádio a pilhas estabelece a ligação ao exterior, mas onde existe a felicidade de inventar a vida e as coisas para fazer. Quando se lhe pergunta se tem regressado ao sítio da sua infância e se tudo mudou, volta a rir com franqueza: “O tempo quase não passou por este local, só há um ano ligaram a luz elétrica. Não dá todos os dias e nem toda a gente a tem. Quando estou lá eu esqueço quase tudo do que é o mundo moderno. Preciso de voltar lá. São as minhas raízes. Vivo presentemente na Praia, mas sempre que eu posso vou ter com a minha avó. Passo um dois dias, e no terceiro dia, fujo até porque não há internet” (risos).

Partiu aos 14 anos para a ilha do Maio. Aí ajudava a sua mãe que vendia legumes e fruta no mercado da Vila do Maio, igualmente chamada de Porto Inglês. Foi mãe aos 17 anos, mas conseguiu nunca abandonar os estudos. É nessa nova ilha para ela que Elida Almeida, aperfeiçoa a sua cultura musical ao apresentar um programa na rádio local. Aprendeu a cantar nos cantos da Igreja, não tem músicos na família. É ali que a sua voz começa a ecoar para o céu. Depois de conhecer José da Silva Grava “Ora doci, Ora margos” em 2014, o título “Nta Konsigui” que ela compôs com a idade de 17 anos, foi logo incluído no genérico da telenovela portuguesa “A Única Mulher”, fazendo-a ultrapassar fronteiras.

Em Cabo Verde terra pequena de gente que tem de emigrar para sobreviver a música parece ser um dom maior. Elida concorda não concordando totalmente: “muitas vezes dizem-me isso, mas não sei explicar, e de alguma forma acho que não se pode dizer que seja só em Cabo Verde que a música tem essa importância. Eu fiz uma tournée em 2016 por vários países de África, por 16 países, e reparei que a música é fundamental na África em geral. Em toda a África ouve-se música e ouvem-se instrumentos de outro mundo. A diferença é que nesses países há várias escolas de música, como no Mali e Congo, mas em Cabo Verde não há. Aqui, todos os músicos aprenderam de ouvido, com um pai, com um tio ou com um irmão. Eu não tive essa hipótese, não tinha ninguém na família ligado à música. Comecei na Igreja. Era uma comunidade muito católica, foi aí que eu comecei a cantar”, recorda.

Esse lugar na música e tudo que conquistou não lhe foi dado à nascença: Elida Almeida, construi-o com persistência. Para criar com toda a liberdade “Bersu d’Oru” (“Berço de Ouro”), uma canção que fala disso, Elida Almeida serviu-se de um ritmo muitas vezes silenciado, a tabanka, utilizado nas festas de carnaval na ilha de Santiago, tendo-se tornado num símbolo da luta pela independência do país. Quando canta a canção Elida vai evocando nomes, os nomes das pessoas que deram sangue, ritmo e música à tabanka: Manuzinhu, Sema Lopi, Nha Nacia, Katxás, Norbetu… “Cresci com a presença destes mestres ancestrais da tabanka, sonhei muitas vezes dançar com eles. A tabanka é uma tradição criada para contornar a proibição dos ritmos e instrumentos africanos decretada pelo colonizador”, diz. O carnaval servia para um ajuste de contas disfarçado de festa com o colonizador: anualmente, reis e rainhas negros desafiam os senhores brancos, divertiam-se com as suas falhas e reconstituem num grande carnaval o esplendor negro. “Gostei de aproveitar esse ritmo. Para mim é algo das minhas raízes e significa também fazer justiça às nossas músicas silenciadas. Faz-me muita confusão a injustiça, como a repressão à nossa música, até por isso eu gostava de ter estudado Direito, para dar um maior contributo para a correção das injustiças”, confessa-nos quando falamos com ela.

A música é algo que constrói a identidade dos cabo-verdianos. Mais que as ilhas de que são naturais é nas notas da música que eles se afirmam. “Nas viagens que eu fiz à Cova da Moura encontrei pessoas que nunca foram a Cabo Verde, mas que são muito mais cabo-verdianos que eu, na forma de falar e na pronuncia. É incrível parece que está na massa do sangue. Onde quer que seja encontramos o nosso povo, a nossa terra e cultura. Nos EUA há filhos de cabo-verdianos que não falam crioulo, mas é uma minoria, a maior parte deles sente e vive Cabo Verde. Trabalham um ano inteiro de uma forma desumana , com três ou quatro trabalhos por dia, para no verão irem ver a família para as ilhas. A nossa comunidade é muito especial. Vivem a nossa música parece que viajam para a terra nas nossas canções. Em França estava a dançar no meu concerto e parece que não estava lá , que estava a dançar na sua terra”, explica.

Sobre o seu trabalho, insiste neste caminho, como confirma: “Continuo na mesma linha do primeiro disco: a ter o meu povo inspiração, tudo o que se passa ao meu redor, o meu dia-a-dia, o que acontece com os vizinhos, os familiares, os amigos”, diz, à agência Lusa, Elida Almeida, sublinhando que um dos objetivos do novo trabalho é “promover, o máximo possível, a tabanka, um estilo que está a cair em desuso”. Segundo Elida Almeida, autora da quase totalidade dos temas que integram o trabalho, ’Djunta Kudjer’.”tem Cabo Verde lá dentro”.

“Temos funaná, temos tabanka, temos fusões entre Cuba e Cabo Verde e outros países de África”, acrescentou, sublinhando que este disco pretende ainda apelar às pessoas para que cultivem mais a amizade e o amor entre si.

Não gosta que lhe digam que os seus temas são políticos, acha que essa palavra se presta a conotações que não quer. “Não gosto da palavra. Sou apenas uma pessoa que as pessoas gostam de ouvir, por isso gosto de refletir e passar uma mensagem. Fiz uma radiografia de coisas que preocupam a minha família, aos meus vizinhos, como a violência doméstica, a droga, guerras de grupos de gangues”, argumenta, para concluir, “Cabo Verde não tem riqueza, vivemos do turismo e da música, o que faz que a camada jovem siga caminhos mais fáceis do roubo e da delinquência, eu só fiz essa radiografia”.