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Atrizes portuguesas recriam obra 'A Menina do Mar' no teatro em Esch

Dirigida por Rita Bento dos Reis, a peça inspirada no conto de Sophia de Mello Breyner é reinventada em francês, com Magaly Teixeira, e em luxemburguês, com Hana Sofia Lopes, este fim de semana, no teatro Ariston, em Esch.

A lusodescendente Magaly Teixeira e o luxemburguês Pitt Simon dão vida às personagens infantis Sophia e Frank.

A lusodescendente Magaly Teixeira e o luxemburguês Pitt Simon dão vida às personagens infantis Sophia e Frank. © Créditos: António Pires

Jornalista

É uma história sobre duas crianças – Sophia, uma rapariga de origem portuguesa, e Frank, um rapaz luxemburguês – que vão para o sótão da casa da menina à procura de um códex mágico. Lá descobrem um baú de outro tempo. Através de uma espécie de projetor antigo, vão imaginando uma história fantástica, com as imagens que vão vendo e os objetos que encontram. E é então que começam a inventar a história da Menina do Mar.

Adaptado do famoso conto português de Sophia de Mello Breyner Andressen, com o mesmo nome, este espetáculo, dirigido pela atriz e diretora lusodescendente Rita Bento dos Reis, entrará em cena este sábado, às 17h, em francês, e no domingo, às 11h, em luxemburguês, no Ariston - Escher Theater, em Esch-sur-Alzette. A peça terá a participação de duas atrizes de origem portuguesa: Magaly Teixeira será Sophia na versão francesa e Hana Sofia Lopes terá o mesmo papel na versão luxemburguesa.

O espetáculo, com a duração de cerca de uma hora, é dirigido sobretudo ao público infantil, para crianças com idades entre os 7 e os 11 anos. O preço dos bilhetes é de 3 euros para crianças, 6 euros para jovens e 12 para os adultos. Além das duas sessões para o público em geral, este fim de semana, a peça será também apresentada em sessões escolares, na segunda-feira, dia 27, às 10h e às 14h30, na quarta-feira, dia 29, às 10h e 14h30, e na quinta-feira, dia 30, às 10 horas. Também será apresentada no CAPE Ettelbruck nos dias 9 e 11 de junho.

A génese do projeto “La petite fille de la mer”, como é apresentado, em francês, esteve na bolsa que Rita Bento dos Reis pediu para fazer uma pesquisa sobre a obra de Sophia de Mello Breyner para uma adaptação ao teatro. “Recebi uma bolsa que se chama ‘Résidence à domicile’, do Ministério da Cultura luxemburguês, que foi atribuída durante a pandemia para que os artistas que estavam bloqueados em casa pudessem continuar a trabalhar e a projetar-se no futuro. Estava fechada em casa e imaginava coisas que talvez um dia pudesse fazer”, recorda a diretora.

Depois da pesquisa, decidiu que era com a obra ‘A Menina do Mar’ que queria trabalhar. “Era um livro que eu lia quando era pequena com a minha família e na escola. Também li vários contos às minhas filhas e sentia uma grande conexão com esta obra”. Propôs o projeto à Compagnie du Grand Boube e ao Teatro de Esch, que se “mostraram logo muito interessados, porque há uma grande vontade de se chegar à comunidade portuguesa”.

Além disso, recebeu uma bolsa da fundação Sommer para fazer ateliers para crianças para a ilustração da obra com uma técnica de contagem de histórias que se chama ‘kamishibai’. “As crianças criam o universo plástico e depois a representação. Todos os vídeos foram feitos por alunos do Lycée Ermesinde Mersch. É um espetáculo que tem a colaboração de jovens para uma peça com um público jovem”.

O projeto começou há dois anos, mas os ensaios tiveram apenas início em dezembro passado. A equipa juntou-se para trabalhar durante cinco semanas. Um dos desafios foi a adaptação da obra original portuguesa para as versões de teatro em francês e luxemburguês. “Faz parte do projeto encontrar esta obra para as crianças e adultos de origem portuguesa, mas também para crianças e adultos de outras origens para descobrirem a obra de Sophia de Mello Breyner, que é tão bonita, assim como todos os temas que a obra trata”, reflete a diretora.

