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Cristina Dias de Magalhães. A fotógrafa que capta o instinto de descobrir o mundo

“Instincts. Same but Different” é o novo trabalho da artista luso-luxemburguesa. Está patente em Lisboa e chega ao Luxemburgo em janeiro.

Fotografia "Twins" da série Instincts. Same but different, 2020, de Cristina Dias de Magalhães

Fotografia "Twins" da série Instincts. Same but different, 2020, de Cristina Dias de Magalhães © Créditos: Cristina Dias de Magalhães

Jornalista

Cristina Dias de Magalhães faz parte da “comitiva” do Luxemburgo que, até novembro, exibe os seus trabalhos no festival de fotografia Imago Lisboa, em Portugal. “Instincts. Same but Different” é o título da série que reúne o mais recente corpo de trabalho da artista luso-descendente e que, a partir de 16 de janeiro estará patente no Centre d’Art Nei Liicht, em Dudelange.

Esta sua obra mais recente é, no entanto, uma espécie de seguimento do trabalho anterior, num processo artístico que Cristina Dias de Magalhães tem construído em torno, simultaneamente, da sua evolução como mulher e artista e que agora, em “Instinct. Same but Different”, ganha também a dimensão de mãe, já que se centra nas suas filhas. “Comecei este projeto já em 2019. Quando fiz a exposição no Luxemburgo, ’L’autre-portrait & Embody’ no Mês Europeu da Fotografia, já tinha a ideia de trabalhar sobre o universo das minhas filhas”, conta ao Contacto.

Foi nesse meio caminho, entre um projeto e outro, que decidiu apresentar o seu portfólio a um júri internacional da primeira edição do Imago Lisboa, e também a Rui Prata, coordenador do evento. Acabou por ser convidada a expor este seu novíssimo trabalho, participando na segunda edição do festival lisboeta com “Instincts. Same but different”, onde retrata Victoria e a Helena, as suas duas filhas gémeas, o seu universo infantil e as suas descobertas.

Da evolução da vida de uma mulher ao longo dos anos, presente no anterior 'Embody’ e que percorre diferentes fases, “desde o ser jovem, passando pela descoberta, até ser adulta e assumir responsabilidades, tudo em diálogo com auto-retratos”, a fotógrafa passa a observadora externa, focando o olhar para o retrato de outros, ainda que mantendo a esfera da intimidade, neste caso familiar. Aqui são as suas filhas de três anos os sujeitos de um trabalho fotográfico que procura revelar esta etapa do seu crescimento, nos primeiros contactos com o mundo, sem o filtro de outras idades. “É por isso que tem no título a palavra “instincts” [instintos, em português], porque se relaciona com a forma como elas vão descobrindo o seu ambiente, de uma maneira natural, instintiva, espontânea, como uma criança faz, sem preconceitos”, explica, acrescentando que também se interessou por fotografar “a interação entre as duas”.

Essa abordagem inicial da relação com o meio envolvente é explorada no diálogo entre as gémeas e os animais, que as duas gostam de observar e analisar, e através do qual vão aprendendo a interagir também com o resto.

Neste trabalho é, por isso, possível ver fotografias em que surge esse contraponto, onde “os instintos que as pessoas acabam por ter, quase como os animais” aparecem lado a lado com a imagem do humano, numa semelhança entre posturas e reações. “Os animais fotografei no Museu de História Natural de Genebra (Suíça), que visito muitas vezes e que as minhas filhas adoram. Foi nessas visitas que comecei a criar essa ligação entre o ser humano e os animais, e com a natureza. O animal também vive em comunidade, tenta sobreviver, e às vezes tem aquele olhar de guia ou de alerta de perigo. Eu também tenho esse olhar em relação às minhas filhas, o de guiá-las ou de querer protegê-las dos perigos. E é também aquela inocência que existe no início, quando se está a descobrir o mundo”, ilustra.

Já a segunda parte do título da série, “Same but Different” (“Iguais mas Diferentes”), revela, a partir da observação da mãe fotógrafa, como as filhas vão evoluindo “de maneira diferente”, refletindo ao mesmo tempo uma “observação também do que é ser criança, do descobrir e tentar compreender melhor esse mundo”. Porque, como diz, a descoberta é mais do que a do contexto familiar.

Assim, há um encontro físico com o universo exterior mas também imaginário, fruto da apreensão que se faz dessa descoberta e que é traduzida na composição das imagens, onde se combinam desenhos, retratos e aspetos figurativos do meio natural e animal.

Na exibição dos mundos infantis e instintivos desaparecidos, por que todos já passamos, este trabalho acaba por remeter-nos para o relacionamento que construímos com outras pessoas e o nosso planeta, obrigando-nos a redefinir a nossa própria identidade e humanidade.

"Adventure", da série Instincts. Same but different, 2020, de Cristina Dias de Magalhães

"Adventure", da série Instincts. Same but different, 2020, de Cristina Dias de Magalhães © Créditos: Fotografia de Cristina Dias de Magalhães

É também essa grande temática que atravessa a obra da fotógrafa de 40 anos. Vivendo e trabalhando entre o Luxemburgo e Genebra – onde passou os último dois anos – Cristina Dias de Magalhães está de regresso ao Grão-Ducado, onde começou o seu gosto pela fotografia, desenvolvido, depois, nas Artes Plásticas.

“Fui estudar para Paris e percebi muito rapidamente que a maneira de me exprimir melhor era a fotografia, e a preto-e-branco. Fiz várias coisas, mas as pessoas acabavam sempre por prestar atenção às minhas fotografias, por tentar mostrar o mundo de outra maneira, mais filosófica, de questionar o que via, quem sou eu/quem é o ser humano, o que é que este esconde de si próprio e como é que através de uma fotografia se pode dizer mais, sem mostrar demais. Tento falar das coisas que uma pessoa traz em si, mas não revela logo de uma maneira frontal. É todo esse trabalho de memória, do corpo, de questionar a identidade de nós próprios, do ser humano, que me interessa ”

Em “Embody”, síntese de 20 anos de trabalho, em que trata e observa a sua própria evolução, a fotógrafa consegue perceber, na fase que acompanha a sua juventude, a procura da sua própria identidade, partindo das suas origens, herdadas da parte portuguesa dos pais, oriundos do norte do país, até não haver fronteiras. “Para mim foi muito importante sair do Luxemburgo, ir estudar para Paris. Mas também viajei muito depois, porque tinha aquela necessidade de descobrir o mundo e de tentar e encontrar as minhas próprias raízes. E, finalmente, já aos 30 e tal anos compreendi que já era uma mulher adulta, com as suas responsabilidades, que vai ser mãe. E isso trouxe-me novas dimensões no trabalho.”

A próxima fase seguirá, de certa forma, a espontaneidade que tem orientado o seu percurso artístico até aqui. “Aquilo que se estiver a passar, eu observo, questiono e tento compreender e depois tento exprimir, através da série que fizer, o que sinto, vejo e está a acontecer.” Por isso, a única garantia que Cristina Dias de Magalhães deixa é a de que estará, mais uma vez, disponível para se deixar “interpelar” pelo que a rodeia, seguindo a autenticidade e sempre o instinto.