Behind the Candelabra: A minha vida deu um filme
O festival de Cannes de 2013 foi, como quase sempre, um desfile de excelentes interpretações, mas o mais marcante dos desempenhos deve-se a Michael Douglas. O improvável papel de Liberace, entregue pelo realizador Steven Soderbergh ao actor americano, não foi premiado pelo júri do maior festival do mundo, mas foi sem dúvida a melhor prestação do 66° festival de cinema de Cannes.
Uma coisa é certa: com este casaco, este Inverno não tenho frio!
O prémio para a melhor interpretação masculina foi entregue a outro veterano da Sétima Arte, Bruce Dern, que conquistou o galardão em "Nebraska", de Alexander Payne.
Michael Douglas é brilhante no papel de Liberace, porque vai muito mais longe do que aquilo que se espera de um simples "biopic". Douglas imprime-lhe emoção, personalidade e humanidade, transformando "Behind the Candelabra" em muito mais do que uma biografia.
Liberace foi um dos pianistas mais populares durante mais de 30 anos nos Estados Unidos. Com apenas onze anos foi solista num concerto e, durante a adolescência, tocou com importantes orquestras. Mas Liberace não se tornou num pianista clássico, mas num verdadeiro "showman". Liberace criou muitos dos números e formatos da sua época, tendo redefinido os "shows" à moda de Las Vegas num estilo que no filme é descrito como "kitsch palaciano".
Presente na televisão desde 1953, Liberace nunca assumiu a sua homossexualidade e processava todos os "media" que aflorassem a questão. Em 1973, o pianista publica uma autobiografia onde diz que o amor da sua vida foi uma mulher. Liberace morreu aos 67 anos por complicações causadas pela SIDA.
Um dos seus amantes, Scott Thorson, interpretado no filme por Matt Damon, escreveu "Behind the Candelabra", um livro autobiográfico no qual se inspirou o argumentista Richard LaGravenese. Contudo, o filme de Soderbergh assume certas liberdades relativamente aos factos e ao livro. O realizador mais profícuo da actualidade aposta numa abordagem humana, fazendo o contraste do artista com o Liberace em privado.
Soderbergh opta por mostrar o homem que envelhece, careca, com barriga, mas completamente obcecado pela beleza e pela forma física dos seus amantes. Mas a estrela do piano de "Behind the Candelabra" vai mais longe e pede mesmo a Scott que faça uma plástica para se parecer mais com... Liberace quando jovem.
É curioso ver Michael Douglas a assumir este papel de "sugar daddy" sem limites e com brilhantismo. O actor não embarca na abordagem biográfica exagerada, concentrando-se claramente no homem e nos seus medos e preocupações.
O facto de Liberace ser homossexual não muda nada na história de Liberace. A mesma série de eventos poderia ter acontecido com qualquer homem rico que decidisse "adoptar" uma companheira, mais uma de muitas.
O que torna esta história ainda mais relevante é o facto de um artista que podia permitir-se tudo não ter assumido nunca a sua homossexualidade, apesar de isso lhe trazer muitos problemas no final da relação com Scott Thorson. Recorde-se que a acção de "Behind the Candelabra" decorre entre 1977 e meados dos anos 80, e que a atitude relativamente aos artistas "gay" não era a mesma que nos nossos dias.
Liberace parece querer agradar sobretudo à sua mãe e, como a ela, a todas as "avós" americanas que o admiraram até à morte. Liberace mostra ser generoso, apaixonado, mas também um verdadeiro cérebro do "show biz", sendo essa sua faceta representada pela personagem do seu agente, encarnado por Dan Aykroyd. O pianista sabia o que queria e estava atento às tendências. É curioso vê-lo criticar Jane Fonda por causa de a actriz ter posições políticas. Liberace sabia agradar a gregos e a troianos. E a sua vida deu um belo filme.
"Behind the Candelabra", de Steven Soderbergh, com Michael Douglas, Matt Damon, Scott Bakula, Debbie Reynolds e Dan Aykroyd.
Raúl Reis