A diretora da peça, Rita Bento dos Reis.

A diretora da peça, Rita Bento dos Reis. © Créditos: António Pires

Para já, ainda não há uma versão em português, mas existe uma “vontade muito grande” de o fazer, admite Rita. “Gostava imenso de levar a peça para Portugal, porque acho que o trabalho dos atores e de toda a equipa criativa está extraordinário e seria um espetáculo muito interessante. Talvez até em francês, porque há uma grande comunidade francófona em Lisboa”.

Apesar disso, o espetáculo conta com a interpretação de duas atrizes portuguesas, o que para a diretora da peça era “muito importante”, ainda que o texto seja apresentado em francês e luxemburguês. Um dos objetivos é chegar às diferentes comunidades do Luxemburgo através das crianças. “Para mim era muito importante falar de nós agora, das crianças daqui, porque quanto mais específicos somos na história, mais as pessoas podem sonhar”, explica.

No entanto, a diretora não quer chegar apenas às crianças, mas também aos pais e aos irmãos mais velhos. “Quero que se divirtam tanto como os mais pequenos, porque é uma peça para toda a gente que tem alma de criança ou que é criança. Os atores fazem um trabalho extraordinário, porque é uma peça muito divertida, mas para conseguir a diversão e a comédia e a profundidade é preciso muita técnica”, elogia Rita.

Depois desta peça, a atriz e diretora portugues já tem outros projetos. Fará a leitura em português da peça feminista “Moi, je suis Rosa!”, em Neumünster, para o 1 de maio. E vai fazer parte da equipa de escritores de uma série em Portugal que se chama “Pais anónimos”, que é produzida pela Wild Fang Films e Arquipélago Filmes.

Um encontro entre lusodescendentes

Uma das atrizes portuguesas que interpreta a menina Sophia é Magaly Teixeira, que faz o texto em francês. Para a lusodescendente, o maior desafio deste papel foi encontrar um equilíbrio entre não ser “criança demais” e ao mesmo tempo não ser “demasiado adolescente”.

Além disso, teve de transformar a personagem original com uma língua diferente, mas elogia a forma como a diretora reinventou a obra. “A Rita fez um trabalho espetacular. A maneira como ela fez viver esta personagem é diferente da ideia que eu tinha quando me leram a história em miúda. Mas ficou bastante fiel ao original. É um idioma internacional, porque a mensagem da tolerância, da aceitação, pode ser passada em todas as línguas”.

Em palco, Magaly contracena com o ator luxemburguês Pitt Simon, que interpreta o pequeno Frank. Os artistas já se conheciam, mas nunca tinham trabalhado juntos. “Correu super bem desde o início. Primeiro, porque ele é um excelente ator. É muito generoso na maneira de trabalhar. Então fomos construindo e criando as nossas personagens como numa maneira de ping-pong, ele dava-me qualquer coisa e eu dava-lhe de volta”, conta a lusodescendente.

A atriz lusodescendente Magaly Teixeira.

A atriz lusodescendente Magaly Teixeira. © Créditos: António Pires

Durante os ensaios, conseguiram encontra um equilíbrio entre as duas personagens, que são “bastante distinas”. E, fora do palco, também se foram conhecendo. “O Pitt é uma excelente pessoa e um ótimo colega de trabalho. Tem ideias fantásticas e escuta imenso os outros. É muito produtivo trabalhar com ele”, afirma Magaly.

A atriz também nunca tinha trabalhado com as colegas lusodescendentes Rita Bento dos Reis e Hana Sofia Lopes ao mesmo tempo. Ainda não foi desta que subiram as três ao palco, mas é um início, assinala Magaly. “Conheci a Rita há um ano, quando trabalhamos com a Mala Voadora no espetáculo da Declaração Universal dos Direitos Humanos e entendemo-nos super bem. Há muito tempo que queria voltar a trabalhar num projeto com crianças. Quando a Rita me convidou para fazer a peça em francês, enquanto a Sofia fazia a peça em luxemburguês, fiquei muito feliz”.

Para Magaly, o facto de Rita também ser atriz e conhecer o vocabulário para dirigir atores em palco foi uma vantagem preciosa. “Tem um cuidado extremo e uma inteligência emocional que nos permite sentir confiantes para experimentar coisas. Deu-nos muita liberdade. Foi uma partilha super enriquecedora e um grande prazer trabalhar com ela”.

Também se foi cruzando com Hana Sofia Lopes, que faz o mesmo papel em luxemburguês, e trocaram ideias para que a personagem fosse o mais idêntica possível nas duas versões. “É muito interessante ver esta personagem criada, interpretada e evoluída com atrizes diferentes”.

Quanto a projetos futuros, Magaly já está a ensaiar para o seu próximo projeto de cinema, que será uma curta-metragem. Vai também estar em palco com dois espetáculos em inglês, com a encenadora Anne Simon, chamados “The Censor”, no Kinneksbond, em Mamer, e “Venus in Fur”, no Théâtre des Capucins. “Vão ser temas completamente diferentes deste espetáculo. Estou a ter um ano de 2023 fantástico até agora”, afirma a atriz.

O desafio de voltar a ser criança

Pitt Simon, o ator luxemburguês que sobe a palco com as duas atrizes portuguesas, não conhecia a história da “Menina do Mar”, mas quando Rita lhe apresentou o projeto, há cerca de um ano, ficou tão entusiasmado com a ideia que disse logo que aceitava. Além disso, não é a primeira peça para crianças em que participa e isso é algo que “gosta de fazer de vez em quando”.

O artista acredita que a diretora encontrou uma forma “muito boa” de escrever a peça, uma vez que a obra original não tinha sido escrita para o teatro. “Conseguiu adaptá-la muito bem para mostrar às crianças”, reconhece. Sobre a relação da sua personagem com a menina Sophia, Pitt afirma que é uma amizade “muito bonita”. “O Frank é um miúdo solitário, que gosta de estar entre os seus livros a ler. Imagino-o como se não tivesse muitos amigos na escola. Ela também terá sofrido um pouco de bullying. Então encontram-se e brincam e riem juntos”.

O ator luxemburguês Pitt Simon.

O ator luxemburguês Pitt Simon. © Créditos: António Pires

Tal como para Magaly, o maior desafio para Pitt foi a questão da idade da personagem, mas ele acredita que no teatro se pode interpretar qualquer coisa. “Eu tenho 45 anos, então interpretar um rapaz de 10 anos obriga-me a encontrar formas de não o tornar demasiado ingénuo e ter os gestos e a curiosidade, todos esses detalhes. Foi um desafio interessante”.

O ator brinca também com o facto de nunca ter “ouvido falar tanto português” como nos ensaios da peça, mas considera que é importante haver essa colaboração e até aprendeu algumas palavras com as colegas. “Os portugueses são uma comunidade enorme no Luxemburgo e é bom trabalhar em conjunto. Já tinha trabalhado com a Sofia antes. Foi muito bom encontrar esta história. Aprendi a dizer: ‘Era uma vez uma casa branca’…”, disse, em português, com uma gargalhada.

Pitt teve um percurso artístico quase sempre ligado ao teatro. Fez os estudos em Paris e voltou ao Luxemburgo em 2006, para participar na sua primeira peça no país de origem. Fez também algumas participações em filmes, mas é no teatro que se sente "em casa". "Gosto muito do lado íntimo do teatro. Depois desta peça, já tenho mais alguns projetos. O próximo é no Kasemattentheater, em alemão, chama-se “Janus”. Depois tenho o “Mendy - das wusical”, no Théâtre des Capucins”, conclui.